*por Vítor Antunes
“Xuxa o Documentário” é, sem dúvida o maior sucesso no segmento jornalístico da Globoplay de 2023. Por semanas, esteve no primeiro lugar entre os programas mais consumidos da plataforma, especialmente depois do seu lançamento no dia 13/07, até a disponibilização do último episódio, no dia 17/08. Durante este período, o projeto do player global centralizou debates, expôs personalidades e pretendia revelar uma Xuxa mais humanizada, distante do reino cor-de-rosa que se supunha que vivesse. Todavia, a proposta de mostrar uma pessoa que ainda que fosse muito visionária era, tal como todo mundo, errática e imperfeita, falha. Muitos assuntos importantes da biografia de Xuxa, e especialmente algumas controvérsias que a envolvem, não foram destrinchadas, apenas apresentadas. Outras, importantes, como o atentado e quase sequestro na porta do Teatro Fênix que tinha a apresentadora e a, então paquita, Letícia Spiller como alvo, não foram sequer citados. Mesmo o incêndio do Xuxa Park, que encerra o episódio três, tem problemas no que concerne à própria essência do jornalismo: O documentário não trata as razões que levaram ao acidente ou o que aconteceu com as vítimas. Se atém a mostrar o vídeo do estúdio em chamas, algo que o próprio Jornal Nacional exibido naquela noite transmitiu e está facilmente acessível no YouTube. O excesso de fatos relevantes de uma trajetória rica como a de Xuxa foram expostos de forma atropelada e rasa.
Porém, ainda assim, o projeto dirigido por Pedro Bial tem virtudes e não são poucas. O documentário teve acesso a imagens exclusivíssimas, como a do nascimento de Sasha Meneghel, e ao arquivo da extinta TV Manchete. Os vídeos foram exibidos em boa qualidade, o que é algo louvável. De forma valente, promoveu o encontro de Xuxa com a sua ex-diretora e comadre Marlene Mattos depois de quase 20 anos. De igual forma, tratou também com sinceridade e o devido respeito, os abusos sexuais dos quais a apresentadora foi alvo. Num cômpito geral, somando as suas qualidades e falhas, o documentário mostra-se irregular e, em alguns momentos, chapa-branca.
LACUNAS
O documentário biográfico sobre a apresentadora Xuxa Meneghel foi cercado de grande expectativa, especialmente por conta de servir como forma de marcar os 60 anos da loura. Desde a publicação do primeiro episódio à disponibilização do último, no dia 10 de agosto, não houve momento em que a série documental não tenha pautado os veículos de comunicação ou a Internet. De igual forma, não foram poucas as críticas ao projeto dirigido por Pedro Bial, possivelmente em razão da fartura de acontecimentos que permeiam a vida de Xuxa.
Por mais que tenha seu valor e traga à frente do projeto a chancela de Bial, “Xuxa o Documentário” parece não ter cumprido com a prerrogativa de mostrar as fragilidades, incoerências e a própria humanidade de Xuxa, que por vezes era tida pela imprensa e por seus fãs como alguém quase irreal ou cercado por uma aura fantasiosa. E é aí uma das falhas da série. É compreensível não haver uma abordagem aprofundada sobre as lendas urbanas – e um tanto ridículas – que permeiam o nome de Xuxa, como o fato do disco que se rodado ao contrário faria uma evocação ao diabo, ou a história de a boneca em sua homenagem abrigar uma arma branca, ou ainda o fato de a apresentadora não poder falar o nome de Deus no show por conta de um suposto pacto demoníaco – algo tão descabido que inclusive foi reconhecido pela própria Xuxa em recente entrevista ao The New York Times. O documentário peca por ignorar completamente o fato.
Inclusive, ao ser contratada pela Record, Xuxa movia um processo contra a emissora paulistana por conta de a Folha Universal – ligada ao Grupo Record – haver publicado como matéria de capa que o sucesso da apresentadora devia-se a um pacto demoníaco e à “venda de sua alma por US$ 100 milhões” conforme conta o exemplar 855 de 24/08/2008. Reportagens da época assinalam que Xuxa receberia “R$ 150 mil de indenização por dano moral da Editora Gráfica Universal, responsável pela publicação. A decisão é da juíza Flávia de Almeida Viveiros de Castro, da 6ª Vara Cível da Barra da Tijuca (RJ)”. Consultado, o processo não está mais disponível, o que não permite saber se foi liquidado ou extinto.
A honestidade da apresentadora em falar seus problemas na Globo e que motivaram a sua saída da casa não encontraram uma dedicação equivalente sobre sua estada na Record – ainda que ela se diga grata e seja elogiosa à casa. O documentário não se pôs sequer a sinalizar quantos e quais programas Xuxa apresentou na emissora de Edir Macedo, nem mesmo em falar sobre a repercussão dos mesmos e a opinião da apresentadora acerca dos outros programas que fez na TV além do “Dancing Brasil“, que em sua opinião foi o mais bem sucedido. Se dependesse da série jornalística, o telespectador não saberia nem mesmo por quantos anos a loura ficou na Record, emissora na qual apresentou os programas “Xuxa Meneghel“, “Canta Comigo All Stars“, “The Four“, “Geração Xuxa” e o já citado “Dancing”.
Ainda no campo das imprecisões, quando ranqueia os álbuns mais vendidos da fase “Xou da Xuxa“, o programa não cita o quinto álbum da cantora, o que contém “Lua de Cristal“. Pulando, assim dos números do 4º Xou da Xuxa (1989) para o sexto, de 1991. Vale informar que o quinto álbum vendeu ainda mais que o último citado. Lançado após o “Xou da Xuxa Seis”, o álbum “Xou da Xuxa Sete” (1992) também foi ignorado e seu subsequente, que recebe o apenas o nome da mãe de Sasha e consta apenas de sobras de outros discos e canções especiais. Esses dois últimos foram um dos maiores fracassos de vendagem. O disco “Xuxa” talvez seja o único dos tempos áureos a vender menos de 300 mil cópias. Os álbuns lançados na fase pré-Xuxa Só Para Baixinhos, como “Sexto Sentido” e “Luz no Meu Caminho“, também foram ignorados. No episódio três, quando fala do incêndio no cenário do Xuxa Park, o documentário não fala o que motivou o fogo, quantas pessoas se feriram ou o que aconteceu delas. O que é uma falta importante, dada a gravidade da situação. A série também ignora filmes relevantes da história da Xuxa, como “Super Xuxa Contra o Baixo Astral” (1988)
Mantendo a observância sobre as inexatidões, a série fala sobre a inauguração da Fundação Xuxa Meneghel, no bairro de Pedra de Guaratiba, Rio, mas não aborda o fechamento da instituição em 2017, nem mesmo que hoje chama-se Fundação Angélica Goulart. Outro deslize importante é geográfico: O crédito aponta que a vila militar na qual serviam o pai de Xuxa, Luiz Floriano e seu irmão Bladimir, fica na cidade de Duque de Caxias, quando na verdade ficam no bairro que leva o nome do próprio conglomerado de quartéis: Vila Militar. Outro equívoco está em creditarem o bairro Coroa Grande (Itaguaí/RJ), como cidade.
Dentre os assuntos nos quais há vacilação, também, diz respeito ao filme “Amor Estranho Amor“, que por anos foi vetado dos cinemas e só pôde ser exibido na TV em 2021. Não foi tratada a motivação do veto ao filme ou como ele conseguiu, por tantos anos estar fora de circulação. Xuxa, Marlene ou qualquer pessoa envolvida neste âmbito, não se posicionaram sobre isto. “Amor estranho amor” saiu de circulação em 1992, quando o staff da apresentadora conseguiu embragar o lançamento em VHS e negociou seus direitos em cinema. Segundo O Globo, houve um acordo posterior com renovação anual, no valor de US$ 60 mil, que garantiria o veto ao filme. Inclusive, em 2008, passando por dificuldades financeiras, Marcelo Ribeiro a então criança que contracenava com Xuxa em 1979, fez um filme pornográfico explícito pela produtora Brasileirinhas. O longa X-rated apoiava-se na fama do antigo filme e parodiava-o sob algum aspecto. Seu nome era “Estranho amor“. Esta foi a única incursão de Marcelo no gênero. Em 2018, a Xuxa Produções desistiu dos embargos ao longa.
Um assunto ignorado pelo documentário e que poderia contar em um dos primeiros episódios, por exemplo, foi o quase atentado do qual Xuxa e Letícia Spiller, então paquita, foram alvo. Ao ver um Chevette parado em local proibido e em atividade suspeita, dois PMs abordaram o veículo e foram recebidos a tiros. Um policial morreu e o outro ficou gravemente ferido. O Chevette foi seguido por seguranças de dentro de um carro-forte que haviam testemunhado a tudo. A perseguição prosseguiu e os homens em fuga pegaram uma contramão e bateram. O motorista morreu baleado na cabeça – alvejado por pessoa não identificada – e o carona, em estado grave. Na ambulância, o ferido disse amar “Letícia e disse que a levaria para São Paulo com a ruça (Xuxa)”, relata O Globo. Ou seja, era um plano para sequestrá-las. No carro, um mapa assinalava o teatro Fênix, onde o Xou era gravado. Dias depois, o suspeito que estava ferido morreu no hospital e o caso foi arquivado.
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PONTOS POSITIVOS
“Xuxa o Documentário” tem uma primorosa pesquisa de imagens. E isso fica latente, em especial no primeiro episódio. A competente equipe de pesquisa conseguiu imagens raríssimas da TV Manchete, da estreia do programa e de Andreia Veiga como paquita, bem como entrevistas inéditas ou tidas como perdidas de Xuxa. Destaca-se também o encontro/confronto de Marlene Mattos e Xuxa e a boa sacada do diretor, Pedro Bial, em repetir à Xuxa, hoje sexagenária, as mesmas perguntas que fez a ela em 1987, num especial do Globo Repórter quando a apresentadora estava com 24 anos. De igual forma merece destaque o zelo em falar do fã argentino que morreu tentando ver Xuxa naquele país e abordagem sensível sobre o tema dos abusos sexuais.
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