Luiza Tomé abandona a sensualidade para estrear em novela infantil no SBT e, aos 40 anos de TV, relembra traumas


Uma atriz que transcende o star quality, Luiza Tomé abre o coração numa entrevista simbólica. São 40 anos de trabalho na TV. Nesta conversa, a atriz celebra sua primeira parceria com o SBT, emissora na qual vai fazer uma novela infanto-juvenil e uma personagem muito distante da sensualidade a qual ele sempre se viu exposta. Agora, em “A Caverna Encantada”, ela será uma mãezona, uma mulher simples. Para Luiza, atualmente falta justamente às novelas esta ludicidade. “Hoje, elas impõem questões ao debate através de um aprofundamento na realidade, de um realismo exacerbado”, diz. Num panorama em seus trabalhos, ela escolhe “Máscaras” e “Pátria Minha” como trabalhos piores na sua memória e fala sobre a maternidade e como se flagra diante da possibilidade de ver o ninho vazio, com a vindoura saída de casa dos seus três filhos

*por Vítor Antunes

Por anos, pensar em Luiza Tomé foi pensar em personagens que, intencionalmente ou não, margeiam com a sensualidade.  Ela estreou em “Corpo a Corpo” (1984), e, neste ano, 2024,  completa 40 anos de televisão. Não só estará de casa nova, mas também com um personagem que destoa de toda essa atmosfera criada sobre os papéis que rondaram seu ofício. Ela estreará no SBT em “A Caverna Encantada“, nova novela do canal. “Ainda que eu já tenha trabalhado na Globo e na Record, no SBT eu nunca havia trabalhado. Sempre tive curiosidade sobre saber como era. Dessa vez nós conseguimos e vou fazer minha primeira novela na casa. O SBT tem uma energia diferente, uma atmosfera familiar, mais acolhedora”. Luiza revela que a pessoa é muito simples e uma típica mãezona. Em paralelo ao folhetim, Luiza acaba de estrear o filme “Licença Para Enlouquecer”, de Hsu Chien.

Sobre a personagem na trama do SBT escrita por Íris Abravanel, ela diz ser esta “uma mulher zero sensual. Ainda que esta fosse uma característica minha, e alguma forma acabamos sendo colocadas em prateleiras. Isso acabou ficando estigmatizado. Me incomodou estar sempre nesse lugar, sim, claro que incomodou. Pude usar isso a meu favor, mas agora, não. A história é das crianças, a novela é delas e nós somos veículos para elas”.

Para Luiza, atualmente falta às novelas ludicidade. Hoje elas impõem questões ao debate através de um aprofundamento na realidade, de um realismo exacerbado. “Vivemos um mundo muito moderno, avançado, nos quais barreiras e preconceitos estão sendo vencidos. Mas na televisão há idades para as crianças verem determinados tipos de conteúdo. Eu vigiava muito e sempre vigiei. Hoje em dia, ao mesmo tempo, em que se tem acesso na internet sobre como fazer um bolo de chocolate, se pode acessar a conteúdos adultos – e a coisas que podem ser acessadas de forma grotesca”. Essa não apenas é a primeira novela para crianças feita por Luiza, mas também a primeira com um elenco numeroso de crianças.

Ela prossegue dizendo que “a TV tem carência de espaço para crianças, para viajar ludicamente e não às coisas cotidianas. Elas precisam se sentir identificadas às novelas como nos identificávamos antigamente”.

Eu como atriz gostava muito dos textos de antigamente. Não é saudosismo, é romantismo. As novelas eram daquele horário e quando a gente sentava na frente da TV nos desligávamos dos problemas e viajávamos numa aventura, numa viagem lúdica. Não era para impor conceitos ou preconceitos – Luiza Tomé

Nesta entrevista revisita aos 40 anos de carreira, além do destaque ao novo projeto. Luiza ressaltou ainda as duas novelas que, a seu ver, foram ciladas: “‘Pátria Minha‘ foi uma roubada na minha vida. Uma novela que entrei para tapar buraco, diante da saída da Vera Fischer. Eu já entrei na novela apanhando. E ninguém queria entrar na novela. O Boni me mandou flores convidando. Eu sabia que não era fácil. Mas esta novela não significou nada para mim. Foi uma personagem transitória, de passagem. Outra foi “Máscaras”, da Record, que foi puxada. Muito puxada! E nesta eu fiquei por ainda mais tempo fazendo. “Máscaras” não foi boa para ninguém. Até hoje a gente se pergunta o que foi aquilo. Dizer qual foi mais difícil, se “Máscaras” ou “Pátria” é trocar seis por meia dúzia”.

 

Luiza Tomé era Geraldine em “Máscaras”, da RecordTV (Foto: Miguel Angelo/RecordTV)

CRIANÇAS E O NINHO VAZIO 

Trabalhar com crianças é uma novidade e se flagrar de um elenco infantil, também. Mas essa experiência tem lá a sua singeleza. “Fui muito acolhida pelas crianças. E como sou mãe de três filhos,faz muito tempo que não me vejo diante de crianças com a idade delas. É algo muito especial. Vejo-as e morro de saudade dos meus filhos, que não tem mais essa idade. Os gêmeos – Luigi e Adriana – vão fazer 21 anos. Bruno, o mais velho, 25. Tenho saudade de pegar, abraçar, ver eles dispostos a tudo junto a mim, mas agora eles têm compromissos ou veem como um mico se eu os abraço ou beijo em público. Dizem que por eu ser atriz acabo chamando muita atenção. Então, estar com as crianças no set é forma de matar a saudade deles pequenos”. Os atores da novela têm idade variada entre 7 e 11 anos. “É uma geração que é muito diferente, muito esperta”, diz Luiza.

Numa entrevista à Manchete em 1998, tão logo deu à luz Bruno, Luiza disse que ter filho depois dos 30 era ótimo por conta de já haver uma maturidade na maternidade. Não que hoje ela pense diferente, mas pondera outros pontos. “Numa gravidez tardia já há uma estabilidade financeira, emocional, um ninho mais preparado. No meu ponto de vista, gerar e criar um filho não é tarefa fácil. Porém, a desvantagem de ter filhos mais madura é perceber a passagem do tempo. Ver que ficaremos menos tempo com eles. Hoje minha filha mora em Lisboa, Bruno mora em Nova York, onde trabalha como modelo. Luigi, ainda mora comigo. Sei que o momento de eles irem embora vai chegar e o ninho ficar vazio. [É difícil, mas] acho importante que morem sozinhos, que levantem seus voos e precisam estar preparados”.

Luiza Tomé quer abandonar a sensualidade para nova novela do SBT (Foto: Divulgação)

A profissão de atriz já levou Luiza para lugares impensáveis. Claro que poderíamos falar sobre países, experiências e outras questões. Porém, uma elas é pouco falada. Ela também já foi parar… num incêndio! Em 1992, no auge do sucesso de Vida, sua personagem em “Pedra Sobre Pedra“, Luiza foi convidada a desfilar na Viradouro, no ano em que a escola homenageava os ciganos – e sua personagem na novela também era desta etnia. Porém, uma das alegorias da escola pegou fogo, numa história que até hoje é falada na historiografia do carnaval. “Eu tenho pavor de fogo. Só aceitei sair no carro por que era próximo do chão, numa espécie de carruagem baixa, e fui informada que o outro caro estava pegando fogo. Saí correndo”. Sobre a cigana da novela, Luiza relembra que coisas mágicas aconteciam, como passarinhos pousarem no seu ombro.

Iniciamos esta matéria falando sobre sensualidade. E já apontando para fim dela, Luiza relembrou a ingênua e sensualíssima Carol, de “Tieta“, que completou 34 anos do fim de sua exibição quando esta entrevista era preparada. “Carol me mostrou para o Brasil. Através dela o Brasil soube quem era Luiza Tomé. “Tieta” é um sucesso que se eternizou. Tenho muita gratidão a Aguinaldo Silva, um dos autores da trama. Muitos dos maiores personagens vêm dele”.

Com anos morado no Sudeste, quando Luiza olha para o seu Ceará, orgulha-se. “Vejo que venci. Ao longo dos anos nem me tocava de que saí de um lugar tão pequeno. A minha vida mudou. Nasci em Itapipoca, cresci em São Bento e por vezes me pergunto se agi certo durante a vida. Me certifico que sim, claro que fiz. Fiz tudo certo no tempo certo”.

Luiza Tomé em desfile da Viradouro, em 1992. Desfile ficou famoso por conta de um incêndio (Foto: Reprodução/TV Globo)