*por Vítor Antunes
Gaúcho dos mais gaúchos, o ator Werner Schünemann ficou publicamente associado à imagem de sua terra natal quando interpretou, em “A Casa das Sete Mulheres“, Bento Gonçalves (1788-1847), o líder da Revolução Farroupilha (1835-1845). Inclusive, quando rememorado sobre esse personagem, o ator disse orgulhar-se de sua composição por “ter a convicção de que eu estava representando um jeito de ser do lugar que nasci”. Nascido em Porto Alegre, o ator é um dos que relata as agruras às quais vive a sua cidade natal, onde diversos bairros estão sob a água. Além deles, cerca de 80% do Estado do Rio Grande do Sul está afogado – de chuva e de lágrimas. Muitas cidades grandes estão isoladas e outras pequenas, como Roca Sales, destruídas. Segundo relata-nos o ator, nesta cidade não há apenas um prédio a não estar afetado pela chuva. Muitas outras cidades não podem ser acessadas por terra e por ar, só de barco. O município que homenageia um dos personagens mais importantes da carreira de Werner, Bento Gonçalves, também vive dias duros. Parte da ponte que ligava o município a Cotiporã foi levada pelas águas. Werner destaca que há quem pense que “as políticas públicas de proteção ao meio ambiente são entraves ao desenvolvimento, como se a natureza impedisse o desenvolvimento e a produção de riqueza das famílias”, o que justificaria o descaso com a causa ambiental.
O ator, porém, denuncia: “Houve, no ano passado, uma enchente forte em Taquari e pesquisadores de universidades e de órgãos relacionados aos sistemas de esgotos sanitários avisaram à Prefeitura e ao Governo do Estado que haveria uma grande enchente e que a cidade não estava estruturada para recebê-la por conta de uma falta de manutenção e não foi dada a devida atenção. E o alerta feito em outubro e novembro”.
Conta-nos ele que sua família está bem na medida do possível, “numa área não alagável, num bairro mais alto. Mas o que testemunhamos é uma calamidade”. Segundo o ator, dois amigos seus, paulistanos, estavam hospedados em sua casa, justamente para se voluntariar, estando no front e nos resgates. “É significativo o número de desabrigados e aqueles que foram deslocados de suas casas. O número total ainda não é calculável, mas é um número elevado. O ginásio da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) está acolhendo pets. E só lá são 4.500. As cidades estão paradas, os escritórios públicos, lojas, tudo está vazio, sem ninguém “.
Na minha casa ficamos dois dias sem energia e três sem água. Moramos eu minha namorada e minha enteada e racionamos água o quanto pudemos. Muitas das bombas que distribuem água pela cidade ficaram submersas, assim como os sistemas elétricos – Werner Schünemann
Quando a chuva se instalou em Porto Alegre e que inviabilizou os aeroportos e o trânsito das pessoas nas ruas, Werner iria viajar para São Paulo para fazer uma campanha comercial, que acabou não se concretizando. Ele relembrou ainda a enchente de 1941, por exemplo, que também devastou a região, mas não tão intensamente. “Antigamente havia uma menor concentração urbana, menos gente. O prejuízo e a perda de vidas foi menor. Hoje tudo é muito maior”, pontua.
A VIDA PARA ALÉM DA TRAGÉDIA
Com muitos anos de carreira, pelo menos desde 1979 ele está na ativa, Werner diz enxergar com cautela a nova geração de atores. “Há muitos que estão despreparados culturalmente, que perdem tempo demais no Instagram ou na academia. É preciso que leiam mais, se preparem mais. Há muitos que ainda que sejam bons ou tenham uma boa carga de construção, de expressão, de alma, não entregam nada de novo. Lastimo não só a audência de formação acadêmica, em alguns casos, mas em não vê-los melhor formados culturalmente”.
O pêndulo da história foi muito para um lado e em breve deve ir para outro. O ser humano vai sentir falta [de possuir repertório]. Hoje já há Instagram demais – Werner Schünemann
Werner estava com uma peça, um monólogo, que estreou no ano passado. Ia fazer uma viagem pelo Rio Grande. Alguns dos projetos dependiam de editais que, obviamente, estão congelados. O ator também montou uma banda de rock’n’blues com datas marcadas de apresentação, mas não há clima para isso. Além deste, ele fez “A Banda”, longa de Hsu Chien, gravado justamente em Porto Alegre, cujo lançamento deve ser para breve. Além deste, ele está em “Dona Beja“, novela da HBO Max que vem gerando polêmica por supostos abusos ou problemas de ordem prática. Algo que o ator nega haver vivenciado ou testemunhado. “Dona Beja vai dar o que falar por ser polêmica [em sua dramaturgia]. Mas tem uma grande direção de arte, de cenografia e figurino, luz… O diretor Hugo de Sousa me surpreendeu. Saí satisfeito. Ainda que tenham dito dos problemas de produção, o que vale é o que vai entregue e que é muito bom”.
Este não é o primeiro projeto para o streaming de Werner. Para ele, cada uma das plataformas tem uma característica particular e isso deve ser respeitado. A série não pode ser um longa-metragem longa “esticado” ou uma novela encurtada. O formato deve ser respeitado”. Para ele, a TV aberta não entrará em declínio por conta do streaming. “Um dos encantos da televisão é justamente a fidelidade dos espectadores. Uma novela é vista por 60 milhões de pessoas ao mesmo tempo. Para o anunciante isso é uma certeza de audiência simultânea. É preciso ser descoberto como a audiência, esparsa do streaming, vai ser medida e financiada”.
Dois papéis de destaque de Wener Schünemann na televisão foram justamente o já citado Bento Gonçalves e o vilão de “Passione“, Saulo. Um homem odioso: pedófilo, assassino, explorador da própria mãe. Como o ator conseguiu chegar nesse tipo de gente, tão perversa? “Os seres humanos não são muito diferentes. Essas pessoas estúpidas, malvadas também moram em nós. Eu notava nele a vontade de fazer o contrário. Eu, que não sou violento, sei que meu personagem é e ele sabe como ser. São homens que batem, soqueiam, chutam… Construí o Saulo em cima do asco. Era um homem que era abstinente do poder”. Ainda que fosse pérfido, Werner destaca que o contato com o público não era ruim. “Nunca fui xingado”
Em contrapartida, Bento Gonçalves, o protagonista de “A Casa das Sete Mulheres” era diferente. “Era meio mitológico, meio herói, tinha um olhar diferente, típico de um homem justo, correto, fiel à família, às suas convicções, ponderado, um modelo. Queria que ele fosse assim. Além de tudo, era a voz de uma personalidade importante daqui do Rio Grande do Sul. E, convenhamos, é bom fazer um galã”.
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