Luisa Arraes sobre ocupar cargo político: “Não descarto nada nessa vida, mas como sofro com burocracia acho difícil’


A atriz, neta de Miguel Arraes (1916-2005), filha do diretor e cineasta Guel Arraes e da atriz Virginia Cavendish, vai ser dirigida pelo pai em ‘Grande Sertão: Veredas’. Em entrevista exclusiva ao site, ela diz que artista tem de se posicionar, que luta, como cidadã, pelo o que acredita, dentro e fora da arte. “Minha vida sempre foi é e continuará sendo muito ligada à política. Não vivo sem falar disso e acho que parte do erro do que estamos vivendo é que durante muito tempo se acreditava que ‘brasileiro não devia falar de política’. Quando alguém me diz isso na rua, respondo: ‘Então vamos falar de quê? Tudo vai esbarrar na política! Essa conversa não vai durar três minutos’”, afirma

*Por Brunna Condini

Ainda vivemos uma intensa polarização no Brasil alimentada pela crise política. E a pandemia agravou o cenário. Mesmo diante disso tudo, ainda existem pessoas que escolhem ficar isentas de opinião. Porém, quando se tratam de figuras públicas, essa neutralidade não tem sido aceita por aí. Afinal, dá para ser artista e não refletir os tempos? Esse não é o caso de Luisa Arraes. Aos 28 anos, a atriz tem chamado atenção por seus posicionamentos como artista e cidadã. “Acredito que não dá pra ser artista sem se posicionar. O artista faz com sua arte um projeto de mundo. Tem algo a dizer. Por isso incomoda, é sempre uma nova proposta. Mas eu, como muitos outros artistas, entendo o momento crucial do Brasil, onde devemos ser em primeiro lugar, cidadãos. Como disse Jane Fonda, perguntar se vou me preocupar com minha imagem indo aos protestos é igual a perguntar se vou me preocupar se minha calcinha está enfiada na bunda durante um incêndio. Gosto de quem me ensinou que posso viver fora do padrão, de que o mundo pode e deve ser diferente. Através da arte e fora dela: de todo jeito”.

"Eu, como muitos outros artistas, entendo o momento crucial do Brasil, onde devemos ser em primeiro lugar, cidadãos" (Foto: Raphael Tepedino)

“Eu, como muitos outros artistas, entendo o momento crucial do Brasil, onde devemos ser em primeiro lugar, cidadãos” (Foto: Raphael Tepedino)

Luisa vem de uma família de artistas e políticos pernambucanos: é neta de Miguel Arraes (1916-2005) e prima da deputada federal Marília Arraes e do prefeito do Recife, João Campos. Filha do diretor e cineasta Guel Arraes e da atriz Virginia Cavendish. Com esses nomes na árvore genealógica, poderíamos dizer que a arte e a política estão no DNA da atriz, e portanto, ser uma das vozes da sua geração seria algo óbvio. Mas para ela, não é bem assim. “Não acho que ética é algo que se passa no sangue, mas pela educação, com certeza. Nesse sentido, venho de uma família que, sim, teve uma história muito importante na política pernambucana, uma luta primordial contra a desigualdade social. Causa orgulho e responsabilidade, mas levo os valores dessa educação ‘política’ no dia a dia e acho que ser artista é um pouco ser político e ser político é um pouco ser artista. Ambos têm que criar uma empatia, fazer um discurso e ser crível”, analisa.

"Não acho que ética é uma coisa que se passa no sangue, mas pela educação. Nesse sentido, venho de uma família que teve uma história importante na politica pernambucana, uma luta primordial contra a desigualdade social" (Foto: Raphael Tepedino)

“Não acho que ética é algo que se passa no sangue, mas pela educação. Nesse sentido, venho de uma família que teve uma história importante na luta primordial contra a desigualdade social” (Foto: Raphael Tepedino)

A consciência e o desejo de mudar algumas realidades poderiam levá-la algum dia a um cargo político? “Não descarto nada nessa vida, mas como sofro com burocracia acho difícil. Mas minha vida sempre foi é e continuará sendo muito ligada à política. Não vivo sem falar disso e acho que parte do erro do que estamos vivendo é que durante muito tempo se acreditava que ‘brasileiro não devia falar de política’. Quando alguém me diz isso na rua, respondo: ‘Então vamos falar de quê? Tudo vai esbarrar na política! Essa conversa não vai durar três minutos’”.

Fome de Diadorim

Personagem de ‘Grande Sertão: Veredas‘, obra de Guimarães Rosa, Diadorim, é a corajosa personagem-chave do romance, tida como homem durante quase toda a narrativa, que tem em nosso imaginário a versão televisiva eternizada por Bruna Lombardi, em 1985, na minissérie dirigida por Walter Avancini (1935-2001), sob a supervisão de Daniel Filho. Mesmo no romance já poderíamos vislumbrar perspectivas do movimento feminista em Diadorim e o papel pede esse vigor. Luisa sabe disso e vem se preparando para o encontro com o papel no cinema, já que no teatro já aconteceu, pelas mãos de Bia Lessa. O sonho foi adiado por conta da pandemia, mas está próximo. Na produção que começa a ser rodada no fim do ano, ela será dirigida por Guel e dividirá o set com o namorado, Caio Blat.

“Vi a versão com a Bruna faz tempo, mas vou ver de novo, claro. A fome de fazer uma personagem está tão grande que estou procurando Diadorim em cada esquina, em cada brecha que me aparece. Tenho feito muitos exercícios, ensaios, tudo que posso. Com muita vontade, mas sem querer gerar nenhuma expectativa paralisante! Estou muito feliz de poder estar pesquisando a fundo um texto tão genial. Nem se vivesse 100 vidas daria conta do ‘Grande Sertão’. É meu livro favorito desde os 16 anos e acho que vai ser para sempre”, conta.

Luisa na versão de 'Grande Sertão' para o teatro. A atriz também estará na obra filmada fim do ano: "A fome de fazer uma personagem está tão grande que estou procurando Diadorim em cada esquina, em cada brecha que me aparece" (Divulgação)

Luisa na versão de ‘Grande Sertão’ para o teatro. A atriz também estará na obra filmada fim do ano: “A fome de fazer uma personagem está tão grande que estou procurando Diadorim em cada esquina” (Divulgação)

A atriz também comenta o fato de ser dirigida pelo pai na versão audiovisual para a obra. Que tal? “Ainda não sei, essa pergunta posso responder em dezembro? (risos). Acho que vamos levar numa boa, somos dois obsessivos. Aliás, como todos os envolvidos nesse projeto! Loucos obsessivos (risos). Mas acho que também vai dar para se divertir. É fundamental poder se divertir para que o trabalho traga o inesperado. Se divertir não só de rir e etc, mas de poder estar livre para criar”.

Criar para existir e vice-versa

Luisa e Caio Blat estão juntos há quatro anos, mas procuram não expor a relação. Já disseram que moram no mesmo prédio em apartamentos separados e que tudo vai bem, obrigada. Volta e meia se declaram nas redes, através de fotos e legendas. A atriz fica à vontade mesmo é de falar sobre o que acredita e os projetos nos quais exercita sua criatividade. Além do filme, está produzindo um curta-metragem baseado na peça que escreveu e encenou em casa, durante a pandemia, chamada ‘Nunca Estive Aqui Antes‘, e planeja filmar o novo livro da Adriana Falcão, ‘Correnteza‘, com a Drica Moraes, Débora Duarte e Arlete Sales. Ela acredita que criar e trabalhar são atividades fundamentais para sua saúde mental. “Com certeza. Aliás, para todo mundo. Sem poder criar acho que o ser humano não sobrevive. Ou sobrevive mal. Acho que estimular a criança a criar é a tarefa mais importante da educação, porque, quando você consegue criar pequenos mundos, entende que pode criar grandes também. É o estimulo do sonho, de pensar também sobre a própria vida, não só sair vivendo. Criar faz parte da minha energia vital”.

"Sem poder criar acho que o ser humano não sobrevive. Ou sobrevive mal. Acho que estimular a criança a criar é a tarefa mais importante da educação" (Foto: Raphael Tepedino)

“Sem poder criar acho que o ser humano não sobrevive. Ou sobrevive mal. Acho que estimular a criança a criar é a tarefa mais importante da educação” (Foto: Raphael Tepedino)

E acrescenta: “Claro que passei por muitos momentos neste período de pandemia. O da desconcentração, da preocupação 24 horas por dia, o momento em que não queria mais saber de notícia. Esse durou muito pouco. Acho que poder criar me trouxe de volta o foco, o sentido. Mas a maior preocupação está com o Brasil, como vamos sair desta época sombria. Da Covid e da falta de informação, do retorno à pobreza extrema, da pobreza de discurso. Precisamos nos livrar de duas pragas”.

Se fosse jornalista por um dia e só pudesse fazer uma pergunta, para quem e qual seria? “Seria para Eliana Sousa, diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré. Ela e a Redes da Maré, em parceria com as associações de moradores, articularam o Movimento ‘A Maré que Queremos‘, que promove mobilização social e fórum permanente para debater questões estruturais, acesso a serviços e direitos, segurança pública e melhoria da qualidade de vida nas comunidades da região. Gostaria de saber o que ela acha de mais importante que deve ser feito hoje, no Brasil”. E se tivesse um único desejo para ser realizado? “Trocar o presidente para alguém que valorize a educação e saúde públicas, a cultura e priorize a diminuição do abismo social”.