*por Vítor Antunes
No atual cenário da cena contemporânea, a presença negra nas telas, na televisão e no teatro tem sido amplamente discutida. No entanto, com frequência, atores negros são convocados para falar sobre racismo, quase como se fossem os criadores dessa questão, e não os alvos. Na opinião de Sol Menezzes, ainda há um longo caminho para que os artistas negros sejam vistos além do papel de porta-vozes de uma pauta étnica afirmativa, como se sua identidade resumisse o único tema sobre o qual podem se expressar. “Eu acho que ainda vai faltar um tanto para as pessoas pararem de cobrar isso como se a gente fosse só uma pessoa negra. Como se tivesse esse único assunto para falar. E eu vejo muitas grandes figuras falando sobre isso: ‘eu não sou negra, só em novembro, por exemplo’. Nós somos negros todos os dias, desde a hora na qual acordamos”.
A exposição da vida íntima é, para muitos, uma forma de engajamento. Porém, Sol Menezzes revela uma outra perspectiva, fundamentada no cuidado com sua individualidade e energia. “Eu sou uma pessoa bastante reservada. Tenho um ciclo pequeno de amigos, embora conheça muita gente. Isso é sobre minha personalidade. Não é que eu não queira me expor, mas é o meu jeito de ser. Eu gosto de ficar quieta, de ler meus livros, de conversar sozinha. Nunca tive vontade de compartilhar coisas da minha intimidade. Na minha cabeça, isso não fazia sentido. Acredito que a vida pessoal é pessoal, e tenho cuidado em mantê-la assim”.
Recentemente, Sol Menezzes tem se destacado em produções audiovisuais. Ela integra o elenco da série “O Meu Sangue Ferve Por Você“, exibida no Disney+, e também gravou uma série popular da Netflix, “Sintonia”. Além disso, participou do filme “Família de Sorte“, dirigido por Viviane Ferreira. Sua versatilidade a levou de volta aos palcos no fim do ano passado, após um intervalo de cinco anos, com a peça “Perfeita“. Com direção de Ulisses Cruz e elenco que incluiu Sérgio Guizé e Gustavo Machado, a montagem foi indicada ao Prêmio Shell de Teatro na categoria de melhor iluminação.
Sol, que concilia a carreira de atriz com o trabalho de empreendedora digital, reconhece as demandas das redes sociais, mas as encara com propósito e discernimento: “Quando eu mostro algo, é com cuidado, sempre com um propósito. Adoro compartilhar o que estou lendo ou algo do meu trabalho. Mas não acho que preciso expor minha vida íntima para engajar. Prefiro preservar minha energia. Cada um tem sua forma de se comunicar nas redes, e a minha é essa: mostrar o que faço, o que estudo, mas sempre com uma intenção clara”.
IDENTIDADE
Em uma entrevista nos já distantes anos 1990, Chica Xavier (1932-2020) destacou a importância de afirmar sua etnia em uma profissão que, muitas vezes, tentava apagá-la. Vinda da Bahia, Chica chegou ao Rio de Janeiro no Dia de Reis, 6 de janeiro. Assim como Chica, Sol Menezzes acredita que ser negra, ser atriz e ser brasileira vai além da existência. É um ato contínuo de afirmação: “É necessária toda movimentação e debate sobre a causa negra. No fim do ano passado, em novembro, muitos artistas e trabalhadores da cultura ganharam dinheiro com essa data, pois tiveram mais atenção com os nossos projetos. Porém, a reflexão que fica é: é necessário esperar novembro para apoiar uma peça? Para apoiar um artista? Não se pode dividir isso pelo ano sem que seja necessária uma desculpa apoiada pelo calendário?”
Sol também reflete sobre os avanços na luta contra o racismo e a importância de celebrar as conquistas, sem perder de vista o longo caminho a percorrer. Para ela, a arte é mais que expressão; é instrumento de transformação e inspiração: “Sobre a questão do racismo, eu acho que a gente tem muito para avançar, mas é preciso celebrar o que já avançou. Não conseguiremos visualizar felicidade sem isso. Eu, enquanto artista negra, estar num palco com a minha arte, com meu corpo e com a minha cor, falando aquelas palavras e fazendo as pessoas pensarem, essa é a minha função. Minha arte conversa com a minha forma de pensar”.
A atriz ainda enfatiza a importância de ser referência para futuras gerações: “Quero ter referências para poder ser referência. Sei que já sou para muitas pessoas, mas quanto mais meninas pretas puderem me ver no palco, no cinema, nos grandes streamings, na TV, onde for, olhar e falar: ‘Nossa, aquela menina parece comigo. Eu quero ser artista. Ela tá lá, então eu também consigo.’ É para isso que eu trabalho, essa é a minha forma de contribuir nessa luta.”
Não é facilmente identificável para um ator preto ver-se sendo possível ali naquele espaço cênico que nem sempre foi possível para a gente. Mas ainda assim a gente vai avançando – Sol Menezzes
Sol Menezzes é uma atriz de presença marcante, mas ainda pouco vista em novelas. Desde o início de sua carreira, sua atuação na televisão tem sido pontual, e ela não chegou a participar de uma novela completa. No entanto, ela não descarta a possibilidade de atuar em folhetins, pois aprecia o gênero. “Eu estou aberta para viver tudo que o meu ofício possa me proporcionar. Estou aberta justamente para fazer o que me for oferecido. Novela e série têm dinâmicas muito diferentes. Além de tudo, novela exige demais do ator, tudo pode acontecer”, afirma a atriz.
Sobre seu retorno ao teatro, Sol expressa entusiasmo: “Em“Perfeita”, eu interpreto uma personagem que se chama Mulher. São três personagens, e eles não têm nomes. Eu estava há cinco anos sem fazer teatro, pois havia direcionado meus esforços para o audiovisual, mas acabei vindo ao encontro desta montagem. Foi um trabalho que expandiu minha criatividade ao máximo. Essa Mulher pode ser eu, pode ser todas as mulheres que estão assistindo à peça. Eu acho que a gente está representando figuras, sim, mas também posicionamentos. Voltar ao teatro foi uma das melhores coisas que me aconteceram nos últimos anos. O contato direto com o público é inigualável. O teatro me trouxe de volta para mim mesma”. “Perfeita” é ambientada em um futuro distópico, tão próximo e atual, que provoca reflexões sobre o rumo da humanidade. A peça está prevista para retornar aos palcos.
Além de sua carreira como atriz, Sol também se dedica ao projeto “Mapeando Sensações“, que explora diferentes métodos de construção de personagens. “É uma pesquisa que eu desenvolvo desde 2016 ou 2017, sobre formas de atuação, métodos e caminhos para interpretação. É um caminho sensorial e sensitivo, único para cada pessoa. Me encanta muito a individualidade, a pessoalidade. O que funciona para uma pessoa não necessariamente funcionará para outra. A partir do mapeamento dessas sensações e emoções, vamos entendendo um caminho mais fluido e orgânico para alcançá-las. Essa é uma pesquisa em constante desenvolvimento, sem um objetivo de finalização, mas sim de avanço contínuo”, explica.
Ela também reflete sobre as formas de amor que mais a emocionam, destacando sua sensibilidade como uma de suas maiores marcas. “Eu sou uma pessoa muito apaixonada pelos meus amigos, eu vivo o amor de uma forma muito horizontal, eu tenho muito amor pelas pessoas que me cercam quando entram nesse meu ciclo, nesse meu ciclo pequeno de amizade. Eu tenho um amor tremendo e a felicidade que eu sinto quando eu estou com eles, muitas vezes vai ser muito maior do que numa relação romântica. Não é colocar como pior ou melhor, mas é uma qualidade diferente. Ensinaram a gente, principalmente mulheres, que a grande realização do amor está no homem, em numa relação romântica. E quando você expande, que amor é uma forma de ser, é uma forma de viver, que a gente é cercado de tanto amor, as coisas mudam”.
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