*Por Brunna Condini
Com mais de três décadas dedicadas ao ofício de atuar, Luciano Quirino celebra o fato de através da dramaturgia poder, além de entreter, também oferecer uma análise humana e social. O ator percebe a possibilidade de tocar em temas importantes com o atual personagem em ‘Além da Ilusão‘, um pai viúvo que se dedica à criação do seu único filho, vivido por Matheus Dias.
Aos 55 anos, Luciano ainda não é pai, e divide aqui a inspiração para a elogiada relação com o filho na ficção. “Não tive pai até os 9 anos, e a minha inspiração veio em ser o que meu pai biológico não foi. Na ficção tive a oportunidade de realizar algumas vezes esse sonho. Depois chegou meu padrasto, que me registrou. Eu o chamo carinhosamente de papai. Ele me deu carinho, amor e me ensinou sobre respeito. Na vida real sou um paizão para os meus filhos de quatro patas”, diz.
“Estamos jogando luz nos pais que criam seus filhos sozinhos. Pais que muitas vezes não são lembrados e exaltados. Ouvimos bastante sobre mulheres que criam sozinhas seus filhos. E os pais na mesma situação? Por que não se fala deles ? Tive a oportunidade de trazer essa discussão. O Abílio é um homem sensível, amoroso, trabalhador e criou o filho sozinho. Existe muita identificação com ele, tanto por parte dos homens, como das mulheres, afinal muitos pais dão a vida pelos filhos. Apesar de tudo, o que fica para o público é o amor e carinho que as personagens transmitem, principalmente agora nesse mundo desumano que vivemos”, completa.
Luciano conta que a paternidade ‘humana’ ainda pode acontecer. “Sou comprometido há oito anos. E pai de dois cachorros e tenho três afilhados, e está tudo certo. No meu último relacionamento quase fiquei ‘grávido’ duas vezes, mas não aconteceu. Tudo é possível, até uma adoção. Quem sabe?”, divide, mas sem revelar com quem se relaciona no momento.
E aproveita para exaltar seu amor pelos animais: “Tenho Nuno, um labrador idoso, que vai fazer 13 anos e requer alguns cuidados. Ele faz acupuntura toda semana. TJ é um moleque de 6, presente da minha comadre Cristina Granato. Um beija-flor e três passarinhos que tomam café da manhã praticamente todos os dias comigo, e dois gatos que cuidam para não entrar rato no prédio. Amo os animais desde criança e sonho ainda ter uma casa rodeado de bichos, na montanha”.
“Nós podemos ser o que quisermos, talento e raça não nos falta”
Com uma trajetória vasta no teatro, cinema e TV, Quirino escolhe se desafiar na construção da sua trajetória. Tanto, que fez personagens que vão de policiais a papéis shakespearianos, e também esteve em séries infanto-juvenis, como ‘Detetives do prédio azul’, sucesso do canal infantil Gloob. E salienta que não aceita papéis em que o negro é colocado como submisso. “A carreira de ator não é das mais fáceis, principalmente em um país onde a cultura não é valorizada. A barra fica ainda mais pesada para o ator negro. Os autores escrevem pouco para nós. Acredito que isso esteja mudando um pouco com a entrada de roteiristas, diretores e produtores negros, mas ainda falta muito. Nós precisamos protagonizar nossas histórias. Podemos ser o que quisermos, talento e raça não nos falta. Temos de sobra! Chegamos até aqui em condições mínimas, portanto não resta dúvida da nossa capacidade”, analisa.
E pontua em que tipo de papéis não dá mais para vermos atores e atrizes negras: “Papéis que reforcem esse estereótipo de que o negro é violento, agressivo , machão, sujo. Personagens ligados à criminalidade, pobreza, miséria. Estereótipos negativos. Ligados a trabalhos braçais, como meros elementos de diversão e apoio para os demais personagens. Personagens dessa natureza acabam reforçando o racismo estrutural enraizado na sociedade brasileira. Acho que estão começando a entender a importância de uma representatividade nesse sentido, mas ainda temos um longo caminho de conquistas pela frente. Não é tão simples assim.”.
Um ator no Brasil precisa exercitar a versatilidade, inclusive para ter alternativa nos hiatos de trabalho atuando. Você mesmo já teve uma imobiliária, é isso? “Sim, mas isso não se limita somente ao trabalho de ator. O brasileiro precisa a toda hora se reinventar. Na época optei pelo mercado imobiliário. Hoje vejo pessoas graduadas, pós-graduadas, como motoristas de aplicativo, por exemplo”. E acrescenta: “Me orgulho de minha trajetória. Sou um ator negro, que apesar das dificuldades está na ativa. Tenho uma história para contar no teatro, no cinema e na televisão”.
Versão criador
Em busca da sua própria voz, o ator também deseja se experimentar na direção e roteiro audiovisual. “Estou fazendo faculdade de cinema e tenho curtido bastante. Quis ampliar as possibilidades na frente e atrás das câmeras. No roteiro, estou me exercitando. Quero contar e protagonizar nossas histórias. Na faculdade tenho tido a oportunidade de conviver com pessoas mais jovens, com um outro olhar sobre as pessoas e o mundo. A vida também é feita de reciclagem”. E compartilha alguns sonhos: “Quero continuar contando histórias, em um mercado de trabalho mais justo, um planeta sustentável e sem guerra. Desejo melhores governantes e uma aposentadoria digna. Acesso à educação, cultura e saúde para todes. É pedir muito?”.
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