*Por Vítor Antunes
Sempre quando querem lançar novos desafios em suas carreiras os atores lançam mão da forma inglesa de referir-se à atuação. Em inglês, atuar é “To Play”, que entre outras possibilidades de tradução poderia ser, também, “brincar”. Talvez motivado por esta frase, Sidney Sampaio resolveu dar uma pausa nos trabalhos em teledramaturgia e “brincar de novos prazeres” na grande e plural vida de artista. A mais recente empreitada é a série “Sobrevivendo no Inferno”, que ele já está gravando. No projeto seriado, o ator vive um policial corrupto que ao ser expulso da corporação implanta uma milícia numa comunidade carioca. É sob a égide deste profundo realismo que será pautado o trabalho, que revela-se como algo bem disruptivo na carreira de Sidney, recorrentemente escalado para bons-moços e príncipes. “Trata-se de um projeto que é super interessante pelo formato bem realista não apenas a ascensão das milícias, mas por revelar a realidade carcerária feminina”. Sidney também revela querer lançar-se em outros mil desafios.
Honestamente, acredito precisar dar um tempo de novelas. Sou muito grato ao formato no qual trabalhei por 20 anos, mas a gente precisa se desafiar um pouco e ir por outros caminhos. É o que estou tentando fazer – Sidney Sampaio
ANJO MAU
Príncipes e mocinhos estão guardados para sempre nas memórias. Em um dos trabalhos mais recentes de Sidney Sampaio, ele foi o profeta Josué, em “Os Dez Mandamentos”. Fora também o doce Felipe de “Alma Gêmea”, filho do protagonista Rafael (Eduardo Moscovis). O rosto angelical do ator agora dará vez ao controverso Ryan, na série “Sobrevivendo no Inferno”: “É superbacana quando a gente pode fazer essa ruptura. Tentam rotular o nosso trabalho na televisão nessa esfera de mocinho, de príncipe e o ator quer diversificar, mostrar que é múltiplo, se desafiar, sair da zona de conforto. Vai ser ótimo interpretar essa pessoa sem caráter e escrúpulos, fria, ambiciosa”.
Aproveitando-se que as gravações estão em seu princípio, Sampaio diz estar frequentando alguns lugares na Baixada Fluminense para entender as dificuldades e as razões que podem fazer algumas pessoas a fazer escolhas questionáveis. “Quanto à preparação, eu estou me jogando nos laboratórios, tentando mergulhar em formas de dar um toque pessoal e colocar tudo isso em cena com o auxílio dos diretores e coachings”. O artista prossegue dizendo já haver feito “delegados e bandidos, mas que este talvez seja o seu primeiro grande vilão. “Talvez seja a empreitada que mais vá exigir de mim como ator. Trata-se de um trabalho que, de certa forma, é diferente de tudo que eu já fiz. Uma de mostrar meu trabalho sob outro matiz, um outro Sidney, numa outra tela”, pontua.
Diante de um tema profundamente delicado, que é o avanço de grupos paramilitares em espaços que deveriam ser ocupados pelo Estado, Sampaio salienta que “se há o aumento das milícias isso indica ausência do Estado. Simboliza haver uma lacuna de presença oficial. Se o Estado estivesse ali de forma presente e não corrompida, atendendo a população, os moradores das comunidades não se sentiriam desprotegidos. Às vezes parece que a população está tão desamparada que a chegada desses grupos paralelos se instalam com facilidade. Algumas pessoas preferem se apoiar naquilo que se assemelha a algum tipo hipotético de segurança e, inclusive, pagam por isso, que depois revela-se como algo não amistoso e impositivo. Ainda que haja esse nome, milícia, não deixa de ser uma organização criminosa, que se expande pela política e outras oficialidades. É algo pelo qual devemos refletir tanto sobre o alcance que tiveram e até onde podem chegar”, analisa.
DETENTAS
Além de discutir a realidade das comunidades cariocas que são regidas por milícia, a série também se proporá a mergulhar na realidade do sistema carcerário feminino. Conta a história de Luana (Claudia Melo), que é presa por conta de um crime passional e passa pelos dissabores de uma casa de detenção voltadas para mulheres.
Um artigo escrito pela advogada Victoria Santos e abrigado no site JusBrasil, relata que o direito à visita íntima foi regulamentado em 1999 e conferia-o a ambos os sexos, mas “as presidiárias somente tiveram acesso às visitas íntimas em 2002 graças às pressões de grupos defensores dos Direitos da Mulher”. Segundo o Infopen Mulheres, relatório lançado em 2018 pelo Depen, Departamento Penitenciário Nacional, com dados referentes a 2015 e 2016, a população carcerária feminina é a quarta maior do mundo em números absolutos. Em 2015, eram 42 mil mulheres em detenção. Ainda segundo este estudo, o Brasil é o que apresentou um crescimento significativo de mulheres detidas, quando comparado com a Rússia, por exemplo.
Ainda segundo o mesmo estudo, quando comparamos com o número de detentas com o de homens, eles são 665 mil e elas 42 mil. Por estarem menor número lhes são tirados alguns direitos, como o do pré-natal à gravidez. No livro “Presos que menstruam: a situação das mulheres nas prisões brasileiras” – intencionalmente intitulado no masculino, a jornalista Nana Queiroz comenta, segundo reportagem da Rádio Câmara, que quando as mulheres “dão à luz, em muitas vezes, a comida é reduzida, para que ela seque o leite e desfaça da criança mais rápido. Isso sem contar as mulheres trans ou as lésbicas, que se flagradas de mãos dadas ganham 30 dias de tranca. Há ainda aquelas que são transferidas para outro presídio sem o conhecimento da família”.
A atriz Angel Montteiro, que vive a diretora do presídio da ficção diz que o seu principal laboratório foi “através de uma visita à Penitenciária Talavera Bruce, onde estive com a diretora do espaço, Gleice Ferraz, que contou-nos a dinâmica de funcionamento do lugar e a relação com as apenadas, e algumas delas nos contaram o que as motivou a estar ali”. A série está sendo gravada no antigo presídio, atual Museu Penitenciário, da Frei Caneca no bairro do Estácio, região central do Rio.
A série promete misturar atores veteranos, como Sidney, a outros novatos, ex-detentas e não-atores. É o que ele explica: “Trata-se de um elenco misto. Há, inclusive, pessoas oriundas de comunidades e que estão investindo na carreira de atriz. Já estive com uma atriz que trabalha, em paralelo, como empregada doméstica. Trata-se de um set muito plural”.
Às vezes o audiovisual é muito fechado, um nicho, restrito às panelas. É bacana ver projetos que trazem esse tipo de ideia de misturar atores conhecidos com gente que não é, originalmente, ator – Sidney Sampaio
A fala de Sidney é apoiada por outra atriz, Anne Caroline, cuja carreira está projetando-se “Acho interessante a proposta da Rayssa de Castro [roteirista e diretora do projeto] em lançar atrizes que, embora sejam talentosas, não são vistas. É uma grande oportunidade para essas meninas”, diz Caroline, que também é produtora da série.
CARAS, BOCAS, SORRISOS E LÉO
Pouco antes da pandemia, Sidney Sampaio gravou com Antônia Morais o filme “A Força de um Sorriso”. O longa, disponível gratuitamente no YouTube, conta a história de Carla Sarni e Cleber Soares, casal que fundaria uma famosa e popular rede de clínicas de atendimentos odontológicos. Sobre o filme e a parceria com Antonia ele diz que foi “um privilégio. Antonia é uma querida e o filme me tirou um pouco dessa imagem que a TV propõe”. No longa, Sidney rompeu com a imagem idealizada que lhe foi atribuída e gravou-o careca.
Entre alguns trabalhos na televisão, um dos que merece destaque é o Benjamin, de “Caras e Bocas”. Neste folhetim de Walcyr Carrasco, o ator viveu um judeu ortodoxo e o seu trabalho repercutiu muito positivamente, em especial junto à comunidade judaica. “Tive que mergulhar no universo do judaísmo e essa relação foi muito bacana. Eles me acolheram muito bem, me orientavam, sentiram-se seguros de que estávamos os representando bem e de maneira correta. Tenho muita gratidão a este papel”.
Entre tantos papéis, talvez o mais importante da vida de Sidney esteja, não nos palcos, sets ou estúdios. É ser o pai de Léo: “A paternidade veio para me trazer uma reflexão grande, algo de querer evoluir todos os dias. O mais legal é que eu não sou apenas eu mais. Não tomo mais decisões exclusivamente por mim. Tudo é pensado por conta de ter uma vida compartilhada. Meu filho me ensina todos os dias e me traz muita força para batalhar, vencer e ser melhor. A paternidade é uma celebração”.
Sidney Sampaio, o menino que nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Lucélia, tornou-se um pai que se vê na urgência da vida, diante do mundo que não cansa de mudar e de um herdeiro que não para de crescer. Nada para. O mundo muda todos os dias. Mas o amor é a única certeza de que é não algo que não muda. Ele se transforma. E por ser amor, invade… e fim.
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