Marcella Muniz fala sobre o assédio que sofreu no passado: ‘Calar as pessoas por medo ou chantagem é deprimente’


A atriz fica feliz de ver as novas gerações de mulheres se posicionando firmemente e tendo voz ativa contra crimes como o assédio. Na vida profissional ela vive um momento especial e acaba de entrar na trama de Gênesis, da Record, interpretando Maresca, personagem que na fase jovem foi vivida por sua filha Thais Müller. Na vida particular, cuida da empresa de confort food, tem um grupo de resgate de pets e planeja levar aos palcos um projeto sobre mulheres nos 50 anos. “Nada me afetou, nem a menopausa. Minha filha Priscilla até fala: ‘Mãe, pelo amor de Deus, você está com 54 anos, esse teu fogo não vai passar não?’ Eu falo ‘tomara que não, só deitada no caixão’”

* Por Carlos Lima Costa

Aos 40 anos de sua estreia na televisão na novela Os Imigrantes, Marcella Muniz vive uma fase especial. Ela acaba de entrar em cena em Gênesis, trama da Record, interpretando Maresca, que na fase jovem foi vivida por sua filha, Thais Müller. “É uma oportunidade única, fica registrado na minha vida como atriz e mãe. Poder fazer a mesma personagem da minha filha é um presentão, que nos pegou de surpresa e trouxe muita emoção. Tenho um lado maternal forte, cheguei a dar um tempo na carreira para criar os filhos. Então, esse momento, agora, marcou a minha profissão e a dela também. O trabalho me proporcionou um sentimento profissional e maternal ao mesmo tempo”, frisa Marcella, ressaltando que antes havia visto situação semelhante com Regina Duarte e Fernanda Montenegro com suas respectivas filhas, Gabriela Duarte e Fernanda Torres.

“É uma oportunidade única, fica registrado na minha vida como atriz e mãe. Poder fazer a mesma personagem da minha filha é um presentão, que nos pegou de surpresa e trouxe muita emoção", pontua Marcella (Foto: Vinicius Mochizuki)

“É uma oportunidade única, fica registrado na minha vida como atriz e mãe. Poder fazer a mesma personagem da minha filha é um presentão”, pontua Marcella (Foto: Vinicius Mochizuki)

Marcella relembra o momento da transição da personagem de filha para mãe. “A Tata postou e eu repostei uma foto linda quando entro no estúdio para fazer o fade out dela. Dei um beijo na testa dela, que falou ‘mãe, agora a Maresca está contigo’”, lembra. Os seguidores delas também se comoveram com o relato da jovem artista. “Eu não estou fechando um ciclo ou terminando a história de um personagem. Maresca está em transformação! Além de todas que ela já passou durante a vida, como vocês acompanharam de perto, ela agora vai literalmente tomar outra forma! E não podia ser de um jeito mais lindo! Entrego, confio e acredito em todo o trabalho que ainda está por vir, não só por admirar muito o trabalho dela, mas por ter me ensinado muito do que eu sei. Mãe, que você tome nossa Maresca com toda força que ela me atravessou! Obrigada por dividir esse papel comigo e tornar essa história/trabalho tão único e especial”, postou Thais em sua página no Instagram.

A mãe de Thais credita todo o mérito do sucesso da personagem à filha: “Quando soube que ia fazer, ela já estava gravando. A construção foi toda dela, que é uma excelente atriz, independentemente de ser minha filha, e interpretou a personagem brilhantemente. Até uma risada específica que ela tinha, eu aprendi a fazer. Mandei minhas primeiras cenas para a Thais falar, para que assim eu mantivesse a mesma musicalidade da cena. E quanto aos olhares, a forma como construiu para mim é tranquila, porque ela tem um trabalho de atriz muito parecido com o meu.” Gênesis, aliás, é a primeira produção na TV que reúne as duas. Antes, participaram juntas somente no cinema, no filme O Meu É Meu, O Seu é Nosso, que deve estrear em 2022, e no teatro, com a peça Rebeldes, única vez que realmente contracenaram.

Quanto a ter deixado a profissão um pouco de lado, quando as filhas eram pequenas, Marcella não se arrepende, mesmo sabendo que poderia ter atingido outro status na carreira. “Poderia sim, parei em um momento em que estava indo muito bem, onde tinha várias promessas. Mas foi escolha e tiveram questões que não tinham nada a ver com a maternidade, que eu passei na minha profissão e me fizeram também dar uma parada, que foi de assédio”, revela. E prossegue: “Isso tudo me fez parar e maternar um pouco. Esse foi o meu caminho, a minha história. Não conseguiria ser pessoa realizada se não tivesse família tão estruturada, então, está tudo certo. Faço o que gosto, estou sempre trabalhando”. E fica feliz de ver as jovens, hoje, com voz mais ativa para lutar e denunciar os constrangimentos que são crimes. “Hoje em dia os jovens têm voz muito boa e isso está mudando muito. Ainda bem! A Thaís faz parte dessa turma que luta contra o assédio, racismo, a homofobia. Hoje, as pessoas estão mais atentas. Ainda bem, porque calar as pessoas por medo ou chantagem é deprimente. Quando eu era jovem, a gente não tinha tanto essa voz no sentido de que podia. Eu passei por assédio bem descarado como outras tantas passaram e aquilo me deu uma assustada. Pensei: ‘Vou cuidar dos meus filhos’. Aí eu e o Anderson (Müller, pai de Thais e do músico Thiago Müller, caçula de Marcella) moramos fora uma época. O que eu pego disso tudo é que a gente dá uma freada na vida por vários motivos. Mas voltei logo. Quando o Thiago estava com quatro meses eu voltei, fui fazer novela no SBT e nunca mais parei”, lembra.

No momento, além de Gênesis, Marcella pode ser vista nas reprises de Salvador da Pátria, no Viva, e Sassaricando, na Globoplay. “Acho que nesses 40 anos tudo valeu a pena. Faria outra escolha? Talvez sim, com a maturidade que tenho hoje, mas não posso cobrar isso de um passado com a maturidade que eu tenho no presente. Então, para chegar aonde eu cheguei, da forma que eu me sinto bem de cabeça com meus filhos criados, com profissão onde eu tenho 24 novelas nas costas, aonde foram escolhas minhas ter ficado em lugares que fossem mais seguros do que ficar me atirando por aí. Agora, vou sair da Record, que eu considero a minha segunda casa. Chegou o momento de dar outros voos. Ando vendo séries brasileiras nos streamings que eu quero muito fazer. Preciso estar com tempo, sem vínculo com ninguém, para conseguir isso”, explica.

E a atriz, que vai completar 55 anos em outubro, planeja levar para os palcos um projeto direcionado às mulheres acima dos 50 anos. “Meu namorado é diretor de cinema, estou esperando acabar de gravar para organizar várias ideias. Uma delas é essa. Meus seguidores querem saber sobre beleza, que tenho três filhos e neto. Então, tenho um nicho de 50 anos bem bacana do meu lado. E quando resolvi fazer esse projeto, era exatamente sobre o ninho vazio quando Thais saiu de casa, há cinco anos. Eu que tenho filho desde os 16 anos. Lembro que cheguei da gravação de Jesus e vi aquele quarto vazio, foi uma dor muito grande, chorei, chorei, mas segui em frente, calhou que ia ser avó. Desde então, pensei juntar essas questões dos 50 anos e dos filhos quando se vão. Acredito que esses assuntos também interessam a uma boa parte de pessoas”, observou referindo-se a Bruno Costa, de 52 anos, que ela conheceu há 10 anos, trabalhando como preparador de elenco do curta A Mancha, de Luiz Ruffato, que ela rodou, em Cataguazes, Minas Gerais. Depois de uma década, já separados de suas respectivas relações, eles acabaram se reencontrando. “A gente está ‘juntérrimo’ há cinco meses”, conta.

Thais Müller e Marcella Muniz com o figurino da personagem Maresca vivida por elas nas fases jovem e madura, na novela Gênesis (Foto: Arquivo Pessoal)

Thais Müller e Marcella Muniz com o figurino da personagem Maresca vivida por elas nas fases jovem e madura, na novela Gênesis (Foto: Arquivo Pessoal)

Ela que se separou de uma relação de quatro anos no decorrer da pandemia, diz como foi refazer a vida amorosa depois dos 50 anos e como lidou com questões como a menopausa. “Eu nunca tive problema com nada disso. Me perguntam o que faço para ter essa cara saudável. Tudo é a cabeça. Eu sempre tive relacionamentos felizes, sempre gostei de ter relações duradouras. Depois do Anderson, eu nunca quis morar com ninguém enquanto meus filhos eram pequenos. Thais saiu de casa, resolvi casar e morar junto, porque gosto disso. E nada me afetou, nem a menopausa. Minha filha Priscilla (Montes, advogada) até fala: ‘Mãe, pelo amor de Deus, você está com 54 anos, esse teu fogo não vai passar não?’ Eu falo ‘tomara que não, só deitada no caixão’”.

“Tenho muito esse jeito de menina espevitada também com meu neto, Gael (filho de Priscilla) de quatro anos. Sou avó que baba. Ele é um parceirinho. Ele veio para me dar revitalizada na vida. Criança é o máximo, eu adoro, sou apaixonada pelo meu neto. Agora, vou ser avó novamente, da Chloe, filha do Thiago (ele deixou os Estados Unidos e voltou a morar no Brasil), que vai nascer em agosto”, relata.

"Nada me afetou, nem a menopausa. Pra mim, foi muito tranquilo. Minha filha Priscilla até fala: ‘Mãe, pelo amor de Deus, você está com 54 anos, esse teu fogo não vai passar não?’ Eu falo ‘tomara que não, só deitada no caixão’", diverte-se Marcella (Foto: Vinicius Mochizuki)

“Nada me afetou, nem a menopausa. Minha filha Priscilla até fala: ‘Mãe, pelo amor de Deus, você está com 54 anos, esse teu fogo não vai passar não?’ Eu falo ‘tomara que não, só deitada no caixão’” (Foto: Vinicius Mochizuki)

E reflete: “Lido com tranquilidade com a passagem do tempo, gosto da saúde, faço yoga, gosto de caminhar, parei de marombar em academia, por conta de uma hérnia nas costas e fui para o pilates, que também trabalha muito a respiração. E a família me traz jovialidade, tenho necessidade de viver, sou ligada nos 220, sou agregadora. Virei mais seletiva, dá uma calmaria de espírito. E sou budista, vivo o momento de agora sem expectativas. Quero paz, sossego. Quando me perguntam como tenho essa cara jovem, eu indico: ‘Dê muita risada, namore muito e tome uma boa taça de vinho’. De mau humor ninguém me vê, o mau humor não me pega”, avalia.

Além da profissão de atriz, Marcella tem outra paixão. Em 2015, ela se formou na faculdade de Gastronomia e abriu a C’est Potage, empresa de confort food. “Nunca quis ter restaurante, tenho empresa pequena e, às vezes, coloco para funcionar com produtos orgânicos, tem sopas, granolas, pratos saudáveis que comecei a fazer para mim. Por exemplo, não vou para a Record sem levar chá, café ou sopa. Não sei ir a lugar nenhum sem ter uma marmitinha. E lancei essa empresa personalizada. Fazia por encomenda, tinha gente que entregava, que ajudava na pandemia. Se tivesse me encantado pela gastronomia quando jovem, talvez tivesse optado por sair pelo mundo afora para ser chef de cozinha”, admite ela. E pensando na possibilidade de dar aula, vem planejando realizar uma obra em casa para ter um espaço maior. “Gosto muito de cozinhar. E estudo também a alimentação dos pets. Os meus comem ovo, tomam ômega 3, não consomem nada com sódio. A Thais e o Thiago falam que eu tenho que lançar uma linha de comida para pets. É algo que eu penso também. Tem vários projetos que posso me virar”, diz ela, que tem um grupo de resgate, o S.O.S. Pets Adoção. Em casa, ela tem a maltês Bela, além de Sofia e Nina, duas vira-latas. “A Nina veio do grupo de resgate, foi encontrada amarrada dentro de um saco de lixo para morrer. Eu a trouxe aqui para casa como um lar temporário e virou lar definitivo.”

"Quando me perguntam como tenho essa cara jovem, eu indico: ‘Dê muita risada, namore muito e tome uma boa taça de vinho’. De mau humor ninguém me vê, o mau humor não me pega”, avalia (Foto: Vinicius Mochizuki)

“Quando me perguntam como tenho essa cara jovem, eu indico: ‘Dê muita risada, namore muito e tome uma boa taça de vinho’. De mau humor ninguém me vê, o mau humor não me pega”, avalia (Foto: Vinicius Mochizuki)

Em relação a pandemia, nem Marcella, nem os filhos tiveram a Covid-19. “Quando ela surgiu, foi complicado lidar, desesperador, deu medo”, relembra. Em maio do ano passado, o pai de sua primogênita, o advogado Marcello Montes, perdeu a luta para a doença, aos 60 anos. “Ele não tinha nenhuma comorbidade. Foi muito difícil.” Marcella também chorou e morte de amigos como Eduardo Galvão (1962-2020). “Foi muito doloroso, éramos muito unidos. Ele estreou na televisão (em O Salvador da Pátria) fazendo par romântico comigo. Tem sido difícil para todo mundo lidar com as perdas. Teve também o Paulo Gustavo (1978-2021), com quem fiz o filme Minha Mãe É Uma Peça. Quando minha filha perdeu o pai, eu só consegui fazer a Priscilla rir vendo os vídeos do Paulo. Eu até mandei mensagem para ele falando sobre isso. Perdemos uma alegria, porque nunca vi uma pessoa tão do bem, tão alegre, tão profissional, tão tudo”, finaliza.