Kizi Vaz estrela curta e afirma: ‘A mulher não tem que estar o tempo todo explicando o feminismo para o homem’


A atriz fala sobre o impacto do curta “Desconstruindo Maria”, que contou com uma equipe composta 90% de mulheres e propõe uma reflexão sobre o histórico de luta por direitos e representatividade na sociedade machista. Mãe de Pedro, de 13 anos, a atriz entende que a mudança na estrutura da sociedade começa em casa: “Eu tenho um filho de 13 anos e o crio de uma maneira que ele possa entender realmente que o machismo não é algo bom e assim dividir com os amigos uma visão mais consciente”, diz a atriz

Guarde esse nome: Kizi Vaz. Atriz que entrega emoção e uma forte chancela em todas as suas empreitadas. Ela é estrela em “Desconstruindo Maria”, curta-metragem dirigido por Camila Cohen e com equipe majoritariamente feminina, que tem estreia marcada para o dia 25, no canal CaixaPretaWeb, no YouTube, e propõe debate sobre conquistas femininas e machismo estrutural, em paralelo entre fatos históricos e cenas contemporâneas. “A personagem que interpreto é  muito forte, e ser dirigida por uma mulher é importantíssimo e há um olhar especialíssimo”, disse a atriz.

Kizi Vaz é Joana no curta “Desconstruindo Maria”, que estreia no próximo dia 25. (Foto: Mabru Rodrigues)

Com narrativa centrada na vida sob a perspectiva da mulher através dos tempos, a película pretende levar o espectador a uma viagem documental sobre a vivência da mulher na sociedade. Passando por mudanças históricas vitais, mescladas a cenas que evidenciam como o machismo na sociedade ainda tem influência sobre corpos femininos.

Depois de “Rock Story”(2016), “Ilha de Ferro”(2018) e “Bom Sucesso”(2019), Kizi dará vida à Joana que, como muitas mulheres, é múltipla e se divide entre carreira, trabalho e casa, fora outros percalços do cotidiano. A atriz garante que o público irá se identificar com a personagem: “Há cenas em que ela está indo para o trabalho, tenta focar, mas está exausta completamente. Existe, óbvio, cansaço porque a gente também não é de ferro, mas ela representa a mulher de multitarefas, que consegue seguir em frente e dar conta de tudo diariamente”.

Além da abordagem, o curta impressiona com uma equipe 90% formada por mulheres, o que não é uma realidade dentro do audiovisual. Sobre a experiência de filmagem, Kizi fala que foi gratificante ver e lidar com outras mulheres ocupando os mais variados cargos dentro da produção: “Eu me senti muito acolhida, a troca foi incrível. Figurinista, maquiadora, atrizes… todas mulheres. E uma diretora que a abraça também, principalmente quando o tema que estamos lidando é sobre mulheres. A sororidade é tanta que ela sabe se colocar no lugar da atriz que está ali representando”, conta.

Kizi Vaz e André Dread em “Desconstruindo Maria”. (Foto: Reprodução)

A diretora Camila Cohen analisa que “os homens que fizeram parte acreditaram no projeto, desde a proposta. ‘Desconstruindo Maria‘ não tem o objetivo de criticar a figura masculina, mas mostrar o potencial das mulheres e o quanto a figura feminina pode agregar em diversas situações”. Kizi espera que os homens pensem sobre uma nova postura ao assistirem o curta: “Muitos deles foram criados para serem machistas. Sim, a sociedade ainda enfatiza posturas assim. Acredito que o filme pode propor uma reflexão de eles repensarem como lidam em família e com a sua companheira. E acrescenta: “É importante o tema estar inserido no audiovisual, na TV, teatro, justamente para que o homem também possa ter múltiplas visões. Não podemos viver numa sociedade machista na qual os homens acham que está bom e ainda tenham o velho discurso: ‘Mas isso é normal, né? Fui criado assim’. Não é e não pode ser normal”.

Mãe de Pedro, de 13 anos, a atriz entende que a mudança na estrutura da sociedade começa em casa: “Eu tenho um filho e o crio de uma maneira que ele possa entender realmente que o machismo não é algo bom e assim dividir com os amigos uma visão mais consciente. É um trabalho diário e ele é uma pessoa incrível. E Pedro lida muito bem com todas as meninas, que gostam muito dele”.

"Nós somos potentes. Olha quantas conquistas tivemos e teremos sempre. É aí que o feminismo coloca o dedo na ferida do machismo” (Foto: Mabru Rodrigues)

“Nós somos potentes. Olha quantas conquistas tivemos e teremos sempre. É aí que o feminismo coloca o dedo na ferida do machismo” (Foto: Mabru Rodrigues)

As narrações ao longo do filme contam um pouco do histórico de luta por direitos e representatividade, da submissão das mulheres do período colonial – no qual o Código Civil dava àquelas casadas o status de “incapazes” – à busca por direitos no mercado de trabalho e a criação da Lei Maria da Penha. Os esquetes com situações do cotidiano ilustram o tema de cada narração e levam o roteiro aos dias atuais, em uma mistura de documentário e ficção, com atuações de Kizi Vaz, Josi Larger, Maria Fernanda Kopacheski, Bruno Suzano, Rodrigo Candelot, entre outros.

“Fizemos uma pesquisa sobre toda a jornada da mulher na sociedade, até os dias atuais, e pinçamos os momentos mais marcantes de cada era. É difícil aceitar que as mulheres ainda sofram muito preconceito, principalmente no mercado de trabalho. No meio audiovisual, por exemplo, roteiristas e diretoras não são levadas tão a sério quanto homens que ocupam as mesmas funções”, comenta a diretora Camila Cohen.

Segundo a diretora, que assina também o roteiro, o acerto na produção é uma prova da competência das mulheres no audiovisual, ainda que o meio seja de homens. Com exemplos objetivos, a cineasta não acredita que assuntos que ferem a liberdade e autonomia da mulher devam ser deixados subentendidos para o espectador: “Tentamos mostrar de uma forma explícita os preconceitos que as mulheres viveram e ainda vivem. No passado era de um jeito, agora é de outro. Evoluímos muito enquanto sociedade, mas não quer dizer que os problemas acabaram”, reflete.

"Tentamos mostrar de uma forma explícita os preconceitos que as mulheres viveram e ainda sentem na pele", diz a diretora Camila Cohen (Foto: Acervo pessoal)

“Tentamos mostrar de uma forma explícita os preconceitos que as mulheres viveram e ainda sentem na pele”, diz a diretora Camila Cohen (Foto: Acervo pessoal)

Kizi corrobora com a diretora que a intenção é promover o diálogo entre homens e mulheres sob uma ótica democrática: “A personagem é uma mulher contra uma sociedade arcaica, totalmente doente e machista. Queremos direitos iguais, não é uma briga, não é uma guerra. Nós somos potentes. A mulher é potente demais dentro da sociedade. Olha quantas conquistas a gente teve, tem e ainda vamos ter. É aí que o feminismo coloca o dedo na ferida”.

Em meio à pandemia, diversos projetos não puderam ganhar vida, tanto por falta de incentivo, como pelas próprias restrições sanitárias. Apesar disso, o consumo de cultura nunca esteve tão elevado. Kizi desabafa sobre o momento difícil na carreira e a possibilidade de atuar: “O curta veio em um momento difícil para mim em relação à profissão. Foi uma injeção de ânimo, uma renovação e poder acreditar que ainda é possível. E bebemos da cultura durante a pandemia ficando em casa, assistindo séries, filmes. A cultura alimentou a alma e a mente de muitas pessoas. Eu espero que a nossa sociedade entenda que sem cultura somos vazios tal qual uma página em branco”. 

“Não podemos viver numa sociedade machista onde os homens acham que está bom. ‘Mas isso é normal, né? Fui criado assim’. Não é e não pode ser normal”. (Foto: Mabru Rodrigues)

A programação do curta inclui uma live, que será transmitida no dia 30 de março, propondo um debate sobre o tema e permitindo que mulheres troquem experiências e sejam ouvidas. A iniciativa será aberta ao público e contará com a presença de membros da equipe e personalidades femininas.