*Por Brunna Condini
Quem pode julgar o outro? É propondo esse tipo de reflexão que estreou no GNT o documentário ‘Vou Te Cancelei’, que pretende jogar luz sobre a ‘cultura de cancelamento’ na internet. O projeto conversa com ‘cancelados’ e ‘canceladores’, com o intuito de discutir o linchamento virtual de pessoas por conta de erros que cometeram ou de atitudes que não corresponderam às expectativas alheias. Fomos conferir o doc. e destacamos alguns trechos abaixo. Contém alerta de spoiler!
Com criação e direção de Guilherme Melles e direção de Gabriela Brigagão, o filme busca dar voz aos dois lados, e também analisa os efeitos sociais e psicológicos deste tipo de ‘cultura’, bem como os meios para reverter esse comportamento prejudicial, através de entrevistas com celebridades, jornalistas, especialistas em diversas áreas do conhecimento humano, como filósofos, cientistas de redes sociais e psicanalistas. As participações no documentário vão da ex-BBB21 Lumena Aleluia, passando por Bianca Andrade, a Boca Rosa, até chegar ao humorista e ator Rafinha Bastos e ao jornalista Leo Dias, entre outros nomes.
Lumena foi muito criticada pelo público após atitudes que teve dentro do confinamento do BBB21 e, na produção, avalia que sofreu um ‘cancelamento nível hard’ após sua participação no reality. “É tanto ódio que as pessoas demandam aqui fora, que você fica meio sem chão, começa a acreditar naquela narrativa. Fui para o reality porque gosto de competir, de ‘me aparecer’ e conhecer pessoas novas, e obviamente, queria o prêmio de R$ 1,5 milhão para comprar um trio elétrico (risos). Mas, quando cheguei lá, os planos não foram muito esses. Entendemos o peso do confinamento, a pressão que é julgar e ser julgada. Nem sempre a gente está preparada para todas as camadas que envolvem o julgamento”, analisa Lumena.
“Quando saí da casa, me dei conta que minha mãe tinha sido ameaçada e minha namorada também. Não consigo naturalizar um tipo de mensagem que deseja a minha morte e a de pessoas que eu amo. Vivi a experiência do cancelamento em ‘nível hard’ e até hoje saio desta experiência com sequelas específicas. Costumo dizer que caí em algumas ciladas. Rolaram alguns choques de personalidade com participantes. Isso obviamente corroborou com um comportamento meu que não agradou o público e acabei sendo a quinta eliminada. Esse se tornou o saldo da minha experiência no BBB”. E completa: “Quando saí do programa e vi a repercussão do que foi a minha participação, fiquei chocada, e fui apresentada ao ‘cancelamento’ da internet de uma forma muito dolorosa. Até pensei que poderia ser criticada pela minha jornada no programa, mas foi ódio”.
“Cansada de me defender”
Bianca Andrade, também conhecida como Boca Rosa, que perdeu milhares de seguidores quando fez declarações polêmicas sobre feminismo durante sua participação no BBB 20, fala que perdeu a conta de quantas vezes foi ‘cancelada’ no ‘tribunal da internet’. A influenciadora recorda o que talvez seja o episódio mais emblemático vivenciado por ela nas redes, quando fez uma participação em um programa de rádio, e uma das pautas seria sobre seu emagrecimento, que até então, segundo ela, havia sido com alimentação saudável. “Vazou uma conversa minha sobre falar ou não de uma lipoaspiração que tinha feito há mais de um ano. Até porque depois da lipo, engordei novamente ,porque não mudei hábitos. Então estava de fato fazendo uma dieta louca, e compartilhava essa rotina. Acharam que faltei com a verdade. Fui jogada de ‘merda’ pra baixo. Ninguém queria ouvir”, recorda.
“Sumi, perdi muito trabalho. Minha marca só nasceu por isso. Cheguei a não querer mais trabalhar com internet. Aquilo tudo me cansou, não poder ter voz, as pessoas não acreditarem no que você diz. Não queria mais ser esculachada. Minha mãe chegou a dizer: “Larga isso, que se for preciso vendemos refrigerante na praia, a gente se vira”. Foi uma fase muito difícil. Nunca falei disso com essa verdade. O meu lado teve que ser completamente apagado até porque não adiantaria nada falar”.
Bianca avalia ainda as perdas e ganhos do período tortuoso: “Na época, eu realmente errei, porque parecia que eu escondi a lipo para ganhar likes. Mas agora vou falar da internet, porque disso eu realmente entendo: se quisesse falar da minha cirurgia daria muito mais views do que um vídeo de uma pessoa inspirando a comer saudável. Não tem nem comparação. Então, se eu quisesse só views, teria feito isso. Mas tudo virou uma outra pauta e acaba que a verdade é cancelada e enterrada. Só estou cansada de me defender. Entendo qual foi meu erro, aprendi muito. Hoje sou outra pessoa, sei que influencio mais pessoas para o bem do que antes, mas foi foda”.
“Gosto de arriscar, isso agrada e desagrada muita gente”
O humorista Rafinha Bastos diz em trecho da sua entrevista que paga um preço alto por ser honesto e falar o que pensa. Um dos episódios de maior repercussão e relembrado no documentário, foi quando Rafinha, no extinto CQC, na Band, em um dos episódios ao vivo, afirmou que “comeria Wanessa e o bebê”, quando ela estava grávida. Em seguida, então, a cantora o processou e os dois enfrentaram uma batalha judicial longa. “Não nasci para ser mainstream, mas sei o preço que isso tem. O cancelamento vem dos riscos que corro e não de uma única piada. Já pedi desculpas por atitudes que realmente achei que errei. O problema é a pressão, que rouba o meu espírito e isso não vou permitir que aconteça. Senão você se transforma em um ser ‘cagão’ e perde a sua identidade. A ‘cultura do cancelamento’, faz com que o comunicador, os seres criativos, se coloquem numa ‘bolhinha’ minúscula, para que vão mais ‘ovelhas’ para o rebanho. Eu gosto de arriscar e é um preço que se paga, isso agrada e desagrada muita gente”.
Com seu nome envolvido em polêmicas e processos, no filme ele avalia: “Perdi muita coisa. Confesso que, às vezes, me dá um pouco de bode, porque nenhuma marca quer se associar ao meu nome, não tenho entrada em 90% das emissoras, não que eu quisesse… só estou contando o que aconteceu. Se eu fosse contar a quantidade de mau caráter que conheço na televisão e joga o ‘joguinho sujo do perdão’ e do ‘povo me ama’…nunca me arrependi de fazer o meu trabalho. E você, que é anônimo, só não foi cancelado antes, porque não ouviram o que você disse na mesa com os amigos, por exemplo. Ou porque ninguém está te olhando”.
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