Luana Xavier fala sobre personagem em Sessão de Terapia, que, assim como ela, lida com a obesidade: ‘É sobre saúde’


A atriz reflete sobre a personagem na quinta temporada da série da Globoplay e sobre o tema, que não trata da aceitação do corpo, mas de bem-estar. Luana também comenta seu papel de militante e influenciadora nas redes: “Às vezes tenho medo de me posicionar, não sou essa fortaleza toda não, mas escolho ser coerente com tudo o que acredito. Já perdi trabalho e seguidores pra caramba. Principalmente quando falo abertamente sobre minha religião, a umbanda. Mas, a gente vai amadurecendo e entendendo que essa história de que não vamos agradar todo mundo não é só um clichê. É a mais pura verdade. Então, estou focada em ser eu mesma, em me posicionar quando achar que devo, e quando isso não me fizer sofrer ainda mais. E aí quem quiser colar comigo, ótimo. Quem não quiser, é uma pena, porque eu sou muito legal, inteligente e descobri que minha cara vende direitinho! (risos)”

Luana Xavier fala sobre personagem em Sessão de Terapia, que, assim como ela, lida com a obesidade: 'É sobre saúde'

*Por Brunna Condini

A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Para Aristóteles, “a arte imita a vida”, sendo a arte muitas vezes, estratégia usada para vencer empecilhos que sozinha a natureza tem dificuldades para superar. A atriz Luana Xavier experimentou isso recentemente. No elenco da quinta temporada da série ‘Sessão de Terapia’, que estreia sexta-feira (4) no Globoplay, ela dá vida à vendedora Giovana, personagem que busca a terapia para lidar com questões relacionadas à sua obesidade, e durante o processo com Caio (Selton Mello), descobre gatilhos emocionais que, agravados pelo isolamento social, trazem outro prisma para as questões.

Esses são temas que a atriz lida em sua vida pessoal. Diagnosticada com obesidade grau três, Luana é uma voz ativa nas redes sociais e em campanhas de conscientização sobre a doença. “Acredito que se falarmos com propriedade sobre o assunto, podemos exemplificar que não se trata de estética ou de aceitação corporal. Obesidade não é sobre o que aparece no espelho ou se mede na balança, mas sim, sobre saúde”, comenta a neta de Chica Xavier (1932-2020). Ela conta ainda que, na mesma semana em que estreia o ‘Sessão de Terapia’, também começa a campanha ‘Saúde Não Se Pesa’, que protagoniza. “É um movimento criado em 2016, sobre conscientização da obesidade e que traz como mote a máxima de que o único padrão que importa é o da saúde”, diz.

Luana Xavier vive Giovana, personagem que busca a terapia para lidar com questões relacionadas à sua obesidade em 'Sessão de Terapia' (Divulgação)

Luana Xavier vive Giovana, personagem que busca a terapia para lidar com questões relacionadas à sua obesidade em ‘Sessão de Terapia’ (Divulgação)

Como interpretar Giovana mexeu com você? “Ela foi uma virada de chave na minha vida pessoal e na minha carreira. Quando peguei o roteiro da Jaqueline Vargas pela primeira vez pensei: ‘Será que eu estava sendo monitorada com câmera 24 horas e não sabia?’. Muitas angústias e medos da Giovana são meus também. Alguns que eu não tinha coragem de verbalizar nem mesmo para minha terapeuta. Então, o processo de construção dessa personagem acabou sendo super catártico. Foi um mergulho profundo na Luana adolescente, na Luana já adulta e sendo sempre pressionada a emagrecer para aparecer ‘mais fina’ na tela. Foi também a Giovana que me despertou a necessidade de procurar acompanhamento médico para tratar alguns desconfortos físicos que a obesidade estava me trazendo. Até então eu estava adiando isso. Achava que podia deixar para depois, porque eu não tinha a minha saúde como prioridade. Hoje digo de forma convicta que minha saúde vem antes de tudo”.

"Achava que podia deixar para depois, porque eu não tinha a minha saúde como prioridade. Hoje digo de forma convicta que minha saúde vem antes de tudo" (Reprodução Instagram)

“Achava que podia deixar para depois, porque eu não tinha a minha saúde como prioridade. Hoje digo de forma convicta que minha saúde vem antes de tudo” (Reprodução Instagram)

A personagem lida com a questão da obesidade ligada à saúde. Os ativistas do Movimento Corpo Livre, por exemplo, incentivam o amor próprio e lutam pelo fim da associação de corpo gordo à doença. Pode falar sobre isso? Qual a linha limítrofe? “Minha pergunta sempre vai ser: tem ido ao médico? Seus exames estão ok? E isso eu me refiro a todos os corpos. A minha obesidade começou a me dar alertas a partir do momento em que atividades comuns, tipo subir a escada na casa do meu avô ou andar uma distância de 200 metros, estavam me cansando demais e deixando minha respiração muito ofegante. Ali, eu comecei a perceber que tinha alguma coisa que estava errada”, revela Luana.

"A minha obesidade começou a me dar alertas a partir do momento em que atividades comuns, tipo subir a escada na casa, estavam me cansando demais" (Foto: Mariana Maiara)

“A minha obesidade começou a me dar alertas a partir do momento em que atividades comuns, tipo subir a escada na casa, estavam me cansando demais” (Foto: Mariana Maiara)

“Eu sou super incentivadora do Movimento Corpo Livre, porque os padrões que a sociedade impõe aos nossos corpos, principalmente aos corpos femininos, nos causam tantos danos, que eu mesma já me peguei falando algo absurdo. Fui fazer uma ultrassonografia de abdômen e a médica disse que eu estava com um pouco de gordura no fígado. Eis que eu respondi: “Mas isso já era de se esperar de uma paciente obesa né, doutora?” E ela respondeu: ‘Você está muito enganada. Recebo aqui inúmeros pacientes magros com gordura no fígado. Uma coisa não tem nada a ver com a outra’. Fiquei muito sem graça, porque ali entendi que mesmo eu sendo firme no meu discurso sobre a perversidade da gordofobia e sobre a importância de nos libertarmos de certos padrões, cometi um erro como esse. Por isso tudo, acredito piamente que o Movimento Corpo Livre e a conscientização sobre obesidade podem caminhar juntos. E o que pode dar segurança às nossas narrativas é a informação. Para mim, que falo muito nas redes sociais sobre a obesidade, sobre meu próprio corpo e o amor e cuidado que tenho com ele, é fundamental me cercar de informações até mesmo para conscientizar a galera que me segue”.

A atriz destaca ainda a importância da conscientização sobre a obesidade. “Por conta da campanha de vacinação da Covid-19 e as determinações dos grupos prioritários e das comorbidades, fui descobrir que obesidade grau 3 é considerada obesidade mórbida. Mas, esse último termo vem caindo em desuso, porque ele parece uma sentença de morte. E isso não ajuda em nada à conscientização sobre a obesidade. Os graus de obesidade são definidos por uma conta feita a partir da nossa altura e do nosso peso, mas eu particularmente acredito que é necessário investigar o todo. Porque não é apenas um número na balança que me define. Mas quando você vai ao médico e ele te diz que você é obesa grau 3, isso mostra que você está mais propensa a desenvolver algumas doenças como diabetes e hipertensão. E o meu diagnóstico mais recente é de hipertensão e pré-diabetes. Estou cuidando muito disso tudo. Mudando minha alimentação, fazendo exercício físico, acompanhamento com terapeuta… e esse combo todo tem me ajudado a me sentir mais disposta, menos ofegante e meus joelhos também estão agradecendo”.

"Estou cuidando da saúde. Mudando minha alimentação, fazendo exercício físico, acompanhamento com terapeuta... e esse combo todo tem me ajudado a me sentir mais disposta" (Foto: Mariana Maiara)

“Estou cuidando da saúde. Mudando minha alimentação, fazendo exercício físico, acompanhamento com terapeuta… e esse combo todo tem me ajudado a me sentir mais disposta” (Foto: Mariana Maiara)

Corpo são, mente sã

Luana faz terapia há três anos, sem intervalos e diz que o processo só tem trazido ganhos para sua vida. “Minha atual terapeuta conheci já no início da pandemia. Eu brinco com ela e digo que a proíbo de um dia me dar alta (risos). É que a terapia me faz muito bem. O melhor da terapia, pelo menos para mim, é que a gente se escuta. Tem muita coisa que passa pela nossa cabeça e que a gente não verbaliza. E não verbalizando, às vezes corremos o risco de não dar a atenção devida a questão. Muitas vezes eu falo coisas na terapia que eu nem sei de onde surgiram ou o que me motivou a falar. E isso pra mim é quase magia e ritual de cura ao mesmo tempo. Um dos pontos altos da minha terapia é encontrar de onde vem minha compulsão alimentar. E esse não é um trabalho rápido. É lento, gradual e diário. Um dos meus desejos é que toda a população tivesse acesso à terapia, porque salva vidas”.

"Minha atual terapeuta conheci já no início da pandemia. Brinco com ela e digo que a proíbo de um dia me dar alta (risos). É que a terapia me faz muito bem" (Foto: Mariana Maiara)

“Minha atual terapeuta conheci já no início da pandemia. Brinco com ela e digo que a proíbo de um dia me dar alta (risos). É que a terapia me faz muito bem” (Foto: Mariana Maiara)

Reality da pandemia

Vivendo entre seu apartamento na Barra da Tijuca e a casa em Sepetiba, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em que já viveu com os avós Chica e Clementino Kelé, e que hoje reúne uma verdadeira ‘comunidade’ familiar, onde vivem o avô, tia Nenen, sua mãe Christina, seu pai Ernesto, Izabela (tia e madrinha) e Oranyan (filho de Izabela e seu primo), Luana fala da realidade da vacinação contra Covid-19. “Lá em casa a gente acompanha o calendário de vacinação do Rio como quem acompanha reality show (risos). Todas as mudanças de data a gente sabe. Meu avô e minha Tia Nenen são os únicos que já tomaram as duas doses. Mas o restante já tomou pelo menos a primeira. Até eu já consegui tomar a primeira dose por conta da minha obesidade. Levei até um chapéu de jacaré para colocar na hora de tomar a vacina (risos).Brincadeiras à parte, aproveitei o número bacana de acessos que tenho no meu Instagram para informar melhor sobre grupos prioritários. E nas minhas contas, do que chegou até mim, pelo menos umas 30 pessoas descobriram que podiam se vacinar através das informações que divulguei. E isso é gratificante. A gente precisa que a maior parte da população se vacine. Esse é o meu maior desejo no momento”.

"Nesta pandemia, só não pirei de vez por três motivos: terapia, o meu trabalho de atriz que se intensificou em 2020 e o fato de a minha família ser a melhor do mundo" (Foto: Mariana Maiara)

“Nesta pandemia, só não pirei de vez por três motivos: terapia, o meu trabalho de atriz que se intensificou em 2020 e o fato de a minha família ser a melhor do mundo” (Foto: Mariana Maiara)

Como você tem passado este mais de um ano de pandemia? “Só não pirei de vez por três motivos: terapia, o meu trabalho de atriz que se intensificou em 2020 e o fato de a minha família ser a melhor do mundo. Sem tirar nem por. Eu levo o isolamento muito a sério. Só saio de casa para ir a médico e para determinadas gravações que precisem ser feitas em estúdio. Então esse enclausuramento de tanto tempo me desestabilizou demais. Eu sou de uma religião da proximidade, do contato, do abraço. Sou umbandista e em muitas situações complicadas, um abraço de um caboclo resolve muita coisa. Imagine não poder estar com meus irmãos no terreiro? É difícil demais. Mas ainda assim eu não me permito jogar a toalha, porque como cidadã e também como assistente social, que é minha formação universitária, vejo milhares de pessoas literalmente passando fome e penso que diante da fome não tem nada ou quase nada que possa ser pior. Então, respiro fundo e sigo em frente porque tenho essa concessão. Minha família está com saúde, temos comida na mesa e não está me faltando trabalho. Tenho mais é que agradecer”.

Militando e influenciando

A atriz de 34 anos também atua nas redes quase diariamente na luta antirracista e contra a intolerância religiosa. E comenta sobre o ônus e bônus de se posicionar politicamente na internet. “Tenho trabalhado também na terapia para me atentar ao bônus e não somatizar o ônus. Tem muita gente que me agradece por trazer debates que nem todo mundo tem acesso. Mas eu preciso admitir que também tem muita gente que insiste em dizer que é ‘mimimi’, ‘vitimismo’ ou algo do tipo. Mas o meu povo preto tá cansado de saber que a nossa luta é por sobrevivência. A gente luta pelo direito de existir em um país que é absolutamente racista. Então eu não tenho outra alternativa. Não vou deixar de me posicionar porque corro o risco de ser cancelada na internet, mas também não serei hipócrita em dizer que isso não me fere. Os ataques me ferem sim e por isso algumas vezes escolho me calar. Mas no dia seguinte, enxugo as lágrimas e volto pra luta”.

"Os ataques me ferem sim e por isso algumas vezes escolho me calar. Mas no dia seguinte, enxugo as lágrimas e volto pra luta" (Foto: Ernesto Xavier)

“Os ataques me ferem sim e por isso algumas vezes escolho me calar. Mas no dia seguinte, enxugo as lágrimas e volto pra luta” (Foto: Ernesto Xavier)

O que as pessoas precisam entender sobre ser antirracistas na prática? “Muitas coisas são essenciais para quem quer ser de fato antirracista. Mas eu vou destacar duas. A primeira é que um relato de uma pessoa preta sobre ter sofrido racismo precisa sempre ser ouvido e nunca minimizado. Só a gente sabe a dor que é e o quanto determinadas situações racistas nos ferem psicologicamente e emocionalmente. Isso quando também não somos atingidos fisicamente, porque corpos pretos são vistos na sociedade brasileira como descartáveis. E a segunda coisa é: se você tem poder ou está numa posição em que pode contratar pessoas, em que pode gerar emprego, saiba que muitas vezes a nossa “emancipação” (entre aspas mesmo) passa pela capacidade monetária. Vivemos em uma sociedade capitalista. Então, sem dinheiro a gente não consegue avançar. E como na hora de dar oportunidade de trabalho as pessoas acham que o quesito raça não tem nada a ver, eu explico: a gente que é preto se esforça, corre atrás, se vira em mil, mas muitas vezes o que nos falta mesmo é oportunidade. Então se você se diz antirracista, nos dê oportunidade”, aponta Luana.

"Quando as marcas me contratam sabem das minhas bandeiras e que eu luto por aquilo que acredito. Isso está refletindo nas campanhas das quais participo" (Reprodução Instagram)

“Quando as marcas me contratam sabem das minhas bandeiras e que eu luto por aquilo que acredito. Isso está refletindo nas campanhas das quais participo” (Reprodução Instagram)

Na pandemia você ficou blogueira de vez… além de militar, dar seu recado sobre assuntos relevantes, consegue fazer essa relação rentável através de publicidade? “Enfim os publis chegaram! (risos). E eu fico muito feliz de ser agenciada por uma empresa que entende meu posicionamento. Quem cuida dos meus contratos comerciais atualmente é a Mynd, empresa que tem como uma das sócias, Preta Gil, que é minha amiga pessoal. Quando eu entrei pro time Mynd a galera já sabia que eu era uma pessoa politicamente ativa e que isso não iria mudar. Então, quando as marcas me contratam sabem das minhas bandeiras e que eu luto por aquilo que acredito. Isso está refletindo nas campanhas das quais participo. Acabei de assinar contrato para ser embaixadora de uma marca de absorventes que me chamou pelo segundo ano consecutivo justamente por eu ter trazido importantes debates nas reuniões que tivemos. Eles fizeram questão de me chamar novamente porque disseram que as minhas sugestões tiraram eles da zona de conforto. E isso é sensacional. Estou muito feliz de poder aliar militância e publis. Porque me posicionar publicamente é importante, mas pagar os boletos em dia também é”.

E completa: “Às vezes tenho medo de me posicionar, não sou essa fortaleza toda não, mas escolho ser coerente com tudo o que acredito. Já perdi trabalho e seguidores pra caramba. Principalmente quando falo abertamente sobre minha religião, a Umbanda. Mas a gente vai amadurecendo e entendendo que essa história de que não vamos agradar todo mundo não é só um clichê. É a mais pura verdade. Então, estou focada em ser eu mesma, em me posicionar quando achar que devo, e quando isso não me fizer sofrer ainda mais. E aí quem quiser colar comigo, ótimo. Quem não quiser, é uma pena, porque eu sou muito legal, inteligente e descobri que minha cara vende direitinho! (risos)”.