Fazer do dom o ofício de uma vida inteira é um dos propósitos cumpridos com sucesso por Lima Duarte. São 70 anos de carreira como ator, o mesmo tempo que a telenovela brasileira tem de vida, e ele se prepara para estrear sua 61ª novela na Globo, ‘Além da Ilusão‘. “Estou trancado no meu sítio há dois anos. Acho que tudo mudou depois da pandemia. Com este governo, este presidente, que é uma lástima. Dizimou a cultura, nos dizimou a todos. A cultura e a produção cultural brasileira ficaram totalmente marginalizadas e isso é muito triste”, refletiu o ator em seu Instagram.
“Posso dizer que o homem que se isolou neste sítio antes da pandemia é um e, o de agora, é outro. Mais amargo, mais maduro e mais duro também. É terrível tudo que aconteceu e não fazemos outra coisa senão pensar no que ainda está nos acontecendo. E os dois trabalhos que fiz agora são mais ou menos a soma de todo meu sentimento em relação a tudo isso. Por isso, eu chamo a atenção para ‘Aruanas‘ (disponível na Globoplay) e para a próxima novela das seis, em que vou contracenar com a minha neta e minha bisneta”, salienta Lima, referindo-se à Paloma e Clara Duarte.
Além disso, faz questão de celebrar, do alto dos seus bem vividos 91 anos: “Vivo isso hoje, eu que fiz a primeira telenovela da América Latina, em 1951, ‘Sua Vida me Pertence‘. Fiz o primeiro bandido, primeiro vilão da história das novelas. Esses 70 anos passaram como um sopro. E eu mesmo ainda não sabia que a minha vida também pertenceria às novelas, como no título da primeira que fiz”.
Na trama que vai substituir ‘Nos Tempos do Imperador‘, o ator dá vida a Afonso Camargo, que vive em um antigo e decadente engenho de açúcar, em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro. Recentemente homenageado no especial ‘70 anos esta noite‘ sobre a história das telenovelas, ele comemorou mais um trabalho e a longa jornada. “São 91 anos muito bem vividos! Foram tantos momentos, histórias e personagens que moldaram o que eu sou. Thomas Mann (1875-1955), escritor alemão, Prêmio Nobel de Literatura de 1929) diz que vivemos duas vidas. Uma é essa objetiva: nasceu, amou, trabalhou, morreu. A outra é a memória, que é a mais longa. Ultimamente, tenho vivido muito na memória, lembrando da minha jornada no teatro, TV e cinema, minha infância, minha mãe, lembranças e lembranças. Com 91 anos, a minha vida já está acabando, mas a memória vai persistir”.
Em nosso imaginário para sempre por conta de trabalhos como ‘O Bem-Amado’, ‘Roque Santeiro’, ‘O Salvador da Pátria’, ‘Meu Bem, Meu Mal’, ‘A Próxima Vítima‘, ‘Da Cor do Pecado’ e ‘O Outro Lado do Paraíso’, sua última novela em 2018, Lima também fala do papel na segunda temporada da série ‘Aruanas‘. “Eu dou vida ao Mauro, um cidadão que protesta em praça pública, com grande repercussão na cidade fictícia de Arapós. O ato servirá de ponto de partida para as investigações da ONG da trama. É uma série forte, muito boa”, afirma, sobre o trabalho que foi seu primeiro, ainda durante a pandemia e pós vacina. “Fiquei muito feliz pelo tipo de personagem e pelo diretor (André Felipe Binder) ter exigido que fosse eu a interpretar o papel, que é fundamental para a série, cada movimento seu e reação é um protesto”.
Desde o início da pandemia o ator vive em seu sítio no interior de São Paulo, em meio aos livros, filmes, séries e memórias. Lima foi casado quatro vezes e teve quatro filhos – com Marisa Sanchez, ele criou Débora, fruto de um relacionamento anterior dela, e teve ainda Monica. Já com Mara Martins, ele é pai de Pedro e Julia. Avó e bisavô, ele contou que os netos foram os responsáveis para experimentasse seu lado ‘influenciador’, nas redes sociais. No espaço, o artista costuma compartilhar lembranças da vida e da carreira, dicas de leitura e do audiovisual, pensamentos e posicionamentos. “Aprendi a mexer com os botões. É difícil, no meu tempo não tinham tantos, só mesmo a alma e as coisas do coração”, observou. “Não ligo muito para o virtual. Sou um velho diante dele. Compreendo e acho graça em muitas coisas, acho interessante muitas novidades, mas sobre tudo tenho um imenso pavor do virtual. Do mundo que ele está construindo, desenhando”.
Em ‘Além da Ilusão’, criada e escrita por Alessandra Poggi com direção de Luiz Henrique Rios, Lima Duarte promete mais uma vez emocionar o público, e viver uma primeira experiência após sete décadas de ofício, ao contracenar com Paloma e Clara Duarte. O ator postou há pouco tempo um registro da harmonia e da ‘bagunça’ quando se reúnem. E, se na vida vai tudo bem em família, na ficção não será bem assim. Afonso, seu personagem, obrigou a filha Heloisa (Clara Duarte/Paloma Duarte) a entregar sua bebê para adoção, já que ela engravidou solteira. Isso a tornou uma mulher amargurada e desiludida, com uma relação difícil com o pai. Bem-humorado, Lima mandou um recado para Paloma, que havia dito que “pegaria o avô em cena”, nas gravações da trama, que já foram concluídas: “Me pega em cena, né, Paloma? Então eu te digo: Pode vir quente que eu estou fervendo!”. É aguardarmos a estreia para assistirmos mais essa versão do ator.
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