Léo Batista: hobbies curiosos do jornalista esportivo eram colecionar Coca-Cola, vender enciclopédia e escrever poesia


Um dos maiores nomes do jornalismo esportivo brasileiro, Léo Batista deixou um legado inigualável e uma trajetória marcada também por episódios inusitados e multifacetados, que revelam facetas pouco conhecidas de sua intimidade e carreira. Em uma edição do centenário Jornal do Brasil, foi mencionado, certa vez, que Léo cultivava hobbies curiosos, como colecionar garrafas de Coca-Cola de diferentes países, além de ser representante da Enciclopédia Barsa no Rio de Janeiro. Seu trabalho no rádio e na televisão, além de incluir o jornalismo, tem contribuições memoráveis para os amantes de HQ, como a narração dos desenhos animados dos heróis da Marvel na década de 1960. E mais: nos anos 50, a ‘Revista Radiolândia’ publicou um de seus poemas que você lê aqui

*por Vítor Antunes

Acostumado a apurar notícias, o jornalista nunca está preparado para ser notícia. E, em muitas das vezes, ele próprio foge de sê-la, ainda que hoje haja a necessidade de massagear o ego em razão da alimentação das redes sociais, cada vez mais egoicas. Léo Batista (1932-2025) sempre foi referência para muitos jornalistas ainda que ele próprio fosse compreendido de outra forma em sua atribuição profissional. Não existiam muitas faculdades de jornalismo quando Léo começou. Na realidade, a primeira, a Cásper Líbero de São Paulo, nasceu em 1947, mesmo ano em que ele se pôs ao microfone, no serviço de alto-falante de Cordeirópolis, cidade natal, no interior de São Paulo. Por essa razão, Léo só foi entendido pelo público como jornalista depois. Inicialmente, era visto como “locutor de notícias”, “narrador de jornais”. Após sua partida, no dia 19 de janeiro de 2025, aos 92 anos, vítima de câncer, o público percebeu que ele era mais que qualquer título, que qualquer atribuição. Era um repórter em sua mais nobre função: “Ser a testemunha ocular da história”.

Léo Batista possui uma trajetória marcada por episódios inusitados e multifacetados, que revelam facetas pouco conhecidas de sua carreira. A revista Radiolândia narra um episódio peculiar em que Léo, após um desentendimento com o locutor veterano Henrique Batista, reconciliou-se com ele por ocasião da histórica luta entre Éder Jofre (1936-2022) e Fiero Rollo, mostrando a habilidade de transitar entre tensões pessoais e momentos de destaque no jornalismo esportivo. No Jornal do Brasil, é mencionado que Léo cultivava hobbies curiosos, como colecionar garrafas de Coca-Cola de diferentes países, além de ser representante da Enciclopédia Barsa no Rio de Janeiro. Seu trabalho no rádio e na televisão inclui contribuições memoráveis, como a narração dos desenhos animados dos heróis da Marvel na década de 1960. Outro episódio marcante foi durante o incêndio na Rede Globo, em 4 de junho de 1976, quando Walter Clark (1936-1997) ordenou o resgate dos valiosos videotapes da emissora. Entre os artistas e profissionais que se uniram para salvar os materiais estavam Milton Gonçalves (1933-2022), Pepita Rodrigues, Norma Blum  e Renée de Vielmond. Léo Batista, com seu espírito colaborativo e dedicação, também participou desse esforço que marcou a história da Rede Globo.

Leo Batosta morreu no dia 19/01/2025 (Foto: Divulgação/Globo)

Outro dado curioso: em 1954, Léo Batista apresentava-se como torcedor do XV de Piracicaba, ao se deparar com Garrincha, declarou seu amor ao alvingero carioca, o Botafogo. Tanto que uma das cabines do Estádio do Botafogo tem seu nome. Outra face pouco conhecida do jornalista é o de poeta. Leia um poema escrito por ele, para a Revista Radiolândia, nos anos 1950:

Desta vida
que não é minha (*nem é tua),
(porque a temos apenas emprestada),
empresta-me uns segundos —
(quatro, nada mais) —
neles te emprestarei, em troca,
(quatro, e depressa),
com a promessa de não, também, culpar-te.

Uma página, apenas uma,
de um livro que supera todos
(porque é de todos inspiração).
Uma página, apenas uma, te darei,
de um livro que não se abre
(porque nunca fechado está),
que tem páginas finais em branco,
o bastante…
(porque continua a cada instante sua impressão).

Léo Batista na Redação da Globo, nos Anos 1970 (Foto: Divulgação/Globo)

BELINASO

O nome de Léo Batista não era Leonardo. Nem Leopoldo. Muito menos Leônidas, longe disso. O prenome era simplíssimo: João Baptista. Mas o primeiro nome profissional que Léo usou foi Belinaso Neto, seus dois últimos sobrenomes. Em uma entrevista à Revista Radiolândia, ele explica como mudou de nome profissional. “Em todas as estações em que trabalhei antes de vir para o Rio, a opinião geral era que o nome Belinaso Neto não soava bem no microfone. Em virtude disso, resolvi adotar um pseudônimo. Para isso, aproveitei o nome da minha irmã mais nova (Leonilda) e acabei abreviando”.

Léo Batista iniciou sua carreira no rádio carioca levado pelo jogador Santo Cristo, e seu primeiro teste ocorreu na Rádio Mayrink Veiga, seguido por um na Rádio Globo, onde foi aprovado em 1952 e começou a cobrir eventos esportivos, como o campeonato de aspirantes no Rio de Janeiro — uma competição semelhante à atual Copinha de Futebol Júnior. Durante os anos 1950, destacou-se como locutor esportivo, especialmente em transmissões de lutas de boxe. Em 1958, além de apresentar o Informativo Panair, Léo também atuava como produtor. Após um período na TV Rio, ele retornou à Rádio Globo em 1956 e pelo menos desde aquele ano Léo Batista estava na televisão.

O seu nome começa a aparecer na extinta TV Rio, onde ele apresentava o programa “Defesa Pessoal“. Além deste, muitos outros programas de luta e pugilismo. Em 1958, na mesma emissora, outro programa de boxe, o TV Rio Ring. Ainda na extinta emissora carioca, esteve à frente de alguns dos telejornais da casa, como o “Telejornal Pirelli“, em 1963. Inclusive prática comum a da época de nominar os jornais com naming-rights, algo que hoje é pouco recomendado entre as emissoras.

Sóbrio na maneira de dizer, correto na pronuncia e seguro na interpretação” – Revista Radiolândia, 1954

Léo Batista apresentando o Jornal Hoje, em 1971 (Foto: Divulgação/Globo)

Quando perguntado sobre o saldo de mais importante do que havia feito até aquele momento, início de 1960, em sua carreira, Léo destacou:

Falo mais sobre coberturas de acontecimentos do que de notícias isoladas, já que o telejornal apresenta possibilidades mais simples e um pouco diferentes do radiojornal. Mas as principais, na minha opinião, foram: a transmissão do excelente material biográfico sobre Foster Dulles, logo após a notícia de sua morte; a cobertura completa da visita de Kruschev aos Estados Unidos; o lançamento do “Lunik” e a confirmação das fotografias do lado até então desconhecido da Lua; a vitória de Maria Ester Bueno no campeonato mundial de tênis; e a explosão na COFAP, quando o nosso cinegrafista foi o único a filmar, no momento do acontecimento, os escombros — um autêntico furo de telejornal

Nos anos 1970, o Jornal do Brasil publicou uma crítica contundente à cobertura olímpica realizada pela Globo, destacando falhas significativas no conteúdo transmitido. Apesar do tom severo, Léo Batista foi poupado de críticas diretas, sendo reconhecido, ao lado de Térsio de Lima, como um locutor competente, mas prejudicado pelas condições impostas pela produção.”No caso do esporte, quem vinha acompanhando, aos sábados, o Esporte Espetacular transmitido pela Globo, já devia esperar o pior em matéria de cobertura olímpica. O programa era excelente em imagem, mas péssimo toda vez que entrava a voz de um narrador brasileiro. Térsio de Lima e Léo Batista, bons locutores, foram atirados às feras pelos produtores do programa, sendo obrigados a ler textos cheios de erros e impropriedades. Do melhor, textos, sim, mas porcamente traduzidos do original americano, e traduzidos sem muito cuidado. Por exemplo: as distâncias das provas de atletismo eram dadas em termos de jardas, pés e polegadas, e não de metros e centímetros, numa clara falta de atenção.”

E assim se encerra a jornada daquele que transformou microfones em janelas para o mundo. Léo Batista, com sua voz firme e ao mesmo tempo acolhedora, atravessou o tempo como quem narra a própria história da comunicação no Brasil. Testemunha de eras, das primeiras vibrações do rádio às imagens pulsantes da televisão, ele soube dar cor às palavras e vida aos instantes. Sua partida, em um janeiro de saudade, não apagou o brilho de seu legado, mas deixou-o como uma constelação que inspira e guia. No eco de suas narrações, Léo permanece, não como uma memória estática, mas como um sopro contínuo de inovação e paixão pela arte de contar histórias. Seu nome se junta aos grandes, não por títulos ou conquistas, mas pela alma que emprestou a cada palavra.