*por Vitor Antunes
Cria da Baixada Fluminense, Kizi Vaz, interpreta a Nina de “Terra e Paixão“. Retrato de seu tempo, nos quais os atores não têm mais exclusividade com as emissoras e/ou produtoras, Kizi poderá ser vista, além da novela de Walcyr Carrasco na Globo, em outros dois projetos: a série “O Jogo que mudou a história“, do Globoplay, que retrata o surgimento das facções do narcotráfico na cidade do Rio de Janeiro e também tem o “How to be a Carioca” que estará no Star+. Para Kizi, o atual momento do audiovisual para a população preta é algo muito potente: “A representatividade preta nessas plataformas tem um impacto muito significativo, muito importante mesmo. Eu acho que assim é possível ter uma indústria audiovisual mais inclusiva e plural”.
A atriz é nascida no Jardim Primavera, Duque de Caxias (RJ) e já sonhava ser atriz quando vivia naquela cidade, que padece de atividades e projetos culturais. “Quando me despertou a vontade de fazer teatro, de ser atriz, eu não tinha opção em Caxias. Não havia cursos de teatro gratuitos e eu não podia pagar por um, então ali eu vi essa dificuldade”. Aprovada no grupo “Nós do Morro“, do Vidigal, deu muito duro. “Trabalhava de manhã, desde 6h. Cheguei a ocupar-me numa loja de bijuterias e saía deste comércio às 16h. Ia pro Vidigal pra fazer o curso e voltava para Caxias na hora que o ensaio acabava. Havia aí outro problema que era o deslocamento para a Baixada”. Sem transportes que liguem de maneira efetiva as regiões fluminenses, a atriz acabou por se mudar para o Vidigal. E desde então construiu uma sólida carreira. A atual trama das 21h é a sua segunda no horário. Kizi já esteve em “Babilônia”, “RockStory”, “Gênesis” e “Ilha de Ferro“.
NA ESTRADA
Embora em Duque de Caxias ainda haja ao menos três teatros, a existência de projetos culturais voltados a isso é uma nulidade. Algo que se reflete em outras cidades da Baixada. Dos 13 municípios deste território fluminense, além de Caxias, só há teatros em São João de Meriti e Nova Iguaçu. Outras como Belford Roxo e Mesquita não têm sequer salas de cinema. Tamanha desconexão do poder público acabou por levar Kizi para o projeto Nós do Morro, na Zona Sul carioca “Minha mãe viu uma entrevista que o Guti Fraga, presidente do grupo, deu na TV em algum programa. Eu me inscrevi no “Nós do Morro”, local onde tive a minha base artística toda. Nessa época morava em Caxias e tinha de estar de segunda a quinta no Vidigal”. Em quilometragem, são 45 km que separam os dois locais. Como não há condução direta de transporte público a viagem pode chegar a até 3h de duração.
Kizi destaca que sem a sua mãe nada seria possível: “Eu tive um apoio muito grande da minha mãe. Ela sempre me fortaleceu muito. Ela me incentivou em não deixar de fazer as minhas aulas de teatro porque era um grande custo de passagem. Depois acabei me mudando para o Vidigal para ficar mais próximo das atividades culturais que eu praticava”.
Ainda sobre a sua cidade de origem, perguntamos a Kizi o que falta para fazerem as pessoas do Jardim Primavera, seu bairro de origem, florescerem: “Eu acho que essas pessoas precisam realmente florir. Para isso é necessário dar acesso a quem não tem acesso. Eu tenho muito orgulho de onde eu vim, de onde eu me criei e sempre falo com um sorriso no rosto. Eu sou da Baixada. Mas eu sempre senti falta de uma uma estrutura no Jardim Primavera, de promoção de serviços básicos, como saneamento, saúde, cultura. Quando eu fiz o meu primeiro projeto cultural lá eu vi no rosto das crianças a alegria de ter contato com a cultura, com a dança, com os esportes. Isso transforma vidas. Eu também sou essa flor que saiu de lá e quero que todos floresçam sempre”, esperança-se. Kizi quer montar um projeto social em Caxias para contemplar crianças e adolescentes.
“Terra e Paixão” é a segunda novela de Kizi às 21h. “Eu estou muito feliz de estar fazendo mais uma novela das nove. Todos os dias quando eu vou pra gravação, eu aprendo demais quando estou contracenando com atores que eu admiro. Vivenciar isso é muito bom. Eu sempre quis fazer uma novela do Walcyr, sempre admirei demais o trabalho dele. E estou sendo dirigida também por diretores pretos, o que ajuda e é de uma grande representatividade, de um grande impacto”
A gente precisa de cada vez mais conquistar esse espaço, mas eu acho que estamos num bom caminho. Fico muito feliz com toda representatividade. Eu acho que é importantíssimo o que está acontecendo. Crianças e adolescentes, estão se sentindo representados. Isso gera um impacto não só cultural, mas na vida das pessoas – Kizi Vaz
MULHER
Kizi é mãe de Pedro, 15 anos. A adolescência, geralmente uma fase complicada para a família e para o próprio adolescente, é entre eles calcada sempre em muito diálogo. “Temos uma relação de muita confiança, de muita troca. Ele aprende muito comigo e eu aprendo muito com ele. Tem aí o lado materno protetor, mas eu vejo ele muito como meu amigo. Ele é um menino muito compreensivo, calmo, libriano”. E a atriz traz uma observação importante para o lugar que costumam colocar as mães e especialmente a maternidade. “A sociedade impõe que a mãe deve se mostrar forte o tempo inteiro pros filhos e eu tento quebrar isso, mostrar também que eu estou triste, que eu não estou bem, que estou um pouco nervosa e ele vem e me aborda de uma maneira que me emociona. Sou muito grata a Deus por ter um filho tão maravilhoso e parceiro, amigo”.
Diante de uma pessoa que vive da arte, que manifestação artística – livro, filme, documentário – mais a transformou enquanto mulher preta? “Difícil selecionar. Há um que me atravessou de uma forma muito positiva que é um da Maya Angelou cujo nome é “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola“, eu sou apaixonada e de fato isso me transformou assim, me abriu os olhos pra um caminho muito bom. Eu tenho um amor imenso por essa história. Além desse tem o da Viola Davis, que é “Em busca de Mim“, e que teve um impacto muito grande na minha vida não só como mulher preta mas como artista também. Eu sou admiradora do trabalho da Viola. Tem um documentário que gosto por ter sido dirigido pela Ju Vicente que é sobre os Racionais MC’s, e a Ju hoje me dirige na novela. Destaco também o “O feminismo é para todo mundo“, da Bell Hooks e “Quem tem Medo do feminismo Negro“, da Djamila Ribeiro. Sem dúvida, o que me transforma, também, enquanto mulher são os poemas da Conceição Evaristo”
Entre estas obras, Kizi dá um destaque maior a uma com a qual se liga intimamente: “Raízes Negras“, do Alex Halley (1921-1992) no qual conta a história ficcional de Kunta Kinte, ativista negro que tinha uma filha chamada Kizzy. “A minha mãe me deu esse nome por que viu uma série que se chamava “Raízes”, inspirada no livro, que anos depois consegui encontrar num sebo. Esse é importantíssimo para mim”
Um dos trabalhos relevantes de Kizi Vaz foi a série “Ilha de Ferro“, da Globoplay. O projeto retratava o cotidiano das plataformas de petróleo, ambiente que costuma ser hostil às mulheres, que não são muitas neste tipo de serviço. “Foi um laboratório bem profundo, tivemos que fazer um curso no Instituto de Ciências Náuticas. Quanto à aspereza do ambiente para as mulheres isso existe e é um problema em algumas plataformas de petróleo, mas eu acho que essa indústria está mudando. As mulheres às quais eu tive contato relatam que são muito respeitadas. Eu acredito que a mulher, ela pode fazer o que ela quiser. As que conheci são super vaidosas, com unha grande, maquiagem. Eu amei assim. Muitas empresas estão trabalhando pra melhorar essa essa igualdade de gênero e criar um ambiente de trabalho mais inclusivo e seguro para as mulheres não passarem por hostilidades, estas são coisas que nao deviam nem existir”, finaliza.
Créditos:
Styling Samantha Szczerb
Cabelo Diva’s
Agradecimentos (Equipe Kizi): Portinho RJ, TVZ e Gutê
Beleza Titto VidalArtigos relacionados