Leopoldo Pacheco está na reprise de novela icônica, fala dos direitos de imagem, e, em peça, aborda mediocridade humana


“É preciso, de alguma maneira, chegar num lugar comum a todos, que seja interessante aos atores, produtores e para as empresas. Até agora não houve uma conversa com relação à novela. Não recebemos nada”, diz Leopoldo Pacheco sobre a questão dos direitos conexos. Ator consagrado da teledramaturgia, revive o vilão Leôncio na versão de 2004 de “A Escrava Isaura”, que está no ar novamente. Além da TV, ele poderá ser visto na série “Sutura”, do Prime Video, que estreia em novembro, e no longa “A Prisioneira” No teatro, atua na peça “Sangue”,que busca debater a mediocridade humana, a maneira como lidamos com o espólio de pessoas famosas e a missão de ser ator

*por Vítor Antunes

Ele se fez conhecido dando vida a um dos personagens mais icônicos da literatura brasileira. Em outubro de 2004, há 20 anos, portanto, Leopoldo Pacheco interpretou Leôncio de “A Escrava Isaura“, novela de Tiago Santiago, inspirada no original homônimo de Bernardo Guimarães (1825-1884). Neste momento, “A Escrava Isaura” da Record encontra mais uma das suas trocentas reprises, tendo um canal fast só para si. Porém, a novela como outros projetos exibidos tanto na Globo como na Record têm sido alvos de uma grita entre os artistas em razão de um não pagamento de direitos de imagem, do qual Leopoldo é um deles. “Há essa questão do direito conexo, do direito de receber, então eu acho que a gente está lutando muito por esse direito nosso”.

É preciso, de alguma maneira, chegar num lugar comum a todos, que seja interessante aos atores, produtores e para as empresas. Até agora não houve uma conversa com relação à novela –  Leopoldo Pacheco

Leopoldo poderá ser visto na série “Sutura“, do Prime Video, que estreia em novembro. Ele também está no elenco do longa “A Prisioneira“, dirigido por Francisco Ramalho. Recentemente, Leopoldo participou de um festival de teatro na Colômbia com o espetáculo “Sueño“, originalmente concebido para espaços externos, mas adaptado para o palco tradicional.

Entre os dias 11 de outubro e 10 de novembro, no Centro Cultural Banco do Brasil, Leopoldo Pacheco estará em cartaz com a peça “Sangue“, dirigida por Kiko Marques. A montagem busca debater a mediocridade humana, a maneira como lidamos com o espólio de pessoas famosas e a missão de ser ator. Esse, aliás, é o enredo da peça. “Tenho uma curiosidade no teatro, em encontrar coisas que o tornem interessante. O Kiko já tinha interesse em me ter no elenco de sua montagem. Foi uma coincidência, uma conjunção muito feliz. Além de ser um texto muito instigante, que fala sobre a profissão de ator e as complexas relações que temos no teatro — as dificuldades de produção e de levar um trabalho adiante”, comenta Leopoldo. A peça explora a metalinguagem e aborda a montagem de um texto de um autor francês que é proibida, com todos os obstáculos que essa situação traz.

Diferentemente de muitos artistas, mantém seu Instagram de forma restrita, reservado apenas para pessoas próximas. Ele não busca milhões de seguidores, preferindo usar a plataforma como um espaço íntimo de comunicação. “Tudo é um pouco geracional, a meu ver. Eu não tenho facilidade com tecnologia. Não uso computador, só tenho um celular. Eu gosto muito do Instagram, porque você se comunica rapidamente com uma imagem, e eu sou muito visual, estético, ligado às artes clássicas, já que venho da cenografia e do figurino. Acho que meu Instagram é algo pessoal; conheço todo mundo que está lá. Converso com essas pessoas sobre os trabalhos que estou realizando. Nunca tive interesse em abrir meu Instagram para o público em geral, e nunca houve uma cobrança nesse sentido. Me sinto muito respeitado”, reflete Leopoldo.

Leopoldo Pacheco em cartaz em “Sangue” (Foto: Heloisa Moritz)

TIRE MINHAS BOTAS!

O ator tem uma trajetória marcante na teledramaturgia brasileira, por também haver eternizado Leôncio, um dos personagens mais icônicos de nossa ficção. O vilão da novela “A Escrava Isaura”, tanto na primeira versão da Globo, em 1976, quanto na segunda, da Record, em 2004, tornou-se um símbolo do entrelaçamento entre maldade, sedução e uma crueldade com toques de sadismo. Em 2004, Leopoldo assumiu o papel que havia sido imortalizado por Rubens de Falco (1931-2008), e o encontro entre os dois intérpretes de Leôncio foi tão histórico quanto a própria novela.

Leopoldo relembra com carinho que, na nova versão, Rubens interpretou o pai de Leôncio: “Tive o prazer de estar com o Rubens de Falco, que era o antigo Leôncio e que, na nova versão, era o pai dele. Então, assim, eu descobri muito do ofício da televisão ali, fazendo ‘A Escrava Isaura‘, essa história tão forte com esse personagem que tinha sido tão icônico. Foi muito gostoso fazer a novela, bem como esse encontro com o Rubens. Tínhamos uma relação muito curiosa. Ele era muito doce, e a gente acabou ficando muito amigo. Normalmente, gravávamos e depois conversávamos sobre tudo. Ele nunca me disse como eu deveria fazer o personagem. A única coisa que ele me falou antes de começarmos a gravar foi: ‘não tenha medo de ser ruim e seja muito sedutor’. Ele tinha muito orgulho de mim, da maneira como eu estava interpretando. Gostava. A gente acabou ficando amigo. Foi uma grande perda. Ele tinha uma elegância inglesa.”

Rubens de Falco e Leopoldo PAcheco em “A Escrava Isaura” (Foto: Reprodução/Record)

Sobre como foi chamado para interpretar Leôncio, Leopoldo revela um encontro marcante: “Eu acho que esses encontros acontecem na vida. Eu lembro de estar sentado, e o Herval [Rossano] me chamou para conversar. Eu tinha feito meu primeiro trabalho completo, um personagem do começo ao fim, que foi em ‘Um Só Coração’. E ele me chamou para conversar lá na Record. Eu estava um pouco sem saber o que esperar, estudando tudo, e, no fim, ele perguntou: ‘Você gostaria de fazer um homem mau?’ E foi assim que fui chamado para fazer o Leôncio.”

A trajetória de Leopoldo Pacheco no teatro e na televisão é marcada por desafios, especialmente no que se refere à obtenção dos direitos para montar textos teatrais. Ele comenta sobre as dificuldades enfrentadas pelas produções teatrais, mas observa uma abertura maior nos últimos tempos: “Eu acredito que sim. Mesmo com todas as dificuldades que tivemos nos últimos tempos, em produzir e fazer espetáculos teatrais, as artes de uma maneira geral, o teatro brasileiro é muito forte, muito vivo. Acho que isso movimenta muitas pessoas a quererem que as coisas sejam voltadas ao Brasil. Hoje em dia, temos mais acesso a textos de grandes autores americanos e ingleses. Tudo está muito mais acessível.”

Reflete  também sobre as diferenças geracionais entre atores e como a tecnologia impacta o ofício:

O celular e as redes sociais interferiram muito no nosso meio. Acho que os jovens têm poucas referências. Nosso trabalho é um exercício constante, de tablado, de repetição, que nos dá profundidade. O teatro é o grande aprendizado do ator, o que nos dá solidez. Ser ator é ter horas de voo. Acho que o advento da tecnologia interferiu muito nesse sentido – Leopoldo Pacheco

Leopoldo Pacheco e e elenco de “Sangue” (Foto: Heloisa Boritz)

Quando questionado sobre o espaço para atores mais maduros no audiovisual, Leopoldo compartilha sua visão com sabedoria: “As pessoas precisam de referências, precisam se inspirar em alguém, em um olhar, em uma maneira de ser. O bom da nossa idade é justamente a idade que temos. Quanto mais velho, melhor ficamos. Quanto mais velho é o ator, mais ele conhece, mais ele afina seu instrumento. Sinto falta disso”.

Acho que precisamos reconhecer nossos artistas de maneira humana. A idade só faz o ator e a atriz melhores. Precisamos valorizar isso para que os jovens que estão começando, saibam que muitos batalharam e abriram portas antes deles. Infelizmente, estamos vendo cada vez menos personagens mais velhos – Leopoldo Pacheco

Atualmente, Leopoldo está envolvido na peça “Sangue”, que desperta um sentimento profundo sobre o ofício de atuar e os desafios de se produzir teatro no Brasil. Ele descreve a obra com paixão: “Eu acho que ‘Sangue‘ tem esse lugar de dois extremos: uma profunda paixão pelo ofício e o quanto esse ofício é batalhado, duro, quase eterno. É quase contínuo, temos que lutar para o teatro existir e continuar acontecendo. Acho que ‘Sangue’ fala dessa necessidade e da dificuldade de levantar uma produção, quando tudo é contra – desde a estrutura política até as relações familiares – mas fala não só da dor, como também da delícia de fazer teatro.”