Louise Clós, atriz de ‘Reis’, fala do protagonismo feminino em trama bíblica e da importância da sororidade


Após alguns trabalhos na própria Record, e participações pontuais em outras produções, Louise vive, na novela bíblica, a personagem Damaris, melhor amiga de Bate-Seba (Paloma Bernardi), a protagonista feminina. A artista destaca a relevância do atual debate que objetiva dar vez e voz às mulheres que foram ofuscadas pelo patriarcado. Uma das personagens às quais viveu, a Imperatriz Amélia de Leuchtenberg, na série “Brasil Imperial”, da Amazon Prime/TV Brasil, revela o quanto a segunda esposa de Dom Pedro II foi pouco notada na historiografia nacional: “Fui buscar o possível de material que há. E existe um livro, apenas. Foi uma mulher invisibilizada na História”

*por Vitor Antunes

Em seu primeiro grande papel na televisão, Louise Clós, cria do teatro e premiada no cinema, vive Damaris, melhor amiga da protagonista feminina de “Reis”, Bate-Seba (Paloma Bernardi). Costumeiramente masculina, as narrativas bíblicas recebem na trama da Record uma perspectiva especial, especialmente ante ao fato de ser roteirizada por uma mulher, Cristiane Cardoso. Nas primeiras temporadas, a trama, uma novela seriada, foi roteirizada por Raphaela Castro. O atual momento da teledramaturgia, inclusive, revela uma presença maciça das mulheres na roteirização das novelas. “Reis”, bem como “Amor Perfeito” e “Vai na Fé“, são escritas por mãos femininas. Algo que Louise, feminista aguerrida, comemora: “[Trata-se de um] olhar pela a perspectiva da mulher. Isso é o que mais me estimula”.

Louise procura, através de sua arte, e da sua atuação, fazer chegar a importância da mulher forte. Em seu início de carreira, em Santa Maria (RS), liderou equipes de produção teatral e de espetáculos e precisou se impor frente a um espaço fortemente masculino. “Por inúmeras vezes temos que provar ter talento ou habilidades, especialmente por sermos mulheres”.

Louise assinala o protagonismo feminino na trama da Record (Foto: Priscila Nicheli)

Louise Clós faz Damaris em “Reis”, seu primeiro papel de destaque na TV (Foto: Priscila Nicheli)

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OLHAR DE MULHER

Esses dourados anos me ensinaram , sobretudo, (…) a força – que vem do aprendizado“. Lya Luft (1938-2021), autora da frase acima, é gaúcha, tal como Louise Clós. Aprendendo mais uma linguagem artística em seu repertório, que inclui projetos teatrais e cinematográficos, Lou vê na televisão mais uma ferramenta criativa e que transcende o preconceito do qual a plataforma costuma ser vista pela intelligentsia” A técnica e como se organiza a TV é uma coisa nova na minha trajetória. É uma arte difícil e complexa de trabalhar, uma engrenagem com suas peças que têm que funcionar. Nem sempre há tempo de maturação como o teatro ou de laboratórios como no cinema, ainda que estes também tenham um ritmo puxado. Para mim, o desafio da TV é esse. Trago muito da minha passagem pelo cinema à TV, como o preparo, o estudo e o aprofundamento da personagem no pré-gravação”. E prossegue:

Eu sempre ouvi muita gente na faculdade ou do teatro que dizia não ter vontade de fazer TV. Novela, porém, atinge muita gente  e de modo efetivo, no Brasil . Não vai deixar de ser a principal ferramenta de comunicação, dramaturgia e jornalismo. Com a TV chegamos a lugares difíceis que o streaming ou com o teatro alcancem. (…) De fato [as novelas] entram no inconsciente do público – Louise Clós

Como as novelas são gravadas de forma mais fragmentada, aproveitando-se de todas as instalações de cenários disponíveis num mesmo momento, isso revela um grande desafio técnico para os atores. A eles, cabe conectar-se às cenas com as próprias ferramentas emotivas e dar seguimento à emoção certa, mesmo gravando uma cena do capítulo 37, por exemplo, seguida de outra do episódio 136 – o que é algo costumeiro em todas as emissoras. Louise conta-nos que “A cada entrada eu sabia exatamente o que fazer e me conectar com a cena, a modulação e a concentração necessárias. É algo diferente do teatro. A produção para a TV é diferente, algo que não vai ser feito muitas vezes, como no palco. Então temos que acessar [nossas próprias emoções] para gravar a cena. Ter concentração é o principal para se ter presença cênica. Além de tudo, há sempre muita gente envolvida na produção, na luz, no áudio. São muitos os fatores interferentes”, analisa.

Louise Clos é Damaris em “Reis”, seu primeiro papel robusto na TV (Foto: Blad Meneghel/ Divulgação RecordTV)

Atualmente vivemos um fato insólito na historiografia nacional. Praticamente todas as novelas inéditas que estão no ar – “Amor Perfeito” e “Vai na Fé“, na Globo, e “Reis”, da Record – são escritas por mulheres. Contando a partir da semana próxima com a reprise de “Mulheres de Areia“, esta é mais uma escrita feminina. Voz ativa do feminismo e do posicionamento da mulher na sociedade moderna, Louise acredita haver na produção da trama da Record “presenças fortes e esse olhar pela a perspectiva da mulher. Isso é o que mais me estimula. Acho bacana por que estamos contando a história dessas pessoas. As mulheres [da Bíblia] são fortes, relevantes. São elas que fazem tudo aquilo acontecer. São protagonistas das suas histórias e imprimem ali sua personalidade. Além de tudo, “Reis” trata-se de uma dramaturgia produzida por uma mulher. É muito legal isso, um avanço”, salienta.

Louise é, também elogiosa e grata aos seus colegas de cena. “Estamos produzindo muito, então imagino o volume de cenas das quais gravam os protagonistas, Cirillo Luna (Davi) e Paloma Bernardi (Bate-Seba). É necessário estar preparado emocionalmente e energeticamente para ser protagonista. Não é fácil.”

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Louise Clós ladeada por Paloma Bernardi. Damaris é, na trama, a melhor amiga de Bate-Seba (Foto: Blad Meneghel/RecordTV)

A ALMA DAS OUTRAS

Título de uma das crônicas escritas para a Revista Veja, por Lya Luft, “A Alma dos Outros“, ganha aqui uma cara feminina: É a alma das outras que se reconhecem e se acolhem mutuamente. É o que ressalta a atriz: “Eu sou muito grata às mulheres que tenho ao meu lado e que me acompanham e me dão esse clique, essa mudança de percepção. Está se abrindo um espaço de sororidade e protagonismo feminino. Sou uma mulher que dirige, que produz. Tenho amigas que escrevem, publicam suas obras, e outras que são empreendedoras. Quando posso, consumo delas e elas me conhecem por isso. Sou chamada a estar junto por que me movimento nesse sentido. Tenho uma rede de apoio, e minha personagem também tem isso, na novela. Trata-se de um suporte real para mim”.

A gente se fortalece muito quando se reconhece no outro. Tenho homens incríveis em minha vida, mas nada é maior que a potência em ter mulheres em minha rede de apoio. Quando a gente se conecta e se olha, tudo faz sentido. Isso é muito poderoso e transformador, a contrario do que nos foi “ensinado” pelo patriarcado – Louise Clós

Quando iniciou sua carreira, em Santa Maria (RS), a loura encarou o desafio produzir, dirigir, conduzir, às expensas de sua juventude e gênero, o que a fez ser questionada a todo tempo – queixa comum entre as mulheres. “É duro ser mulher e estar num papel de liderança. Estive à frente de grandes equipes, e especialmente compostas por homens mais velhos, o que me exigiu uma postura e posicionamento firmes, além de um certo tempo para conquistar a confiança dessas pessoas. Por inúmeras vezes temos que provar ter talento ou habilidades, especialmente por sermos mulheres. Reconheço que há outras moças que têm outras camadas de dificuldades, mas passam pela mesma estrutura de poder. Estamos acostumadas a ter homens nos lugares de comando”.

Quando fala do protagonismo feminino, a artista, despretensiosamente, remete a uma de suas personagens. A imperatriz Amélia de Leuchtenberg (1812-1873), segunda esposa de Dom Pedro II, mulher totalmente invisibilizada pela História. Louise deu vida a esta personagem histórica na série “Brasil Imperial“, da Amazon Prime e que foi exibida pela TV Brasil no ano passado. “Foi muito incrível ter feito esse personagem. Não havia muitas referências sobre ela e nunca tinha ouvido falar em materiais bibliográficos sobre Dona Amélia. “Fui buscar o possível de material que há. E existe um livro, apenas. Trata-se de uma mulher invisibilizada na História. Ninguém queria vir para o Brasil casar com D. Pedro II (1825-1891). Foi um ato de bravura e ela assume algumas coisas e estabelece alguns limites nesta relação. Dizia-se que ela era ‘bela e virtuosa'”.

Louise Clós foi Imperatriz D. Amélia: “Dizem que eu tenho um ‘rosto de época'” (Foto: Divulgação)

MIRANDO LA HERMOSURA

Para aprender a ir à frente, caminhamos através dos vales verdes. Vemos sua beleza, e com isso, não desistimos“. Essa é a tradução livre de uma poesia das mais importantes poetas mexicanas, Rosario Castellanos (1925-1974), quase desconhecida no Brasil. No meado da década passada, Louise passou uma temporada de estudos no México, onde, através de uma iniciativa pública, uma parceria entre a sua Universidade, a Federal de Santa Maria (UFSM-RS) e a BUAP – Universidad Autônoma de Puebla, no país norte-americano. Conta-nos Lou que há um traço invisível que une brasileiros e mexicanos: “O que nos une como latinos é o tratamento humano, o acolhimento. Mas também há problemas em comum, como as questões sociais e políticas. Creio, também, que o México é muito oprimido pelos Estados Unidos”, discorre. A artista ficaria naquele país por quatro meses e acabou ficando um ano. Seu sonho é desbravar mais aquele país e os outros da América Latina.

Todo o amor carrega o medo de quebrar-se. Louça fina, o mármore do seu olhar, azul, define o que mais a emociona: “Olhar a mim. Escutar e respeitar minha essência. Olhar para dentro e ver a mim plena e feliz”. Ante a tantas vozes femininas nesta reportagem, finalizamos com outra, Sueli Costa (1943-2023). Famosa compositora, sombreada pela voz das intérpretes que gravaram suas letras, Sueli parece letrar para Clós quando, diante da identidade que existe na sensibilidade diz: “Que deu a ti de presente esse palco, a pôs nesse céu, como fosse uma santa. E pede, bem baixinho: meu bem, minha irmã, minha mãe, minha filha… Canta!”