*por Vítor Antunes
Presença que era constante nas telas de TV desde 1990 – considerando que sua estreia foi um ano antes, num pequeníssimo personagem em Tieta –, Leonardo Brício está fora do ar desde 2012, quando viveu o protagonista de “Rei Davi”, minissérie bíblica de sucesso da Record. Com a reprise de “O Rei do Gado”, o ator retorna à TV Globo através do personagem Enrico Mezenga, pai de Bruno, que mais tarde seria interpretado por Antônio Fagundes. Em entrevista exclusiva, o ator relembra uma das inúmeras cenas inacreditáveis da TV dos Anos 1990: De quando, precisou fazer uma cena de violência sexual, e repeti-la três vezes, ao vivo no “Domingão do Faustão”, num concurso que objetivava revelar novas atrizes de TV. Ainda sobre a teledramaturgia diz sentir falta de “fazer uma boa novela. É um trabalho difícil, desgastante, mas eu gosto da recepção do público. Enquanto não as faço, estou no streaming”.
Além de retomar as gravações de “Arcanjo Renegado”, série de sucesso da Globoplay, que terá iniciada a produção de sua terceira temporada, e quiçá de sua quarta fase, que já está confirmada pela emissora, Leonardo diz que terá um 2023 produtivo depois de outro em que a pandemia ainda resfolegava. Prestes a completar 60 anos, o ator quer celebrar seu aniversário fazendo o Cavaleiro de Triste Figura, de Cervantes (1547-1616), “essa obra-prima que é o Dom Quixote”.
ENTRE “A TRISTE FIGURA” E O “HOMEM MAU”
Em 2022, Leonardo Brício esteve em cartaz com a montagem de “O Auto de João da Cruz”, peça do repertório da companhia que integra, a Omondé, escrita por Ariano Suassuna (1927-2014). Para o ano seguinte, planeja conciliar a remontagem desta peça com a de “Dom Quixote”, que estreará em março, na capital paulista, além de retomar as gravações de “Arcanjo Renegado”. Um trabalho de Brício que tem repercutido muito intensamente é aquele que interpreta em “Arcanjo Renegado”, o Coronel Gabriel, um homem perverso. Personagem este que surge por conta de uma série bíblica. O ator explica: “O autor da série, José Junior, queria que trabalhássemos juntos já há algum tempo. Ele era fã de “Rei Davi”, da RecordTV. Indicou-me para fazer “A Divisão”, uma série sua, mas não fui aprovado nos testes. Para “Arcanjo”, também fui indicado e aprovado para dois personagens: O Governador do Estado (que acabou sendo vivido por Bruno Padilha), e o Coronel Gabriel. Optaram pelo segundo, que não morreu na primeira temporada”.
Sobre a série do streaming, Leonardo acrescenta: “Foi um trabalho de preparação intensa. Não havia interpretado um militar. Tive de passar por uma preparação muito intensa para viver esse ex-comandante do BOPE (Batalhão de Operações Especiais, da Polícia do Rio), além de haver contado com o auxílio do porta-voz da Polícia Militar, Ivan Blaz”. O ator garante que, em razão do sucesso, irão filmar a terceira temporada da série e a quarta já está garantida. “A série tem um retorno muito imediato. As pessoas ficaram aguardando a segunda temporada, que demorou por conta da pandemia. É uma série muito real, trata de fatores da sociedade de forma muito verossímil. As pessoas se identificam muito. Tanto o André Godoy como o Heitor Dhalia, diretores, como as pessoas que foram entrando na equipe, encararam esse desafio”. Sobre o personagem , o Coronel Gabriel, define-o como sendo alguém de “uma energia muito negativa, um cara muito mau”.
A alta voltagem energética de um homem perverso como Gabriel revela-se como algo difícil. “É uma carga pesada. Eu tenho que trabalhar o oposto para não me contaminar com essa energia. Na segunda temporada, ele se revela mais malvado que na primeira, onde ele se mostra de forma mais ambígua, até que a coisa se radicaliza quando mata o governador. Ele é muito diferente de mim”, diz, sobre a estranheza de ver a si na série, ainda que houvesse interpretado vilões na televisão, como o Alexandre de “Porto dos Milagres”, ou o Ricardo de “Anjo Mau”. Este último, inclusive, foi mudando de perfil com o andamento da trama, o que desagradou seu intérprete. “Ele foi ficando bonzinho e eu fui ficando irritado, por que a meu ver ele teria que terminar a trama ao lado da Paula (Alessandra Negrini), a vilã”. À ótica de hoje, inclusive, Ricardo seria problematizado: Ele estupra a personagem de Taís Araújo, Vívian – numa trama das 18h – e depois de sua redenção, termina a novela com ela.
A cena de violência ganha, ainda, um contorno mais problemático. Na mesma época, num concurso para jovens atrizes no “Domingão do Faustão”, Carlos Manga (1928-2015), que era diretor de núcleo de “Anjo Mau” e do programa apresentado por Fausto Silva, escolheu justamente esta sequência para selecionar a melhor atriz a fazê-la. “Se já na novela foi algo difícil de fazer, depois, tive de repeti-la ao vivo, com público, à tarde, no “Domingão do Faustão”. Como eram três atrizes, foram três vezes. Não houve discussão sobre isso na época”, disse, ainda estupefato com a situação, mesmo decorridos quase 30 anos.
MISTÉRIOS DA MATURIDADE
Ainda que não imprima esta idade, “Leo” Brício completa 60 anos. Perguntamos a ele como lida com a idade, se o numeral, de alguma maneira, pesa-lhe. E ele disse que “sim, por mais que os 60 anos de hoje não sejam os mesmos daqueles que havia quando eu era criança. Já conversei com pessoas que são contemporâneas a mim e elas também estão vivendo essa angústia, essa sensação de estar muito mais perto da finitude. Ainda que eu seja uma pessoa muito saudável e não aparente essa idade”.
Recentemente, eu estava vendo TV e um repórter falou: ‘Faleceu de atropelamento um idoso de 63 anos’ e eu tomei um susto. Eu tenho um espírito muito moleque, um erê, uma criança em mim que me faz vestir de forma mais descontraído que me transmite essa energia mais jovial. Eu gosto de correr, de natureza, tenho muita energia (…) E nós vivemos em uma sociedade que trata a velhice como algo ruim. Não é igual no Japão, onde os idosos são sábios, deuses, reverenciados – Leonardo Brício
O fato de não aparentar a idade que tem, coloca o ator num limbo etário junto aos escaladores de elenco: Não é suficientemente jovem para viver um pai de família, nem suficientemente velho para viver um avô: “Eu estava torcendo para os meus cabelos brancos virem, e eles estão vindo aos poucos. Quem sabe eu ficando com a cabeça branquinha me chamem para fazer outros personagens?”.
O ator também diz lidar bem com os elogios nas redes sociais, e são vários. As pessoas exaltam sua beleza: “A gente tem que lidar com bem com elogio. Não tem por que encrencar com isso. As redes sociais são muito doidas: Uma foto sem camisa rende mil e tantas curtidas, ao passo que uma foto sobre um trabalho, muito menos. Os seguidores gostam de ver a gente exibir-se e eu não sou tão exibicionista assim, ainda que não seja caretão. O fato de eu estar bem é uma resposta a uma vida saudável que cultivei”, ressalta.
MEZENGA E SARDINHA
A novela “O Rei do Gado” vem sendo reexibida na Globo. A bem sucedida saga das famílias Berdinazzi e Mezenga tem em sua primeira fase, um grande reconhecimento de crítica e público. Tanto que para algumas regiões da Europa, este fragmento da trama foi vendido como minissérie. O grande esmero na realização é, para “Leo” algo definitivo: “Minha relação e meu trabalho com o Luiz Fernando Carvalho, o diretor, mudou a forma e a minha vida profissional. Inicialmente fizemos “Renascer”, em 1993, que foi algo bem rico na época e me conferiu algum prestígio na profissão, tanto que fui chamado por ele a fazer “O Rei do Gado”. Aquela primeira fase é impecável, mesmo para mim, que sou muito crítico com o meu trabalho. ”, diz ele, que foi chamado por Carvalho enquanto fazia “Péricles, o Príncipe de Tiro”, de Shakespeare, no teatro. O sucesso de “Rei do Gado” conferiu a ele um contrato mais longo, de sete anos com a Globo.
Sua última novela na Globo foi “Da Cor do Pecado”, de 2004, igualmente bem sucedida. Inclusive, o símbolo sonoro da família, o “Uh!”, foi uma sugestão dele. “A novela trata-se de um sucesso muito estrondoso do João Emanuel Carneiro. Quando começamos a ensaiar repeti o gesto que fazia na montagem de “Péricles, o príncipe de Tiro”. Isso acabou virando um símbolo dos personagens. Foi um trabalho bom”. Outro que destaca é “Rei Davi”, sua última montagem levada ao ar, esta produzida pela RecordTV. “Um trabalho muito difícil, insano, ao qual me dediquei até o fim. Muitas horas de caracterização e descaracterização, além das inúmeras cenas de batalhas. Uma dedicação exclusiva. A esta série deve-se o investimento da Record no gênero bíblico”, diz. A saída do ator da emissora foi ruidosa, valendo inclusive um processo movido por ele – e por outros atores – à antiga casa, do qual não obtiveram sucesso.
“AYU NDAEVEI”
A frase acima, escrita em guarani, foi utilizada pela TV Manchete para divulgar a minissérie “O Guarani”, e significa “Amor Impossível”. Escrita por Walcyr Carrasco e exibida em 1991, tendo Angélica como Ceci e Leonardo Brício como o indígena Peri, a minissérie era uma adaptação da clássica obra do Romantismo brasileiro. Possivelmente, hoje essa montagem encontraria problemas por trazer um branco incorporando o papel de um ator que poderia ser da mesma etnia que seu personagem. Segundo Brício, esta é “uma discussão louvável”, ainda que não existisse naquela época.
O ator relembra que entrou “em contato com a tribo guarani. Tenho ascendência indígena, ainda que meu rosto não seja tão semelhante ao deles, mas tenho em mim o gosto pela natureza, por exemplo”. Ele relata que a produção foi difícil, porque “houve uma crise alérgica oriunda decorrente de eu ter de me depilar inteiramente, além de queimaduras por conta do bronzeamento artificial para ter que tirar a marca de sunga. A luz incidiu no texto que eu estava decorando e me queimou a córnea, e ao dar um salto de uma árvore, afundei o calcanhar. Fora isso, tive que gravar cenas praticamente pelado, no frio, na cidade serrana de Sumidouro (RJ)”. Anos mais tarde, o intérprete esteve do outro lado da moeda, ao viver um bandeirante em “A Muralha”. Fala-nos ele que a grande diferença de Diogo, seu personagem, era seu humanismo, pois “defendia os índios, ia em busca do ouro, mas não da escravização do indígena”.
Antigamente havia duas TV’s no Rio, o que permitia um campo mais aberto. As TV’s estão muito fechadas e limitadas agora. Só a Globo está produzindo e nem mesmo a Record produz muitas coisas mais. Hoje vivemos uma outra realidade na qual temos que nos adequar – Leonardo Brício
Diante de tantas histórias escritas e vividas, perguntamos ao ator, que é canceriano, qual a sua grande paixão na vida. E ele disse: “Minha relação com as pessoas, com meus amigos. No momento eu não estou apaixonado por ninguém, mas eu adoro estar apaixonado. Amo, também, meu oficio, quando estou trabalhando. Além da consciência que a profissão não tem esse glamour”, finaliza.
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