- * Por Flávio Di Cola
A importância de Pier Paolo Pasolini (1922-1975) para o mundo das artes e do pensamento contemporâneos é impossível de ser etiquetada e não cabe num só campo de atuação. Artista e pensador multimídia, numa época em que essa palavra mal começava a ser balbuciada, Pasolini fermentou – com seu brilho intelectual e artístico cortantes – o mundo da poesia, do jornalismo, da filosofia, da literatura, da dramaturgia, do cinema, da pintura e da política. Pelo menos no âmbito europeu, dificilmente será possível encontrar uma figura pública que tenha provocado tantas polêmicas e choques diretos com os poderes estabelecidos de toda e qualquer coloração ideológica. Tanto que – ao ser sistematicamente perseguido e censurado por todo um arco político-social italiano e mundial – Pasolini acabou passando boa parte da sua vida dentro de tribunais ou respondendo a enxurradas de ataques através de artigos tão originais como penetrantes. Seu assassinato, ocorrido numa praia em Óstia sob circunstâncias especialmente trágicas há quase 40 anos atrás – e, para alguns, previsíveis, considerando a sua vida sexual nômade – foi o episódio que faltava para cristalizar sua imagem de artista rebelde e iconoclasta, e como um dos últimos exemplos genuínos (e não posado) de criador independente e avesso a concessões.
Agora, toda a riqueza multifacetada dessa personalidade complexa poderá ser desfrutada através de um conjunto de eventos simplesmente imperdível e que é, seguramente, o mais completo até o momento organizado no Brasil dedicado ao artista bolonhês: “Pasolini, ou quando o Cinema se faz Poesia e Política de seu Tempo”quecomeça nesta quinta-feira (16/10) no Centro Cultural Banco do Brasil carioca e se estende até o dia 10 de novembro, para depois chegar ao público de São Paulo e Brasília.
Os números dessa verdadeira “orgia pasoliniana” sãoimpressionantes: todos os 22 títulos da sua filmografia estarão em exibição, desde o inaugural “Desajuste social”(Accattone, 1961) até a sua última e mais escandalosa obra “Saló ou os 120 dias de Sodoma” (Salò o le 120 giornate di Sodoma, 1975), passando por títulos que ajudaram a categorizar o cinema italiano como um dos mais críticos e criativos dos revolucionários anos 1960-1970, como “Mamma Roma” (Idem, 1962), com Anna Magnani; o poético “Gaviões e passarinhos” (Uccellacci e uccellini, 1966); “Teorema” (Idem, 1968), filme-marco da década que mudou tudo; “Medéia” (Medea, 1969), a arriscada aventura no cinema da diva da ópera Maria Callas; ou o divertido “Decamerão” (Il Decameron, 1971), exemplo do projeto de Pasolini para recuperar o frescor das fabulações arcaicas num mundo cada vez mais entorpecido por estímulos vazios e sem sentido.
Além do carro-chefe representado pelo conjunto de filmes que chegam através de cópias 35mm renovadas em relação àquelas vistas pelo público brasileiro na época dos seus lançamentos, “Pasolini, ou quando o Cinema se faz Poesia e Política de seu Tempo” ainda tem programado uma exposição de fotografias inéditas – exclusivas da mostra no Rio – que registram as andanças do diretor por países “exóticos” da África e da Ásia em busca do “humano” que – segundo ele – perdera-se durante o avassalador processo de pasteurização cultural trazida pela industrialização do mundo ocidental. O curador da mostra, Flávio Kactuz, pesquisador especialista em Pasolini, também planejou um ciclo de debates com nomes como Nineto Davoli, ator de quase todos os filmes de Pasolini e seu grande amor; o cineasta e roteirista de “Tatuagem” Hilton Lacerda; o também cineasta e escritor João Silvério Trevisan; Roberto Chiesi, diretor da Fondazione Archivio Pasolini, de Bolonha; Mariarosaria Fabris, pesquisadora da USP nas áreas de artes, literatura e comunicação, além do próprio curador que é professor de cinema da PUC-Rio. Também integra essa viagem ao universo pasoliniano, uma mini mostra de filmes brasileiros com títulos de autoria de Lacerda e Trevisan – entre outros diretores, como Glauber Rocha – que buscaram nos planos temático, estético e ideológico um diálogo com o legado de Pier Paolo.
Documentário “El cine de Pier Paolo Pasolini” (Reprodução)
Como se não faltasse mais nada, o público do CCBB ainda poderá assistir a cinco documentários sobre a vida e a obra do visionário artista italiano, enquanto não chega ao Brasil o filme do diretor americano Abel Ferrara “Pasolini” (2014) que concorreu ao Leão de Ouro do Festival de Veneza deste ano e estrelado por Willem Dafoe, numa atuação que, certamente, o coloca na lista dos casos mais bem-sucedidos de escolha de um ator pelo seu physique de role.
Trailer original de “Pasolini” (Divulgação)
Nesse filme tão esperado – mas que decepcionou o público presente em Veneza –, são retraçadas as últimas 24 horas da vida de Pasolini antes de ele chegar àquela fatídica praia romana em que foi quase esquartejado por um grupo de jovens marginais – entre os quais o ragazzo di vita (michê) Giuseppe Pelosi, com apenas 17 anos, pego por Pasolini alguns momentos antes num barzinho de prostitutos e com quem ainda jantou numa cantina próxima. Preso e condenado, Giuseppe voltaria às manchetes 29 anos depois para afirmar a sua inocência e inflamar as suspeitas de um complô político cujo objetivo era calar para sempre a voz inconformada do temido polemista. Uma voz que agora volta a ecoar pelos espaços do CCBB.
*Flávio Di Cola é publicitário, jornalista e professor, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e coordenador do Curso de Cinema da Universidade Estácio de Sá. Apaixonado pela sétima arte em geral, não chega a se encantar com blockbusters, mas é inveterado fã de Liz Taylor – talvez o maior do Cone Sul -, capaz de ter em sua cabeceira um porta-retratos com fotografia autografada pela própria
Serviço:
Mostra de cinema e exposição “Pasolini, ou quando o Cinema se faz Poesia e Política de seu Tempo”
Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (Cinema I)
Exposição fotográfica e vídeo: 4° andar – Sala 26
Endereço: Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro (RJ)
(21) 3808-2007
De quarta a segunda, das 9h às 21h.
Datas: 16/10 a 10/11
Ingressos: R$ 4,00 (inteira) e R$ 2,00 (meia-entrada), por sessão
Horários da Bilheteria: Das 9h as 21h. (tel.: 3808-2052)
Programação completa:http://www.bb.com.br/portalbb
Filmes de Pasolini que serão exibidos na mostra:
Salò o le 120 giornate di Sodoma (1975) Saló ou 120 dias de Sodoma 116’
Il Fiore delle mille e una notte (1974) As mil e uma noites 130’
Le Mura di Sana (1974) 13’
I Racconti di Canterbury (1972) Os contos de Canterbury 110’
Il Decameron (1971) Decamerão 110’
Appunti per un’Orestiade africana (1970) 73’
Medea (1969) Medéia 111’
Porcile (1969) Pocilga 98’
La sequenza del fiore di carta (Amore e rabbia) (1968) 11`
Teorema (1968) Teorema 98’
Appunti per un film sull’india (1968) 34’
Edipo re (1967) Édipo Rei 104’
Che cosa sono le nuvole? (Capriccio all’italiana) (1967) 22’
La Terra vista dalla Luna (1966) episódio do filme As Bruxas 31’
Uccellacci e uccellini (1966) Gaviões e passarinhos 86’
Il Vangelo secondo Matteo (1964) O Evangelho segundo São Mateus 137’
Sopralluoghi in Palestina per il vangelo secondo Matteo (1965) 52’
Comizi d’amore (1964) 92’
La Rabbia (1963) (part I) 53’
La Ricotta, Ro.Go.Pa.G. (1963) A Ricota 35’
Mamma Roma (1962) Mamma Roma 115’
Accattone (1961) Desajuste social 116’
Filmes Sobre Pasolini:
A Futura Memoria (1986, 115’) de Ivo Barnabò Micheli
Via Pasolini (2005, 70’)de Igor Skofic
Pasolini Prossimo Nostro (2006, 58’) de Giuseppe Bertolucci.
Pasolini un delitto Italiano (1995, 100’)de Marco Túlio Giordana
La Voce di Pasolini (2005, 60’)de Matteo Cerami.
Filmes Brasileiros:
A Idade da Terra (1980, 160’), de Glauber Rocha
Tatuagem (2013, 110’) de Hilton Lacerda
Orgia, ou o homem que deu cria (1970, 90’)de João Silvério Trevisan
Contestação(1969, 12’)de João Silvério Trevisan
Dramática (2005, 20’)de Ava Rocha
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