Leila Cordeiro: ‘Não sinto saudades da TV’. Jornalista fala da saída da televisão, etarismo e a vida nos EUA


Nos anos 80, a jornalista e o marido, Eliakim Araujo (1941-2016), formaram o icônico ‘Casal 20’, no Jornal do Globo, especialmente por antecederem os que se tornaram famosos na televisão, como William Bonner e Fátima Bernardes. Desde 2000 fora das emissoras, Leila diz não sentir falta de estar nos telejornais e preferir a sua vida mais pacata, em Miami, como empresária e investidora. Entusiasta da Doutrina Espírita, a atriz quer ser porta-voz da ciência-filosofia-religião de Kardec através do seu canal no YouTube. Novamente casada após a viuvez, Leila, fala sobre a alegria de viver, a liberdade com a estética e a lastima o etarismo na televisão com a demissão de jornalistas, apresentadores e atores maduros da frente das câmeras.

*por Vitor Antunes

Uma das maiores referências do jornalismo dos anos 1980, Leila Cordeiro compôs, junto ao seu então marido, Eliakim Araújo (1941-2016), um dos primeiros “Casal 20” da televisão, na Globo. Depois do falecimento de Eliakim, Leila segue morando nos Estados Unidos e casou-se novamente com um ex-namorado da adolescência. A jornalista hoje trabalha como administradora de empreendimentos na Flórida e nega a possibilidade de voltar, assim imediatamente, à comunicação: “Eu não sinto saudades da TV. Tenho gratidão e uma felicidade enorme. Não tenho tenho tristeza nem saudosismo”.

Entusiasta da Doutrina Espírita, a jornalista tem feito postagens voltadas ao tema, bem como possui um canal no YouTube voltado à divulgação da fé kardequiana. Aos 66 anos, Leila diz lidar bem com a passagem do tempo: “Não tem jeito. Pode-se fazer mil plásticas que a idade chega para todo mundo, e o lado de lá, a morte, também”. A comunicadora também é crítica ao etarismo que assola o telejornalismo: “A experiência, a maturidade e a sabedoria é o tempo que faz. Não adianta colocar apenas gente bonita à frente das câmeras, porque  jornalismo é credibilidade. Lamento por alguns profissionais que começaram comigo terem sido demitidos. Eles fazem a diferença”.

Leila Cordeiro, um dos grandes nomes no telejornalismo brasileiro vive há anos nos EUA (Foto: Reprodução)

CASAL TELEJORNAL 

Leila Cordeiro e Eliakim Araújo eram tão simbólicos nos anos 1980 que é atribuído a eles um dos mais clássicos quadros da “TV Pirata“, o “Casal Telejornal“. Nele, Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães apresentam um noticiário enquanto são interpelados pela empregada doméstica Louise Cardoso. Leila e Eliakim apresentavam o Jornal da Globo naquela época. Daquela emissora, migraram para a Manchete, para o SBT e de lá para a CBS americana. Ambos mantiveram a parceria, afetiva e profissional até o falecimento de Eliakim, em 2016. Hoje, Leila está casada com o médico Wilson, que reencontrou depois de 42 anos e que havia sido seu noivo na juventude. Sobre o amor a jornalista mantém a discrição: “Ainda há muitos fãs do casal e que têm uma forte imagem minha junto à do Eliakim. Não queria manchar isso, também por respeito a ele. Quanto ao meu novo relacionamento, trata-se de um casamento que respeita a vida de cada um. Quando eu era noiva de Wilson, eu tinha 18 anos e ele 25. Viemos a nos casar agora. Reencontramo-nos depois de muito tempo sem nos ver e sem que eu soubesse, até aquele momento, de seu paradeiro”.

Tudo que remeta a Eliakim eu o homenageio, como em todos os seus aniversários de nascimento como de falecimento. Mantenho viva a memória do Eliakim, já que ele era um tremendo profissional, além de ser o meu marido. Com seu talento e aquela voz linda ele influenciou muita gente – Leila Cordeiro

Eliakim Araújo e Leila Cordeiro no Jornal da Globo (Foto: CEDOC/TV Globo)

Afastada da televisão desde o fim do “Jornal do SBT/CBS Telenotícias“, em 2000, Leila hoje tem um canal no YouTube, que leva o seu nome, e no qual compartilha atividades cotidianas e pensatas. Além disto, tem um programa de entrevistas, o “Entre Nós“. Conta-nos a jornalista que “deu uma paradinha no canal e ele está sendo reformulado”. Além disto, tem uma pequena empresa nos Estados Unidos na qual faz alguns trabalhos como uma investidora. “Trato com americanos e hispânicos. Não é nada grandioso, mas é o patrimônio que juntamos durante a vida. Aqui, nos EUA, não se precisa de muito para viver. Não estou no meio dos milionários, a contrário, vivo aqui uma vida de classe média, com algum conforto. Eu sou apenas a Leila Pereira”, diz ela. Este nome pelo qual atende na América deve-se ao fato de, ao receber a dupla nacionalidade, haver necessitado escolher apenas um dos sobrenomes dos quais possuía. “Pereira” era um nome de família que seu marido, Eliakim, não usava profissionalmente e que Leila herdou ao casar. A entrevistada prossegue, sobre sua vida nos Estados Unidos: “Não é um mar de rosas, há muito imposto. É bem diferente do Brasil”.

Ainda que tenha forte carinho e gratidão pelo Brasil, Leila não vislumbra, pelo menos de forma imediata, voltar pra cá: “Estou há 26 anos nos EUA. Vivo aqui com menos do que precisaria se no Brasil estivesse. Há aqui uma flexibilidade de se saber onde se pode ir já que as coisas têm o valor que elas têm. É um aprendizado. Tenho só a agradecer por ter passado todo esse tempo numa terra estranha sem nunca ter vivido nenhum problema, e de forma suave, uma vida normal, sem luxo, comum, na qual as pessoas nem sabem que fui famosa no Brasil e que se aproximam de mim sem nenhum outro interesse”.

Saí da TV em 2000 e moro há anos aqui. Fizemos, eu e Eliakim, tanta coisa juntos que eu não sinto falta da televisão e nem tenho como sentir. Vejo com muita naturalidade não estar num veículo de comunicação. Não dá para a gente fazer a vida inteira a mesma coisa. Não tenho esse fetiche de voltar à TV. Tive o meu momento glorioso no jornalismo, vivi isso e eu acho que nem me enquadraria ao esquema atual, tenho outra cabeça. Estou feliz da maneira que estou. Essa liberdade não tem preço – Leila Cordeiro

Ainda que esteja há 23 anos fora da televisão, Leila lamenta a onda recente de demissões de jornalistas maduros da televisão brasileira: “Vi meus colegas queridos dispensados e me faz falta vê-los. Lamento, porque alguns começaram na carreira comigo e eu não mais os vejo. Iniciei na profissão aos 21 anos”. Leila conta-nos consumir TV brasileira na terra do Tio Sam. “Do jornalismo atual. eu gosto muito da GloboNews. Vejo muitos telejornais americanos também. Nas novelas, me agrada “Vai na Fé” e destaco os atores Sheron Menezes, Clara Moneke, Samuel de Assis e Emílio Dantas.

Há tantos anos afastada do jornalismo, Leila se diz grata “por ser lembrada ainda hoje com tanto carinho e respeito, o que é difícil diante do imediatismo da comunicação, que faz com que as pessoas esqueçam o que foi passado. Mas ser lembrada e acarinhada assim é, sobretudo um presente para o ego”.

Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães eram o “Casal Telejornal”, da TV Pirata. Roteiristas se inspiraram em Leila e Eliakim (Foto: Reprodução/TV Globo)

 

MATURIDADE E VIDA

Leila diz lidar bem com a maturidade. “Não tem jeito. Precisamos saber como lidar com isso, com todas as fases da vida. Tirar felicidade e alegria em outras coisas que havia antes e que não se pode ter mais por conta da chegada da madureza. Eu sou privilegiada por ter a idade que tenho, uma saúde de ferro, disposta a fazer tudo. Nunca tive coragem de fazer nenhum procedimento estético senão um botox que fiz há alguns anos atrás – e ainda assim ponderei, porque gosto de ter expressão no rosto e senti a minha cara engessada”. Porém, ainda assim, ela diz que esta opinião não é definitiva. “Nada é estático. Eu tenho a plasticidade de não ter uma única opinião, de poder mudar. Somos seres em movimento. É necessário evoluir”.

Rita Lee (1947-2023) e eu pesávamos o mesmo sobre envelhecer bem, sem desprezar o passado. Ainda que haja as rugas e as dificuldades. É preciso valorizar o presente, com força. E eu venho de uma família de mulheres especiais, realistas, fortes, baianas – Leila Cordeiro

Conta-nos a repórter que o seu grande projeto de vida é fazer algo voltado à espiritualidade, ao espiritismo de Kardec. “É a minha mola mestra. Gosto de entrevistar pessoas especiais e falar sobre esse tema num momento em que as pessoas parecem não ligar muito para isso, em que pensam muito em si mesmas, em que há muita polarização e ódio. Luto para que esta doutrina seja expandida”. Para falar sobre a evolução dos mundos espirituais, conforme sinaliza a fé espírita, Leila exemplifica através da própria Internet e sua belicosidade: “Estamos passando para um mundo de regeneração em vez do atual, de provas e expiações. Daí, o conflito. Na Internet, por exemplo, não existe regulamentação nem parâmetros ou limites. As pessoas têm facilidades para entrar nas redes sociais, especialmente no Instagram e vejo serem muito agressivas, especialmente às pessoas mais famosas. Vejo aberrações, gente falando coisas horríveis a elas, inclusive metendo-se em suas vidas sexuais, o que me faz questionar que mundo é esse”, analisa, sem distanciar a vida digital da real, na prerrogativa do confronto.

Sobre a Doutrina Espírita, ainda que tenha muitos adeptos no Brasil, não é forte internacionalmente, ela diz que “os EUA são majoritariamente evangélico. Estudo e tenho vivências aqui. Creio que vim para os EUA cumprir uma missão”. Autora de dois livros – um que escreveu em 1989 e outro em 1995 – Leila não tem a pretensão de escrever outro, assim de forma tão imediata.

No outro lado [da vida] a televisão está um espetáculo: Eliakim, Jô Soares, Gugu Liberato, Hebe Camargo…

Leila Cordeiro lida com naturalidade à passagem do tempo: “Não fiz procedimentos estéticos” (Foto: Reprodução/Instagram)

JORNALISMO, SAÍDA DA GLOBO, GRANDES COBERTURAS E CBS

Leila Cordeiro estreou no jornalismo no fim dos anos 1970. Fase em que tudo era muito diferente para os profissionais da área. “Parece algo paleolítico. Quando eu comecei, em 1979, fazíamos matéria com filme [cinematográfico]. Naquela época, 400 pés de filme equivaliam a 10 minutos de vídeo. Saíamos sempre numa entourage, era uma loucura. Depois passamos para o videotape. Eu passei por toda a evolução da TV. Hoje é possível produzir do meu próprio celular. Tenho o audiovisual de forma muito atuante comigo, mas claro, procuro manter, dentro do possível, a privacidade.

Eu não tenho nada contra quem faz um reality show das próprias vidas, mas a atual geração é outra e isso é algo que não compete a mim julgar. Dentro do limite, faço o que gosto – Leila Cordeiro

Leila Cordeiro em 1982: nesta época ela já estava na Globo e estreou o boletim Globo Cidade (Foto: CEDOC/Globo)

Estabelecidos na Globo, no final dos anos 1980, Leila e Eliakim transferiram-se para a Rede Manchete, canal que estava em ascensão. Um conjunto de fatores colaborou para que ambos os profissionais fossem para a TV dos Bloch: “Houve uma modificação no Jornal da Globo que achamos injusta. Paralelamente a isso, a Manchete veio com um convite irrecusável, inclusive com o pagamento de luvas [ou seja, um valor pago antecipadamente]. Na época, ninguém ganhava muito bem no jornalismo da Globo. A extinta TV nos ofereceu o mundo, além de bons recursos. Dentre os momentos marcantes de Leila na Manchete, constam as coberturas de Carnaval. “Não havia celular, computador , Internet… E conseguíamos fazer uma transmissão de qualidade. Isso é muito legal”.

Uma cobertura memorável para ela foi a de 1991, onde uma estreante Unidos do Viradouro trazia como enredo Dercy Gonçalves (1905-2008). E foi difícil acompanhar a irreverente atriz. “Dercy falou que só subiria no carro alegórico se eu fosse junto”. E, ao vivo, a comediante disparou: “Se eu cair daqui eu vou me $&@#%& de verde e amarelo! “, relembra Leila, com humor.

Leila Cordeiro e Dercy Gonçalves na Manchete em 1991 (Foto: Reprodução/TV Manchete)

Ainda que o período da saída dos jornalistas coincida com a primeira grande crise da Manchete – que chegou a ser vendida em 1993 quando ambos ainda eram funcionários da casa -, Leila relata-nos que durante a primeira passagem pelo SBT, quando ela e seu então marido ministravam palestras para o público norte-americano, o casal foi informado que a CBS, tradicional TV americana, abriria uma ramificação voltada a atender aos latinos de língua portuguesa. “Em 1997 chegamos com mala, cuia e filhos – Ana com 12 e Lucas com 4 – em Miami”. Nascia ali o projeto inicialmente chamado de “CBS Telenotícias”, que mais tarde seria renomeado para “Jornal do SBT/CBS Telenotícias“, num simulcast entre as duas emissoras, que durou até o ano 2000. “O mercado americano não conhecia o brasileiro, e com a paridade do dólar a parceria acabou não prevalecendo. Além disso, houve outras interferências do mercado”, sinalizou, optando por não aprofundar-se.

Leila Cordeiro e Eliakim Araújo no simulcast “CBS Telenotícias/Jornal do SBT”, exibido até 2000 (Foto: Divulgação)

Uma verve de Leila que o tempo lhe revelou foi a das artes plásticas. “Fiz exposição aqui sem nunca haver pintado. Tive uma inspiração, comprei canetinhas hidrocor e assim nasceram 350 desenhos, no tempo que estive na CBS. Depois, fiz algumas pinturas em tinta acrílica. Estas obras ficaram expostas no Grand Hyatt Hotel, de Miami, bem como outras estão na Prefeitura daquela cidade e numa emissora de TV local. Meu sonho é fazer uma exposição composta por mulheres que desenhei”. Esse desejo de voltar a pintar é uma vontade que se alinha com a inspiração e esta é fruto da generosidade dos seus mentores espirituais: “Agradeço a eles. Em algum momento meus guias vão me inspirar. Vou seguindo o que eles me falam”. Movida pela fé, Leila é das mulheres que, tão certas da sua vontade, confia no poder do verbo. E, comunicadora como é, apenas“vai”.