Letícia Colin brilha em série como médica viciada em crack e diz sobre vida real: ‘Me apoio na psicanálise e arte’


Em papo exclusivo e aberto, a atriz fala do seu trabalho em “Onde Está Meu Coração”, da imersão nos personagens, da questão de saúde pública em torno da dependência química. E também da maternidade exercida na vida real, com o pequeno Uri, de 1 ano, e faz um balanço da vivência de mais de um ano de pandemia: “Me sinto triste, silenciosa, esquisita, revoltada com o Governo Federal, com a lentidão da vacinação, com a falta de medicação para intubação, de cara que o presidente não esteja preso. De luto por muitos. Com um buraco eterno do Paulo Gustavo. Estou muito fã do meu filho, me apoio nele, me apoio na psicanálise. E na arte”

*Por Brunna Condini

Letícia Colin é cuidadosa nas respostas desta entrevista exclusiva. Não por receio de se posicionar diante das perguntas, mas por respeito a cada um dos temas. No ar, na ótima série ‘Onde está meu Coração ‘, da Globoplay, como a médica Amanda – que têm em sua travessia a adicção em crack -, a atriz impressiona. Aliás, como tem impressionado em suas performances. Letícia está vibrante, doída e comunica sua história na trama de forma avassaladora. Não dá para tirar os olhos dela. Com 21 anos de carreira e cada vez mais dona dos seus processos no ofício, a atriz pega nossa mão e nos guia mar adentro do universo de sofrimento e redenção da médica.
Em 'Onde está meu Coração ' como a médica Amanda, que têm em sua travessia a adicção (Divulgação)

Em ‘Onde está meu Coração ‘ como a médica Amanda, que têm em sua travessia a adicção (Divulgação)

Mas engana-se quem acredita que, pela densidade do papel, a atriz o elege como o ‘mais mais’ em sua carreira, embora esteja celebrando o resultado da obra dirigida (impecavelmente) por Luísa Lima. “Fico imersa no universo das minhas personagens. Do jeito de falar ao coração. A Amanda não é uma personagem mais especial que as outras por ser adicta. Acho que é disso também que a série fala: de não sublinhar a dependência química como algo que mereça um olhar de penalização. Ou de um escanteio, uma marginalização. Não é um problema apartado da sociedade, pior que os outros. É um problema de saúde tal qual outra doença”, esclarece.

E acrescenta: “A arte tem um pouco dessa simbiose entre o criador e a obra. As personagens que interpreto viram minhas amigas. Vem para me ajudar a transformar aspectos na minha vida. Me ajudam a melhorar com mulher, cidadã, mãe. E revelar questões do humano que, às vezes, são terríveis e desagradáveis. Outras maravilhosas, deslumbrantes. Adoro a frase: ‘nada do que é humano me é indiferente’. É uma frase linda, potente”.
Leticia Colin fala sobre o ofício: “Fico imersa no universo dos meus personagens. Do jeito de falar ao coração" (Reprodução Instagram)

Leticia Colin fala sobre o ofício: “Fico imersa no universo dos meus personagens. Do jeito de falar ao coração” (Reprodução Instagram)

Sua personagem é uma médica que lida diariamente com a pressão da profissão. O papel dos profissionais de saúde tem sido mais importante do que nunca nesta pandemia. Durante sua preparação, o que a tocou mais na rotina de trabalho dos médicos e enfermeiros? “O confinamento de horas dentro do hospital. São muitas horas de plantão, dentro do ambiente fechado, frio, sem saber se está de manhã ou de noite lá fora. É uma dedicação total. É belíssimo e muito estressante … É muito, muito intenso. Por isso, o SUS (Sistema Único de Saúde) tem que ser exaltado! E os profissionais como enfermeiros e técnicos precisam ser melhor remunerados”.
Questão de saúde
Na trama escrita por George Moura e Sergio Goldenberg, ela mergulha nos dramas de uma família diante da dependência química e comenta a questão: “É um problema antigo, comum, que atinge todas as famílias. É muito difícil alguém não ter uma história sofrida, doída, com alguém próximo para contar. É um problema que merece respeito. Precisamos avançar neste diálogo da política de drogas, do tratamento do dependente químico. Neste olhar para ele. Abaixar esse dedo apontando de julgamento, do preconceito, da hipocrisia, da moral e tratar como uma questão de saúde. E o dependente não adoece sozinho, a luta é coletiva da família para que esse tratamento avance. Na verdade todo mundo precisaria ser tratado, apoiado, a situação fragiliza a todos”.
“Vivemos em uma sociedade em que a droga frequenta os lugares. Sabemos muito bem disso e isso é maquiado" (Foto: Michel Melamed)

“Vivemos em uma sociedade em que a droga frequenta os lugares. Sabemos muito bem disso e isso é maquiado” (Foto: Michel Melamed)

A atriz fala sobre a urgência do debate e da necessidade de progresso nas políticas públicas para enfrentamento do problema de forma humana. “Vivemos em uma sociedade em que a droga frequenta os lugares. Sabemos muito bem disso e isso é maquiado. Lidamos com o cigarro e o álcool de um jeito legalizado, mas eles são porta de entrada, muitas vezes, para outras substâncias. Há muitas discussões pertinentes a respeito e elementos que estão normatizados pela sociedade. Fora isso, tem o nível de cobrança, de produtividade da contemporaneidade. A Amanda é uma mulher que sofre com isso também: se cobra muito, quer dar conta de tudo. É um retrato contemporâneo do que colocamos como prioridade em nossas vidas e, como não damos conta, isso colapsa. Acho que é por isso que a série tem sido tão vista, ela ecoa dentro das pessoas”.

"É nesta tentativa de falar, que conseguimos colocar para fora nossas dores. Porque vamos fazendo conexão com o outro, descobrindo que ele pode pensar parecido, que sente como a gente" (Foto: Michel Melamed)

“É nesta tentativa de falar, que conseguimos colocar para fora nossas dores. Porque vamos fazendo conexão com o outro, descobrindo que ele pode pensar parecido, que sente como a gente” (Foto: Michel Melamed)

Questão de não retroceder

Ela exalta ainda o trabalho de organizações, como o Narcóticos Anônimos . “O que me tocou nas sessões do NA em que estive foi o método, a base utilizada – o mesmo que me encanta na psicanálise há tantos anos – , que é a cura através da palavra. Me fascina. E me leva ao trabalho de atriz, que é essa tentativa de comunicar sentimentos. “É nesta tentativa de falar, que conseguimos expressar nossas dores e alinhar as angústias. Vamos nos sentindo mais leves no processo. A palavra como cura me emociona. Acredito nesta cura através das partilhas, da fala e da escuta. O NA vem transformando famílias e vidas há muitos anos. Ele é uma pérola da nossa sociedade, tem que ser exaltado, divulgado e é um lugar seguro, de continuidade, que não fecha suas portas. E é um sistema totalmente gratuito! Não ligado a qualquer crença ou religião”.

E completa com uma análise sobre a situação das medidas na área: “Neste momento, o mais importante é parar o retrocesso, que está sendo muito cruel com todo sistema de saúde com atenção à pessoa com doença mental e também ao tratamento de drogas, álcool e tabagismo. Todo o avanço que se conseguiu desde a redemocratização para cá está sofrendo um desmonte horrível e isso é um alerta vermelho de que algo precisa ser feito nesta direção. Estamos falando de retomada dos manicômios, de comunidades terapêuticas onde se sabe que as pessoas ficam presas, amarradas, sofrem violências, são dopadas. Tudo isso por conta de um medo, ignorância, posicionamento autoritário, violento, que é o que a gente tem visto no Brasil em diversos setores, na cultura, na saúde, neste movimento todo anticientífico. E isso vem acontecendo de forma crucial com os tratamentos destes pacientes: não se respeita o ser humano que está em sofrimento com essa doença, então se trancafia, se aparta ele da sociedade. E há tratamento com comprovação científica voltado para esta reinserção social”.

"A palavra como cura me emociona. Acredito nesta cura através das partilhas, da fala e escuta" (Reprodução Instagram)

“A palavra como cura me emociona. Acredito nesta cura através das partilhas, da fala e escuta” (Reprodução Instagram)

Para viver o maior amor na pandemia

Em mais uma performance que promete, Leticia estreia em junho na quinta temporada da série ‘Sessão de Terapia’, como Manu, uma mãe no puerpério, uma das pacientes do Caio (Selton Mello). E para isso, ela tem lugar de fala de sobra. E na pandemia. O que têm feito para lidar com a angustia e a ansiedade? “Ser mãe ocupa muito de mim e da angústia, e isso é muito bom. Agora o centro é meu e do Uri (de 1 ano). E, na real, o tempo é mais dele do que meu, mas estou atenta para não me abandonar e tenho me autocuidado. Voltei a fazer pilates online e fisioterapia, ferramentas que me ajudam a respirar. Nunca parei a análise, uma ferramenta fundamental”, conta.

“Ser mãe ocupa muito de mim e da angústia, e isso é muito bom. Agora o centro é meu e do Uri" (Reprodução Instagram)

“Ser mãe ocupa muito de mim e da angústia, e isso é muito bom. Agora o centro é meu e do Uri” (Reprodução Instagram)

Ela tem compartilhado suas experiências da maternidade, de forma realista, mas sem perder a ternura, no Instagram, através do seu ‘Diário de Mãe’: “Tem sido uma delícia! A gente se expande dividindo. Todo mundo passa por dificuldades. Criar um filho é desafiador! Precisamos desabafar, rir de nós mesmas e pedir ajuda. Isso deixa a caminhada mais leve”.

Já teve vontade de dividir alguma experiência e declinou por medo do julgamento? “Já tive medo de falar que usei e uso fórmula, mesmo amamentando no peito, mas cada mãe sabe do seu processo, do seu desafio, do seu limite. Maternidade é muito pessoal. Tem que ter liberdade e respeito. Leite materno é milagre, é fundamental, mas saúde da mãe e do filho também. Só os dois sabem como esse ajuste fino vai se dar. Cabe aos dois encontrar esse caminho, com o máximo de informação e acolhimento da pediatra, da família e da sociedade. A maternidade a cada dia me traz sensações lindas é desafiadoras! E sinto que será assim para sempre, ainda bem”.

Como tem passado este mais de um ano de pandemia? “Triste, silenciosa, esquisita, revoltada com o Governo Federal, com a lentidão da vacinação, com a falta de medicação para intubação, de cara que o presidente não esteja preso. De Luto por muitos. Com um buraco eterno do Paulo Gustavo. Estou muito fã do meu filho, me apoio nele, me apoio na psicanálise. E na arte. Na Clarice (Lispector). No cinema, vendo “We are who we are”. Converso todos os dias com meu grande amigo Pablo Sanabio, ele me ajuda a continuar caminhando. Choramos juntos e isso nos deixa mais humanos e fortes. Só assim é possível seguir. Com amor”.

“Me sinto triste, silenciosa, esquisita, revoltada com o Governo Federal, com a lentidão da vacinação. Só é possível continuar com amor" (Reprodução Instagram)

“Me sinto triste, silenciosa, esquisita, revoltada com o Governo Federal, com a lentidão da vacinação. Só é possível continuar com amor” (Reprodução Instagram)