*Por Brunna Condini
De Salvador para o mundo. Assim tem sido a vida de Lucas Oranmian desde que estreou ‘7 prisioneiros‘, o premiado longa da Netflix. Na produção, o ator está ao lado de Rodrigo Santoro, e de atores como Christian Malheiros, Vitor Julian e Bruno Rocha para contar uma trama baseada em uma história real: sobre a escravidão moderna.
“Segundo a ONU, em 2019 tinham cerca de 40 milhões de pessoas vivendo em condições análogas à escravidão. Isso é muito sério. Infelizmente, essa história passa longe da ficção. Em nosso elenco, um dos sete prisioneiros é um ator boliviano, que chega no final do filme. Na vida real, ele veio pra Brasil em busca de oportunidades, foi para São Paulo trabalhar, e se viu em uma situação igual a dos meninos do filme”. O ator também revela como foi dividir o set com Santoro: “O personagem do Rodrigo é o vilão, sou um dos escravizados por ele na trama. Eram relações tensas para se criar nas cenas, precisávamos de muita concentração. Aprendi muito com ele, porque mesmo no ‘corta’ da direção, Rodrigo gostava de manter a frequência do personagem, não relaxava, e isso fez diferença no trabalho. Ele é muito concentrado”.
O filme estreou no Festival de Veneza e já saiu premiado. Com direção de Alexandre Moratto, o longa é um sucesso no mundo todo. Aqui no Brasil, desde a primeira semana, foi o mais assistido da Netflix. E Lucas celebra: “Sonho que mais pessoas como eu possam estar em lugares de poder e destaque. Cada trabalho que faço, é a chance de aparecer, inspirar, um menino preto, como eu, lá do interior da Bahia, por exemplo. Para ele ver que é possível estar neste lugar. Quando estive com esse black power, em um tapete vermelho no Festival de Veneza, foi representatividade pura”.
A trama acompanha a jornada de um jovem que sai do interior em busca de uma oportunidade de trabalho em São Paulo. Nesta jornada, ele acaba se tornando vítima de um sistema de trabalho com condições análogas à escravidão em um ferro-velho. A história escancara as feridas da desigualdade social no Brasil. “Quando estreamos o filme em Veneza, tinha acabado de ser noticiado o caso de uma empregada doméstica, em Salvador, que havia pulado a janela do apartamento para fugir da patroa, que a prendia em casa. Em 2021, ela vivia em condições análogas à escravidão. Sou de Salvador, isso me tocou demais. As vezes é o trabalhador que está ali, perto de você, que está vivendo isso. Muitas vezes, um produto que compramos e não sabemos a origem, vem desse tipo de trabalho”, observa.
Lucas também se posiciona sobre o cenário político do Brasil. “Somos o país de Caetano Veloso, da Marielle Franco. Somos um povo muito rico e que está nas mãos de pessoas perversas. Precisamos sair disso. E que no futuro tenhamos pessoas inteligentes, interessadas em dar importância ao Brasil do jeito que ele merece”, torce. “Sinto que levamos tanta porrada nestes últimos anos, que ficamos anestesiados. Estamos indo para 2022, um ano de eleições em nosso país, e acho que o que faltou na última foi diálogo, empatia, então se não estiver abertos à realidade do outro, e também entendermos como conseguimos conversar, não sei o que vai ser”.
Construindo pontes
Aos 30 anos, ele sonhou ser ator desde pequeno, em Salvador, na Bahia. “Sempre quis trabalhar com arte. Quando era criança lembro de passar a novela ‘Chiquititas’ , que eu sonhava em fazer. Inclusive, teve teste em Salvador e não fiquei sabendo. Chorei pra caramba (risos)”, lembra. “Então comecei a fazer curso adolescente ainda, mas quando fui para São Paulo que consegui trabalhar na área. Também fiz teatro na USP. Foi importante na minha formação. E de 2012 para cá, não parei mais de trabalhar”, conta ele, que também está no filme são o filme “Grande Sertão” de Guel Arraes e Flavia Lacerda. “Também fiz a peça com a Bia Lessa, que deve voltar em cartaz. Acabei de filmar a história com Caio Blat, que vai contracenar comigo no meu primeiro roteiro de audiovisual”, revela.
E segue, animado. “Estou em um momento de busca de maior independência criativa. Acabei de escrever esse roteiro, que parte muito de um desejo meu, enquanto ator preto, de pluralidade maior de trabalhos, de papeis. Fiz muitos trabalhos nos últimos anos, com personagens complexos, importantes, mas sinto falta de ir para um outro lugar. E escrevendo, consigo vislumbrar novos caminhos, objetivos”, divide. “Meu filme se chama ‘Ayô’, é um nome iorubá e quer dizer alegria. Vou contracenar com o Caio. E é sobre um homem negro, gay, de classe média e seus afetos. Acho que falta isso em nosso audiovisual: personagens gays de classe média. Caio é um amigo e faz o par do meu personagem no filme. Estar em posições de poder criativo, faz as coisas se transformarem. Fiquei muito feliz de ver o Lázaro Ramos como produtor executivo na Amazon. E tem a Camila Pitanga lá na HBO Max, então acho que esse é o caminho”.
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