*Com Thaissa Barzellai
Em seus 40 anos, o polivalente Lázaro Ramos pode dizer que sua vida é como uma montanha-russa. Começou no teatro, em Salvador e no Rio, mas foi no cinema que o seu destino começou a ser escrito. Os primeiros passos? Dançar com o “É o Tchan” no filme “Cinderela Baiana” (Conrado Sanchéz). Depois vieram testes e trabalhos em filmes que ficaram para a história do Brasil e da criatividade pós-retomada da produção cinematográfica. “Madame Satã” (Karim Ainouz), “O Homem que Copiava” (Jorge Furtado), “As Três Marias” (Aluizio Abranches) e “Carandiru” (Hector Babenco) são só alguns dos títulos que colocaram a grandiosidade e versatilidade de Lázaro Ramos no mapa cultural. “Quando comecei, eu não assumia que o cinema seria a minha carreira e a minha vida. Eu achava que a qualquer momento tudo ia dar errado e eu ia ter que voltar para casa”, relembra o ator que, quando chegou ao Rio de Janeiro para atuar em uma peça, “A Máquina“, só começou a trabalhar com filmes porque precisava pagar o aluguel.
Apaixonado pela sétima arte desde criança, Lázaro sempre duvidou de que tinha o que precisava para estar do outro lado da tela já que não se permitia enxergar esse mundo por uma outra ótica que não fosse como um sonho distante. “Eu ia para o cinema chamado Arte1, que tinha perto da minha casa, na época que nós podíamos ver duas sessões pagando apenas um ingresso. Naquele momento, o cinema era algo inatingível para mim, era apenas para assistir, sonhar e imaginar”, conta. Para a surpresa dele, o cinema se mostrou muito maior que somente um sonho de estar nas grandes telonas e muito desse admirável mundo novo com o qual Lázaro se deparou e da maturidade que teve para saber lidar com as portas que se abriram deve-se a uma parceria que está na sua vida desde os primeiros momentos: Jorge Furtado, diretor de “O homem que copiava“, “Meu Tio Matou O Cara” e “Saneamento Básico”. “A convivência com o Jorge foi muito importante para eu me apaixonar pelo cinema. Tudo o que ele me falava, os filmes que ele me apresentou, foi abrindo os meus olhos para uma outra possibilidade profissional e eu comecei a acreditar mais nisso tudo”, relembra.
O cinema hoje em sua vida é uma das principais plataformas para que ele possa expandir enquanto artista, ser humano e cidadão brasileiro, ao mesmo tempo em que contribui e compartilha com a sociedade todos os anseios, provocações e questionamentos da época. “Com o meu trabalho, o que eu tento fazer e a linguagem que eu tento adotar, é encontrando maneiras que toquem a sensibilidade das pessoas para tirar essa questão do racional e, através de estímulos afetivos, transformar pensamentos”, reflete o ator com relação à importância desse espaço para luta contra racismo e os ismos que ainda se fazem presente, ainda mais forte, na contemporaneidade. Um dos seus mais novos projetos, o longa-metragem “Medida Provisória”, chega ao cinema no ano que vem após mais de seis anos em produção exatamente com essa premissa do transformar sem a dureza de uma imposição.
Com direção do próprio Lázaro, que assume essa responsabilidade pela primeira vez, o filme é baseado na peça “Namíbia Não”, de Aldri Anunciação e dirigida por ele em 2011 nos palcos, e aborda as questões raciais do Brasil a partir de um futuro distópico: o governo brasileiro decreta que cidadãos negros a voltarem para a África, retornando para as suas origens, e para tentar fugir, dois primos se escondem em um apartamento. Ali, juntos, debates e anseios para transformar o país são colocados em pauta. É com essa visão pelo cinema de gênero, trazendo o drama, comédia e até mesmo um pouco de thriller para a narrativa, que o filme se coloca como uma nova forma de representar a cultura negra sem que seja apenas em filmes que retratam acontecimentos históricos apenas para propósitos de denúncias das problemáticas sociais.
Para Lázaro, inspirado pela onda contemporânea de novos cineastas negros, entre eles universitários e já consagrados, “Medida Provisória” é um filme e ponto, que, mesmo apontando dedos, é muito mais do que isso: é uma expansão da criatividade cinematográfica. “Quando falamos de cineastas negros contando a sua história, muitas vezes, pela ausência, nós acabamos criando histórias que partem de uma demanda e não das possibilidades narrativas. Meu filme subverte a lógica de contar uma história que é apenas uma denúncia. Assim como o Spike Lee fez com Infiltrado na Klan, ele juntou representatividade com o poder de criar as histórias que quisermos. Estou tentando me influenciar desse movimento que é saudável “, declara. Embora os filmes que são feitos para registrar a realidade exclusiva e racista sejam necessários, Lázaro entende que, na atual conjuntura, talvez seja hora de mudar e a demanda agora é dialogar com os inúmeros artifícios que a arte oferecendo, abrindo um leque que vai muito além do estereótipo que limita o cinema negro na conversa social.
Essa tentativa de estabelecer conversas através de uma abordagem artística diferente já tem sido parte das atuações do artista. Recentemente, na televisão, por exemplo, Lázaro levou a temática pelas lentes cômicas da série “Mister Brau”. No teatro, esse caminho foi trilhado com a peça “O Topo da Montanha”, que conta com Taís Araújo no elenco. Palestras em escola e obras literárias, como a biografia “Na Minha Pele” e os infantis, também prestam esse papel. E tem dado certo. Hoje, enquanto ator, diretor, escritor e embaixador da UNICEF, Lázaro Ramos, pelo menos, tem sido ouvido e os impactos do seu trabalho têm sido reconhecidos. Nessa última edição do Festival de Cinema de Gramado, ele foi consagrado com o Troféu Oscarito pela dedicação e importância social e cultural dos seus atos. Sonhador desde criança, a ideia de ganhar qualquer coisa no festival parecia um devaneio jovial e, agora, ele já tem dois. O Oscarito e um de Melhor Ator por “Cafundó“, que ganhou em 2005. Incentivos e reconhecimentos para que continue nesse caminho, cada vez melhor.
“Eu, nesse momento, estou interessado em falar do hoje para plantar o amanhã”. O estímulo para tal ele já tem, agora só nos resta aguardar as cenas dos próximos capítulos. No entanto, de uma coisa já dá para ter certeza: vai ser necessário. E enquanto o amanhã não chega, “Medida Provisória” e “Silêncio da Chuva” (Daniel Filho) e “Detetives do Prédio Azul 3 – Uma Aventura no Fim do Mundo” estão chegando para balançar, mais uma vez, por meio da arte – do jeito que Lázaro gosta -, as estruturas desse Brasil.
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