Luísa Sayuri reivindica maior espaço para atrizes orientais no audiovisual e condena a estereotipação a asiáticos


Uma das poucas atrizes amarelas no audiovisual, Luísa reivindica que haja um maior espaço para pessoas de sua etnia, haja vista que não são muitas as atrizes de destaque. Quanto aos atores, ainda menos. E, em ambos os casos, acabam eles restritos aos papéis estereotipados ou cômicos: “Às mulheres como eu, as pessoas pensam numa imagem estereotipada, pálida, delicada. Aos meninos, também, e tem a eles como rapazes de banda de K-Pop, bonitinhos, igualmente pálidos e sensíveis, acabando por limita-los”. A jovem é um dos nomes de “Chama a Bebel”, longa de Paulo Nascimento lançado na segunda quinzena de janeiro e que conta com Giulia Benite no papel central e com Luísa interpretando Gabi. Além de abordar a diversidade, pois que traz personagens PcD, negros e orientais, o filme objetiva falar sobre o meio ambiente e comunicar-se com os jovens através de um elenco igualmente jovem

*por Vítor Antunes

Há contemporaneamente uma maior discussão acerca de pluralidade. Não faz muito tempo, as três novelas inéditas da Globo traziam entre suas protagonistas, pessoas pretas, ou ainda, mulheres escrevendo as três principais faixas de novelas daquele canal. Todavia, há etnias que ainda não foram contempladas com protagonismo. Até hoje apenas uma mulher oriental foi protagonista na Globo e apenas um homem amarelo. A não ser nos filmes marcadamente étnicos, não há como escapar da racialização. Em seu filme de estreia, “Chama a Bebel“, a atriz Luísa Sayuri foi escalada a partir dessa especificidade, desse princípio. Algo que tem gerado discussão não apenas entre a comunidade amarela, mas também na negra. Para Luísa, esse assinalado nos personagens não é necessariamente ruim, ainda que ambíguo. “Não tem uma resposta única, não é uma situação única. Pode ser algo bom o limitador. No filme foi interessante por não tratar-se de uma asiática estereotipada, cômica. A etnia era parte da identidade dela. Já fiz testes para papéis onde a personagem não precisava ser oriental, isso não fazia parte da identidade, da personalidade daquelas personagens. Trata-se de algo que pode ou não ser de bom tom. Depende do bom senso”.

Emancipar-se e amadurecer é mais cobrado às mulheres. Em razão do trabalho, Luísa tornou-se emancipada aos 16 anos. “Ao receber esses trabalhos precisei pedir a emancipação para não depender da autorização do Juizado de Menores. Ainda que tenha sido sempre mais independente e tenha sido ensinada a ser assim, tenho uma mãe incrível, que me acompanha em tudo. A minha emancipação tratou-se apenas de uma questão burocrática. Ainda moro com ela, viajo e sou acompanhada de perto”.

Mas a atriz pondera: “Às mulheres, o machismo estrutural exige que elas amadureçam, diferentemente dos homens. Nota-se numa reunião familiar, por exemplo, que as meninas vão arrumar as coisas quando os meninos continuam brincando. Eu venho de uma família majoritariamente feminina e a nós sempre disseram que amadurecemos mais rapidamente que os garotos.Creio que essa fala se justifica menos por Biologia e mais por pressão social”, analisa.

Luísa Sayuri é uma das atrizes de “Chama a Bebel”, filme que dá destaque a um personagem oriental (Foto: Luísa Berwanger)

DA KATSUKI À MIYUKI

Não é frequente a presença de atores orientais com destaque na TV. Nas novelas, em “Bebê a Bordo” (1988), Cristina Sano, uma mulher amarela, interpretava uma personagem cujo nome era… Grega! Na primeira versão de “Selva de Pedra” (1972), por exemplo, havia uma personagem chamada Madame Katsuki. Subentende-se ser uma mulher oriental, mas não. A atriz anteriormente escalada, da qual não temos o nome, não pôde fazer a trama. Acabou sendo escalada outra atriz Ida Gomes (1923-2009), que era polonesa. A explicação para presença de uma atriz branca dava-se por conta de ela “haver casado com um japonês”.

Na segunda versão da trama, em 1986, oportunidade de chamar uma atriz oriental e retomar a ideia original, continuou não acontecendo. A escolhida foi Márcia Rodrigues. Durante toda a década de 1970 não houve nenhum ator oriental com destaque na televisão. Mesmo quando o personagem era de lá, acabava sendo vivido por um ator branco. A última novela das nove, “Terra e Paixão“, contou com uma atriz asiática, Bruna Aiiso, uma das poucas da novela, e que acabou eclipsada na trama de Walcyr Carrasco.

Para Luísa, ainda não há plenitude em espaço para pessoas como ela. “A diversidade étnica amarela não é muito conhecida. Eu fui escolhida para ‘Chama a Bebel’ a partir do pensamento de atender a uma pluralidade maior de etnias dentro do elenco”. Por anos havia uma estereotipação especialmente às mulheres amarelas, sempre restritas aos personagens  cômicos, como a Miyuki (Danielle Suzuki) de “Malhação”, ainda que fosse co-protagonista.

“As mulheres como eu pensam numa imagem estereotipada, pálida, delicada. Aos meninos, também e tem a eles como rapazes de banda de K-Pop, bonitinhos, igualmente pálidos e sensíveis, mas acabam por limita-los em sua representatividade. Conheço atores asiáticos incríveis e a eles também há esse pensamento no subconsciente. O problema não são os papéis que já vem racializados, mas é algo individual”. Quando perguntamos quais artistas asiáticos que influenciam Luísa, ela diz que “dificilmente há um Top 5. Mas pra mim há a Jacqueline Sato, a Bruna Aiiso, a Lumi Kin“. Lamentavelmente, não por falta de esforço da atriz, não há um ator oriental na lista. Há anos, eles estão escondidos em personagens secundários, discretos, escondidos.

Eu fui encontrada no Elenco Digital, um site de atores online. O que mais tem é ator  oriental querendo trabalho e acho que ainda tem pouca visibilidade. Se uma atriz é asiática, ao fazer um teste,  ainda que o personagem não debata essencialmente o tema étnico, já se pensa que a família inteira deve ser amarela. O produtor pensa se vai conseguir completar o resto do cast com as mesmas características pois pensa na dificuldade em conseguir atores [com esse perfil] – Luísa Sayuri

Luísa Sayuri: Atores asiáticos querem oportubidade fora do esterotipo (Foto:Luisa Berwanger)

Luisa cresceu numa cidade do interior gaúcho onde ela era uma das poucas orientais. Cresceu em Sananduba (RS), de 16 mil habitantes, e que fica a 400km da capital. “Me sentia fora do lugar. Via as meninas e não me enxergava, o que criou em mim muita insegurança. Eu não sabia que eu era uma pessoa nipo-brasileira, não tinha contato com pessoas além da minha família nem outros com quem eu pudesse conversar. Com o tempo fui estudando sobre o Japão, e minha ancestralidade, aceitando mais as diferenças, me olhando no espelho e gostando do que via”. Luísa hoje faz parte de um grupo que reúne atrizes asiáticas e que preconiza um maior espaço para elas na cena artística. “Contamos sobre vivências e experiências, até mesmo sobre maquiagem, já que não é qualquer maquiadora que sabe fazer o olho de uma pessoa asiática”.

A arte me ajudou a gostar de mim e a me fazer confortável com meu corpo, para dar a ele outras personalidades e mentalidades – Luísa Sayuri

Chama a Bebel” é o primeiro filme de Luísa. “Um sonho para mim desde o momento em que vi o primeiro tratamento. Ele me possibilitou conhecer muita gente incrível, importante, e parece ser um projeto que me chegou na hora certa”. O longa de Paulo Nascimento traz a protagonista que nomeia o projeto, como uma pessoa PcD, interpretada pela atriz Giulia Benite. Entre outros assuntos fala sobre diversidade e um mundo mais inclusivo, além de apontar sobre questões relacionadas ao meio ambiente. Jovem na aparência e madura em seus posicionamentos, Luísa está escrevendo um roteiro de longa-metragem que pretende gravar ainda este ano, cujo tema aborda a adolescência de uma menina asiática. Poderia isto configurar como um sonho, mas não. Em seus desejos, para a Luísa do futuro, está “fazer arte nacional e internacionalmente e ser reconhecida por meu trabalho”.