Luís Lobianco: “Tenho pé atrás com quem tem saudade do humor de 10 anos atrás. O limite do humor é o da ética”


O ator protagoniza o longa ’10 Horas para o Natal’, que estreia em circuito nacional nesta quinta-feira (3). E também celebra o fato do filme ‘Carlinhos e Carlão’ – que estreou no Festival do Rio do ano passado – chegar ao streaming, falando de diversidade e derrubando preconceitos. “Minha missão é avançar além do espaço do engraçado, do ótimo coadjuvante. Dou conta”, pontua. Em entrevista exclusiva, Lobianco fala ainda sobre a possibilidade da paternidade e revela que ele e o marido Lúcio Zandonadi adotaram a cachorrinha Odete. Além disso, chama a atenção a respeito de oportunidades perdidas ou não oferecidas, após ele falar abertamente sobre a própria sexualidade: “Essas coisas são muito graves e acho que neste momento estamos exigindo mudança, os corpos, os movimentos, então precisamos falar. Não dizem claramente que você não será contratado por ser gay. Não são francos, honestos, não te dão essa clareza. Não dizem que é porque você posta foto com o namorado. Pelo contrário, até te incluem. E tudo leva a crer que é responsabilidade é sua, que não foi tão talentoso, não se esforçou tanto

*Por Brunna Condini

Este ano vai ter Natal, apesar da pandemia do novo coronavírus. Só não sabemos que tipo de celebração em família poderemos ter. E como a arte aí está para entreter, distrair e até inspirar, ele chega mais cedo nos cinemas em ‘10 Horas Para o Natal’, com Luís Lobianco. O longa de Cris D’Amato é a primeira produção natalina brasileira a estrear nos cinemas do país, com sessões a partir desta quinta-feira (dia 3).

Lobianco entre os filhos da ficção: Lorena Queiroz, Giulia Benite e Pedro Miranda (Divulgação)

Lobianco vive Marcos Henrique, um superpai de três que, entediados em passar mais um Natal com os pais separados e na casa de uma tia, resolvem fazer uma celebração diferente tentando unir pai e mãe em uma noite feliz. “Acho que para viver esse personagem me inspirei mais nas mulheres, no que elas estão falando, exigindo dos homens, do que nos próprios homens. Temos que pensar em exemplos de paternidade responsável, porque vivemos em um país onde muitas mulheres levam a maternidade nas costas”, analisa.

“No filme, acontece isso e a mulher se separa dele. Então, ele vai para as costas de outra mulher, a mãe. Até que no Natal, os filhos cobram do Marcos Henrique atitudes e ele descobre que ser um pai participativo e responsável, não é favor. Ele se toca do papel dele. Acho que o filme também traz a discussão que no divórcio é preciso ter cuidado com os filhos, eles não têm culpa de nada. Os pais podem ser amigos para o bem das crianças. Pensando nisso, posso dizer que a história também é sobre amizade e como ela pode curar. Além disso, fazer um filme de Natal foi maravilhoso. Esse fetiche do filme de Natal”.

O ator com Giulia Benite: “Fazer um filme de Natal foi maravilhoso. Esse fetiche do filme de Natal” (Divulgação)

Laços de ternura

Ao falar do tema, o ator compartilha lembranças da sua infância. Ele perdeu a mãe Maria de Lourdes, aos 5 anos, em decorrência de um câncer linfático, logo após o nascimento da sua irmã Luana. “Sou de uma família calorosa. Eram dias difíceis depois do falecimento da minha mãe, mas tinha muito amor, carinho. E esses momentos de Natal, de festa, eram de muita alegria. E como faço aniversário perto do Natal (em 13 de janeiro), minha tia Graciete fazia as festas mais lindas de aniversário. Eu escolhia o tema e ela fazia, e não era porque tinha grana. Era para suprir, abraçar, ela era criativa”, recorda.

“É uma tragédia perder a mãe tão cedo, talvez a maior. Mas teve um esforço grande das mulheres e de todos da família em fazer essas datas especiais, mesmo em momentos de muita tristeza. Amo o Natal” (Foto: Luis Lobianco)

Criado cercado de afeto, apesar da perda, Lobianco continua: “Tenho duas mães. A biológica que faleceu de câncer e, depois meu pai casou de novo, então também tenho a Irene. Minha mãe descobriu o câncer aos 25 anos, junto da gravidez da minha irmã Luana. Ela teve mesmo que fazer uma escolha, seguir com a gravidez ou fazer o tratamento. Ela escolheu a minha irmã. Claro que é uma tragédia perder a mãe tão cedo, talvez a maior. Mas teve um esforço grande das mulheres e de todos da família em fazer essas datas especiais, mesmo em momentos de muita tristeza. Então, sempre adorei o Natal. Amo”.

O que será do Natal?

Com a eminência de uma segunda onda da Covid-19 e previsão de vacina só para 2021, o ator prefere não fazer grandes planos para as comemorações de Natal e Ano Novo. “Aprendi esse ano a não fazer planos a curto e médio prazos. Ainda não pensamos no Natal. De uma semana para a outra tudo muda muito. Tem a possibilidade desta segunda onda, que pode ser ainda pior”, diz Lobianco que já foi infectado com o novo coronavírus.

“Neste momento tenho cinco pessoas próximas que estão com a Covid-19, entre amigos e família. Tive a pouco tempo e estava completamente assintomático” (Foto: Luis Lobianco)

“Neste momento tenho cinco pessoas próximas que estão com a Covid-19, entre amigos e família. Tive a pouco tempo e estava completamente assintomático. Fiz teste de rotina para gravar o ‘Vai que Cola’ (que estreia a oitava temporada hoje), e levei um susto. Fiz isolamento social e fiquei em contato com os médicos , que me tranquilizaram bastante. E mesmo quando testei negativo, fiz quarentena, fiquei quietinho”.

Casado há oito anos com o pianista Lúcio Zandonadi, ele conta ainda, que sempre gostou de passar o Natal em casa: “Gosto de cozinhar. Agrego, sempre recebi a família, os amigos. Estudei teatro, então desde lá sempre convivi com muita gente de fora, que não tinha família aqui. Mas esse ano, deve ser algo muito pequeno mesmo. Ainda não planejei, mas devo receber só mãe, irmãs e sobrinhas”.

Pais de Odete

O artista é padrinho de Maitê, 4 anos, e de Lara, de 1, respectivamente filhas das irmãs Luana e Isabela. E, apesar de ser muito questionado sobre uma possível paternidade com o marido, diz que um filho ainda não é um projeto do casal. “Mas para não dizer que a pandemia não mudou nada em relação a isso, viramos pais de pet, a Odete. Ela tem um histórico de maus tratos, então estamos dando muito amor para ela”, diz sobre a cachorrinha. “Ela está aprendendo tudo novamente, até a comer. Por isso que a adoção tem que ser muito responsável. Existe investimento de amor, cuidado e paciência. Ela veio com muitos medos e trauma. Recomendo muito a adoção desta forma consciente, sem rótulos, preconceitos. As pessoas muitas vezes querem escolher. E a Renata Prieto, do G.A.R.R.A., grupo de Ação, Resgate e Reabilitação Animal,, diz que a melhor raça é a adotada. Tenho certeza disso, tenho vivido isso com Odete”.

“As pessoas muitas vezes querem escolher. E a Renata da G.A.R.R.A., grupo de apoio e adoção de animais, diz que a melhor raça é a adotada. Tenho certeza disso, tenho vivido isso com Odete” (Arquivo pessoal)

E acrescenta: “Ter filhos não é mesmo um plano. Mas sempre digo que posso mudar de ideia a qualquer momento. Pode ser que daqui a um ou dois anos tenhamos vontade. Somos muitos felizes. Acho mesmo que minha felicidade é completa. E no nosso caso não tem risco de acidente, né? (risos). Para termos um filho seria pelo caminho da adoção, teríamos que ter um tempo de elaboração e não temos esse desejo ainda”.

“Ter filhos não é mesmo um plano. Mas sempre digo que posso mudar de ideia a qualquer momento. Pode ser que daqui a um ou dois anos tenhamos vontade” (Reprodução Instagram)

Representatividade

O ator também celebra a chegada do longa ‘Carlinhos e Carlão’ ao streaming. O filme sobre um homem homofóbico e machista que se descobre gay após entrar em um armário mágico, chegou este mês na Amazon Prime Video. “Acho que o filme é corajoso. O que fazemos ali é pegar estereótipos, nos apropriamos e dizemos: ‘Sou bicha mesmo e vou passar’. O Carlinhos é isso”, comenta sobre a produção que estreou no Festival do Rio do ano passado, e passeia entre o humor e o drama para retratar a violência que as pessoas LGBTQIA+ são alvo.

“O Carlão é o estereótipo do machão. Você olha e acha asqueroso, mas é tão comum, conhecemos muitos Carlões. Ele foi quase um expurgo para mim, quis mostrar o quanto ele era escroto. Então foi fácil. Já com o Carlinhos, quis honrar amigos pocs, afeminadas, que querem passar com sua alegria, do jeito que são. É um filme emocionante porque ele liberta muita gente que se vê ali”.

“Quis honrar amigos pocs, afeminadas, que querem passar com sua alegria, do jeito que são. É um filme emocionante porque ele liberta muita gente que se vê ali” (Foto: Luis Lobianco)

Você pontuou recentemente que perdeu algumas oportunidades por falar abertamente da sua sexualidade. Como é isso? “Essas coisas são muito graves e acho que neste momento estamos exigindo mudança, os corpos, os movimentos, então precisamos falar. Não dizem claramente que você não será contratado por ser gay. Não são francos, honestos, não te dão essa clareza. Não dizem que é porque você posta foto com o namorado. Pelo contrário, até te incluem. E tudo leva a crer que é responsabilidade é sua, que não foi tão talentoso, não se esforçou tanto”, desabafa.

“Não posso dizer que isto aconteceu especificamente nesta ou naquela situação. Mas se traço um paralelo com outras pessoas que estiveram juntas comigo, próximas, elas têm mais oportunidades, para publicidade, protagonismo, por exemplo. Nem falo só de mim, porque já tive isso, mas sinto que na ocasião estava sendo cirúrgico, melhor e provavelmente não teria outra chance. Essa é uma clareza, uma elaboração que os meus 38 anos me deram. Sei que quem está mais no padrão acaba tendo mais chances de experimentar. E para outros corpos diversos, do tipo que vemos nas ruas, pensam: ‘você está aqui, ocupando esse espaço de mídia, então vai ocupar esse que temos para você. E, às vezes, é o espaço só do engraçado, excelente coadjuvante. Acho que minha missão é avançar além deste espaço. Quero fazer outras coisas, com outras temperaturas, porque sei que dou conta. Que esses trabalhos que tenho feito abram portas para mim e para outros corpos em sua diversidade. Tenho consciência que sou privilegiado, tive mais oportunidades. Mas, ainda assim, tenho menos e disso hoje tenho consciência do porquê”.

“Minha missão é avançar além deste espaço, do engraçado, do ótimo coadjuvante. Quero fazer outras coisas, com outras temperaturas, porque sei que dou conta” (Foto: Luis Lobianco)

Não é mais aceitável fazer humor passeando por preconceitos. E o que mais não é aceitável? “Acho que em qualquer canal de comunicação, que é um canal de poder, isso traz responsabilidade. A Tatá Werneck, por exemplo, está bem consciente disso – recentemente a apresentadora que faz questão de ter sempre um discurso consciente, recebeu a transformista Glória Groove no Lady Night e pediu desculpas por ter feito uma piada transfóbica em outro episódio, sem ter percebido. Isso é uma belíssima demonstração deste novo humor ou do humor que sempre deveria ter existido. A Tatá deixou de ser engraçada por isso? Não. Fica muito mais legal quando incluímos todo mundo”, afirma Lobianco.

“Tenho pé atrás com quem tem saudade do humor de 10 anos atrás. O limite do humor é o da ética. Do quanto precisamos ter esse compromisso ético. Tem graça fazer piada com o corpo do outro? Ou uma característica? Para mim, não. Nunca quis esse caminho. Quanto mais a gente fala, mais vamos entendendo o que não queremos. É assumir responsabilidade”.