*por Vítor Antunes
Tanto ele como alguns – poucos – outros atores, estão entre aqueles que já dispensaram o uso dos surpelativos. Osmar Prado tem mais de meio século de carreira. É igualmente conhecido por sua intensidade e pela densidade que empresta aos seus personagens. Recentemente, o ator precisou ser submetido a uma cirurgia de catarata, recuperou-se bem e de igual maneira já voltou aos palcos em mais uma produção. Ele pode ser visto em “O Veneno do Teatro“, no Teatro Prio, no Rio de Janeiro. O período convalescente, no entanto, não prejudicou sua estreia ou encenação. “A cirurgia é simples. O cuidado é com o período pós-operatório. Mas é possível levar uma vida tranquila, sem problemas. Há os colírios que têm que ser utilizados e todo o protocolo, mas no todo está tudo tranquilinho”, frisou.
Osmar trabalhou na Globo desde 1965, ou seja, desde o ano de estreia do canal. Depois do fim de “Pantanal“, ele não teve o contrato renovado. Algo que comenta com naturalidade. “Quanto ao contrato, ele se encerrou, porque era um contrato por tempo determinado. Eu não recebi uma proposta de renovação. É preciso que se esclareça o fato real do que aconteceu. Não houve dispensa. Não fui dispensado; simplesmente não me apresentaram uma proposta de renovação. Não houve nenhuma decisão pessoal de “não querer”. Foi apenas uma opção. E eu, imediatamente, entendi isso. Não se pode obrigar alguém a querer você, se não há interesse. Embora tenha estado comigo por muito tempo, chegou o momento da separação. É preciso compreender isso como uma decorrência de um contrato por obra certa e tempo determinado”.
O ator, porém, destaca que houve uma tentativa da emissora carioca em tê-lo de volta em “Renascer“, já que na versão original ele interpretou Tião Galinha, em 1993. Osmar Prado até recebeu um convite para participar do remake. “No entanto, a primeira negativa veio, porque não chegamos a um acordo de renovação por obra certa. A segunda negativa ocorreu porque eu não deveria estar em “Renascer”, por conta da participação do Irandhir Santos no mesmo papel que eu fiz na primeira novela. O contrato já havia se encerrado, então não houve renovação por tempo, por obra certa. É diferente”.
Estou muito satisfeito com minha saída da televisão e com a avenida que se abriu para mim no teatro após isso. Foram 10 anos desde o meu último espetáculo, ‘Barbaridade’. Agora, com essa nova fase, sinto que estou vivendo um momento muito especial. O teatro não se conta por tempo. Você pode ficar anos sem fazer teatro e voltar a atuar sem problema algum. Ninguém me pergunta, por exemplo, sobre minha atuação no cinema, nos filmes que fiz, ou no prêmio que ganhei em Gramado, como no caso de ‘10 Segundos para Vencer’, com o Daniel de Oliveira – Osmar Prado
OPERÁRIO DO OFÍCIO
Enquanto está em cartaz com “O Veneno do Teatro“, Osmar Prado foi chamado a fazer outro trabalho. Outra peça. Ele não compartilha sensibilidade. Pediu que os outros produtores esperassem o término da atual montagem em cartaz. “Eu já fui sondado, inclusive, para outro espetáculo. Isso muito me honrou, mas, infelizmente, eu não posso dizer do que se trata. É algo ainda embrionário, mas belíssimo. O texto tem um tema e uma personagem incríveis. Eles me esperam, não querem interferir na temporada de ‘O Veneno do Teatro’. Me aguardam o tempo que for necessário, até o esgotamento total de ‘O Veneno do Teatro’. Não estão preocupados em montar a peça rapidamente, querem que eu faça o papel do protagonista, mas sem pressa. Em relação a ‘O Veneno do Teatro’, eu não deixo essa peça por nada. Estamos há mais de um ano representando e é um prazer imenso fazê-la. Tanto o papel do ator Maurício Machado quanto o papel do Marquês, feito por mim, são brilhantes”.
Osmar explica que em muitas das vezes o fato de estar fazendo novela o impedia de atuar nos palcos. “Eu tive outros convites, mas a televisão tomou a frente, então eu não pude aceitá-los. No momento em que eu estava no set de gravação de “Pantanal”, não podia fazer teatro ou outras produções. Eu posso ficar até 20 anos fora do teatro, mas meu lugar é o palco. Para mim, o grande veneno do teatro é exatamente o cerne de toda a questão ao fazer qualquer espetáculo. Você se envenena, e, ao se envenenar, se entrega de tal maneira que é uma mistura de uma série de sensações. O teatro, eu acho, é o único lugar onde o ator de fato se torna a dor que ele quer expressar, com toda a sua potencialidade”.
Quando você estreia, são três sinais, o pano abre, e é você, o espectador e os técnicos, com suas funções de luz, sonoplastia e todos os elementos do ato teatral. Ali, não tem volta. Não tem um “roda de novo”. Não existe nada mais desafiador para um ator do que fazer teatro. Nós somos escolhidos. Eu fui escolhido – Osmar Prado
Com mais de 60 anos de carreira, Osmar vê com naturalidade os novos talentos, tanto os que chegam através da própria televisão, como aqueles vindos de outras plataformas. “Sobre os novos talentos, é preciso analisar o contexto no qual esses atores estão inseridos. Por exemplo, no período em que iniciei minha carreira, poucas pessoas faziam televisão. A importância era maior no teatro. Alguns atores faziam televisão, mas eram poucos. Existiam companhias estáveis, como o TBC, o Arena e o Teatro Bela Vista. Com o crescimento da televisão industrial, tudo se modificou. Eu vivi o período da televisão ao vivo, depois passei para essa indústria, e também presenciei o nascimento da Rede Globo, em 1965. Minha primeira produção lá foi em Ilusões Perdidas, com Reginaldo Farias e Leila Diniz. Depois, retornei em uma novela de Dias Gomes, Verão Vermelho, iniciando uma longa permanência na Rede Globo. Hoje, temos um contexto completamente diferente”.
Ele prossegue, dizendo com naturalidade sobre a passagem do tempo: “As pessoas não acreditam que eu tenha 77 anos. Gosto de me olhar no espelho e ver as marcas do tempo, minhas rugas. Jamais faria cirurgia corretiva ou implante de cabelo. Estou cada vez mais saudável e não tenho do que me queixar. Aos 77 anos, fazer o que faço, com esse preparo físico, é um privilégio. Parei de fumar há muitos anos. Bebo só de vez em quando. Tenho muita história para contar: são 65 anos de carreira e 77 de vida. Não é pouca coisa. Sou um privilegiado. Tenho uma condição física favorável. Sei que estou preparado, não só fisicamente. Meu médico até me orientou a não correr no momento, devido à cirurgia de catarata. Tenho agilidade e preparo físico que surpreendem muita gente, especialmente na peça.”
Muitas vezes, me chamam de senhor ou entendem que a pessoa tem uma certa idade. Essa coisa toda, mas esquecem que, dentro desse corpo de 77 anos, ainda existe um resquício de juventude – Osmar Prado
MELODRAMA
Em 1993, Osmar Prado deixou a Rede Globo de forma marcante, com a antecipação da morte de Tião Galinha em Renascer. A saída foi decisiva para abrir novos caminhos em sua carreira. O ator relembra como chegou ao SBT. “Com a antecipação da morte do Tião Galinha em Renascer, fui convidado a fazer teatro em São Paulo, na peça ‘Uma Rosa para Hitler’, que estreou no Teatro Imprensa, dirigido pela Cíntia, filha do Silvio Santos. Foi nesse momento que o SBT me contratou para fazer a primeira novela do núcleo de telenovelas da emissora, que foi Éramos Seis. O Silvio Santos queria que eu continuasse por mais um ano, após fazer ‘Sangue do Meu Sangue’, mas eu não quis. O núcleo havia acabado.”
Após o término de “Sangue do Meu Sangue“, um clássico do melodrama cubano, o núcleo de novelas do SBT entrou em inatividade, deixando seus grandes nomes sem projetos imediatos. Com isso, atores contratados exclusivamente para fortalecer a dramaturgia da emissora passaram a reclamar da ociosidade. A solução encontrada foi a produção dos chamados “teleteatros” – histórias de um único episódio, adaptadas de textos originais mexicanos, semelhantes aos “Casos Especiais”. No entanto, a produção modesta e os textos pouco elaborados geraram críticas entre alguns artistas. Osmar Prado, porém, encarou a situação com pragmatismo. “Encarei aquilo com otimismo, pois achei que deveríamos nos dedicar ao que tínhamos naquele momento. Ficamos um longo período sem fazer nada porque não havia trabalho para nós, mas estávamos ganhando. Então, voltamos eu, Vânia e Luana com nossa filha para o Rio de Janeiro. Passei um período no Rio sem estar contratado nem pela Rede Globo, nem pelo SBT. Vivi uma fase difícil e ociosa por algum tempo.”
Entre os papéis marcantes de sua trajetória, Tião Galinha em “Renascer” se destaca não apenas pela força do personagem, mas também pelo simbolismo de sua morte, que foi cuidadosamente trabalhada por Osmar: “Sobre o Tião, eu disse que ele não ia se matar por nada. Tinha que haver uma razão muito forte para o Tião se suicidar. Pedi para colocarem um tapa na cara dele, algo simbólico. Sugeri que o delegado ou quem quer que fosse desse uma bofetada na cara do Tião quando ele protestasse. Expliquei que um tapa na cara de um homem digno era o suficiente para matá-lo. Eles acataram a ideia. Foi algo simbólico e marcante. Isso me fez lembrar de uma história da época da polícia política do Estado Novo, com Getúlio Vargas. Mário Lago foi preso e um policial ameaçou dar um tapa nele. Outro policial segurou a mão do colega e disse: ‘Não bata nesse homem. Um tapa na cara desse homem o mataria. Ele é digno.’ Foi daí que surgiu minha inspiração para o tapa no Tião.”
“Quem trabalha e mata a fome não come o pão de ninguém, mas quem ganha mais do que come sempre come o pão de alguém.” – Benedito Ruy Barbosa (em fala de Tião Galinha)
Com mais de seis décadas de dedicação à arte, Osmar Prado é o retrato de um operário do ofício, moldado pelo tempo e pela paixão. Aos 77 anos, ele segue firme na entrega total ao palco, onde a magia do teatro ganha vida em cada gesto e palavra. Entre os holofotes da televisão e a intimidade do teatro, o ator mostra que o talento verdadeiro não se mede em contratos, mas na intensidade com que se vive cada personagem. Osmar, com suas rugas, histórias e um espírito ainda jovem, permanece como um mestre que transforma o ordinário em extraordinário, lembrando-nos que, no teatro da vida, o grande veneno é também o maior antídoto: a entrega.
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