*Por Brunna Condini
Luís Miranda brilha muito na série ‘Encantado’s’, original Globoplay. A comédia é fruto da oficina de humor para roteiristas negros realizada em 2018, e uma criação de Renata Andrade e Thais Pontes. Protagonizada por Luís e Vilma Melo, com elenco majoritariamente negro, a produção evidencia as conquistas da luta antirracista também no audiovisual, e, com redação final de Chico Mattoso e Antonio Prata, conta a história dos irmãos Olímpia (Vilma Melo) e Eraldo, vivido pelo ator, herdeiros de um mercado, que à noite é transformado em quadra de escola de samba. A produção conta ainda com Tony Ramos na pele de um bicheiro. Aos quase 53 anos (comemorados dia 15 de dezembro), e contabilizando 39 de carreira, Luis fala sobre a urgência de espaço para o protagonismo negro.
“Vejo que ainda há uma omissão grande em dar os personagens principais para os atores pretos e precisamos construir nossas histórias. A sociedade como um todo ainda é racista e preconceituosa, e não podemos espelhar isso só no audiovisual, estaríamos sendo categóricos. Mas agora passou do momento de termos uma série como essa. Nunca falamos tanto sobre racismo e a criminalização dele. Estamos fazendo com que o audiovisual nos veja e nos represente, mesmo que custosamente”, analisa, o ator que recentemente viveu outro protagonista, desta vez no cinema, dando vida à Lima Barreto em ‘Lima Barreto, Ao Terceiro Dia’, que conta a história do escritor negro que morreu aos 41 anos, em 1922, e quase caiu na ‘arapuca’ de apagamento do país com sua literatura.
Eu hoje não tenho sonhos, tenho esperanças, e sempre no coletivo – Luis Miranda, ator
E revela: “Gostaria de viver um vilãozão. E também um mocinho. Fazer um galã com esse corpinho, fazendo uma história de amor, qualquer uma que seja. Tudo construído dentro dessa metamorfose que sou como ator. Precisamos viver cada vez mais narrativas que vão além das estereotipadas”.
Com vasta experiência na TV, no cinema e no teatro, Luís avalia: “Ainda acho que os papéis estão para chegar. A gente é muito negado de uma posição. Principalmente quando defendemos valores, opiniões ou queremos nos engajar em causas, como a política, por exemplo. Isso pode nos afastar de projetos, trabalhos. Pode melindrar diretores ou uma empresa. Esquecem muitas vezes que o grande barato do ator é ser camaleônico, pode ser uma coisa e ser outra também. Então, acho que os meus personagens ainda não me foram dados, sabe? Os criados foram dentro de uma angústia, dos meus sentimentos, das possibilidades oferecidas e das que busquei”.
E faz questão de esclarecer: “A pouco tempo, eu dei uma entrevista para falar deste protagonismo negro, e saiu assim: “Luís Miranda reclama que só Lázaro Ramos tinha papeis principais”. Isso é me colocar em uma posição desnecessária, com um amigo pessoal, porque não foi isso que eu disse. Falei que há muito pouco tempo atrás só o Lázaro conseguia fazer protagonistas. E, claro, ele tem todos os méritos, imagina. A questão é outra, de espaço”.
Gostaria de viver um vilãozão. E também de fazer um galã com esse corpinho, dentro dessa metamorfose que sou como ator – Luis Miranda, ator
“O Brasil não tem maturidade para vencer sempre”
Recentemente, o ator fez um post com a frase acima em seu Instagram após a eliminação do Brasil na Copa do Mundo, que acabou perdendo para a Croácia. “Perdeu, mas não consegue admitir a derrota. Tem uma filosofia por aqui de que somos imbatíveis, vencedores sempre. Precisamos compreender que não estávamos em condições de ser hexa campeões agora. Estamos saindo de um período sombrio, profundo, medonho, de um perigo para uma sociedade, que se durasse mais quatro anos seria terrível. Então, temos que dar graças a Deus de termos ganho, com Lula, essa eleição apertadíssima”. E acrescenta: “E depois daquela comilança de ouro vergonhosa, e das ostentações sistemáticas que muitos jogadores postam, em cima do povo sonhador, iludido, com muita gente que acredita em fake news, desculpa, não temos maturidade para vencer. É triste ver um país que precisa se lascar inteiro para que algumas pessoas caiam na real. Eu hoje não tenho sonhos, tenho esperanças, e sempre no coletivo”.
Ser político
Luís também comenta sobre a sua relação com as redes sociais na atualidade. “Não uso para polemizar e nem para expor minha vida. Tento me colocar ali para algumas das bandeiras que defendo, como a do combate à desigualdade; a da sexualidade, pela liberdade de escolha e da luta contra toda e qualquer opressão; e como homem feminista que sou, também repudio à violência contra as mulheres. Essa pauta está junto com o racismo, em questão de mortalidade, violência. E claro, defendo a liberdade religiosa, o respeito às religiões de matrizes africana. Tenho horror a esse ódio contra algumas religiões que se instaurou por aqui, que muito se deve ao fanatismo por outras, como por exemplo algumas de origem evangélica”, reflete.
É triste ver um país que precisa se lascar inteiro para que algumas pessoas caiam na real – Luis Miranda, ator
“Mas também gosto de trazer um lado meu mais leve para a internet. Do cara que tem prazer em cativar as afinidades, amizades. Não exponho muito o lado pessoal, porque toda vez que isso acontece, vem muita gente querendo opinar. Não dou essa ousadia (risos). Não faço dancinha do Tik Tok, não mostro a bunda, porque sem isso acontecer, todo mundo já se sente super íntimo e achando que pode interferir na sua vida. Fora, que apesar de me posicionar, tenho consciência que hoje em dia vivemos em uma guerra virtual, de comunicação. As mentiras divulgadas podem destruir uma carreira. E vem os haters, os cancelamentos. Isso pode ser muito negativo para o trabalho, para um patrocínio cultural, para o agendamento de uma campanha. É assustador”, completa.
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