Kellys Kelfis estreia reality no streaming rodando o país no seu Fusca 1984: “Produzir no Brasil é faca na bota”


Além do reality show, ‘Pintando o 7 com Gaspar (apelido do Fusca em homenagem ao personagem de HQ Gasparzinho)’, que estreou na Amazon Prime Vídeo, a atriz, cineasta e produtora, realizou o ‘Pintando o 7 – Arte na Quarentena’, para levar arte e esperança a quem está isolado. “Adaptei meu Fusca e coloquei um inversor nele, para que saísse energia elétrica. Também instalei uma caixa de som e um projetor, e saí pelos bairros da cidade projetando exposições de arte, poesia, música e peças de teatro auditivas-sensoriais nas paredes dos prédios de alguns bairros como Santa Teresa, Gloria, Catete, Laranjeiras, Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra”

*Por Brunna Condini

Um fusca na mão e uma ideia na cabeça. Foi assim e movida pelo desejo de mostrar um recorte da arte e da cultura brasileira que a atriz, produtora e cineasta Kellys Kelfis pegou o seu carro – o Fusca 1984 batizado Gaspar – e foi daqui, do Rio de Janeiro, até Natal, no Rio Grande do Norte, rodando mais de 2.000 km e registrando a experiência em detalhes. Ela mergulhou fundo na jornada ao lado da irmã e diretora de fotografia, Malu Amaral, sua partner na empreitada da primeira temporada, que pode ser conferida no reality show ‘Pintando o 7 com Gaspar‘, estreia do serviço de streaming Amazon Prime Vídeo.

Em bate-papo com o site HT, Kellys relembra o nascimento do projeto: “Descobri que estava com síndrome de pânico e, por conta disso, parei de viajar de avião. Daí minha amiga, a produtora Suzy Leal, me convidou para visitá-la em Natal e me disse: “Vou de avião e voltamos de Fusca para cá”, recorda a artista, que tem ‘Gaspar’ há seis anos. “Peguei uma câmera GoPro que eu tinha levado e comecei a filmar em cima de uma ponte, quando estávamos em um trecho da viagem. Naquele momento, eu pensei que seria incrível viajar pelo Brasil com o meu Fusca descobrindo cultura, arte, gastronomia, pessoas interessantes e compartilhando com as pessoas. Logo depois criei o piloto do programa”.

"A produtora e cineasta Kellys Kelfis pegou o seu carro - o fusca 1984 em questão - e foi daqui, do Rio de Janeiro, até Natal, no Rio Grande do Norte, rodando mais de 2000 km e registrando a experiência em detalhes (Reprodução)

“A produtora e cineasta Kellys Kelfis pegou o seu Fusca 1984 e foi do Rio de Janeiro, até Natal, no Rio Grande do Norte, rodando mais de 2.000 km e registrando a experiência em vídeo (Reprodução)

Ela chama o automóvel de ‘Gaspar’ em alusão ao ‘Gasparzinho’ do filme, já que o carro costuma ser tão ‘camarada’ com sua dona quanto o ‘fantasminha’ dos cartoons. E é a bordo de Gaspar, o Fusca, que Kellys viajou por oito estados do Brasil: Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Foram quase 70 dias na estrada, visitando 30 cidades, mergulhada em seu ‘roadie movie cultural’ .

“O mais difícil de tudo foi conseguir patrocínio. E consegui. Levantei um dinheiro que não era o ideal, mas suficiente. Também tirei do meu bolso para completar, mas considero isso um investimento”, analisa a produtora. “O que foi difícil na estrada, por exemplo, era aguentar muitos caminhoneiros que vinham com tudo, jogavam luz alta em cima. Aguentar essa ansiedade na estrada era bem complicado, mas nunca pensei em desistir. Até porque essa é uma característica minha, vou até o fim nas empreitadas, mesmo que não deem certo”, completa ela, que com a realização do reality também pretende romper preconceitos e padrões, já que muitos não acreditavam que duas mulheres pudessem sair em uma aventura como esta.

Kellys Kelfis e Malu Amaral em selfie tirada por Malu em madrugada no meio da estrada: "Nunca pensei em desistir. Até porque essa é uma característica minha, vou até o fim nas coisas" (Arquivo pessoal)

Kellys Kelfis e Malu Amaral em selfie tirada por Malu em madrugada no meio da estrada: “Nunca pensei em desistir. Até porque essa é uma característica minha, vou até o fim nas coisas” (Arquivo pessoal)

Foram mais de 15 mil quilômetros em quase três temporadas gravadas. No momento, Kellys grava a terceira, interrompida mais uma vez, por conta da pandemia. Segundo a cineasta, nenhum ‘perrengue’ muito grande aconteceu durante a jornada. “Olha, nem pneu furou, você acredita? Toda vez que falo disso, faço propaganda de graça para Goodeyer, hein (risos). Só uso esses pneus no Gaspar direto. Mas falando sobre imprevistos no caminho, lembro que teve uma cidade chamada algo como ‘viva alma’ (risos), que realmente era muito escura, pequena. Chegamos e só vimos uns homens, que ficaram nos olhando de forma estranha. Só senti medo neste dia. Na verdade, foi mais uma intuição. E resolvemos não ficar, seguimos até a próxima cidade. Tínhamos esse acordo: quando uma sentisse algo estranho, ficasse desconfortável, embarcaríamos”, lembra.

Durante o reality, 'Gaspar' rodou inclusive, na cidade natal de Kellys, Patos, na Paraíba (Divulgação)

Durante o reality, ‘Gaspar’ rodou inclusive, na cidade natal de Kellys, Patos, na Paraíba (Divulgação)

História de amor que dá frutos

Natural de Patos, sertão da Paraíba, Kellys revela que morou 24 anos em Brasília, no Distrito Federal, e conta que quando se mudou para o Rio de Janeiro há 12 anos. Tinha um automóvel mais ‘moderninho’, mas ao se mudar para o bairro de Santa Teresa, se apaixonou pelos fuscas, que são frequentemente vistos circulando por lá. “Um dia, uma amiga, a Inez Viegas, mandou uma foto de um Fusca que estava à venda, era o Gaspar. Na mesma hora liguei para o antigo dono, que estava naquele momento na fila de um banco para pegar um empréstimo, já que tentava vender o carro há muito tempo, sem sucesso. Ele precisava muito da grana. Testei o carro e fiquei alucinada. Nunca tinha dirigido um fusca e aqui nas ladeiras de Santa, parecia que estava andando em uma montanha-russa, muito gostosos”, diverte-se, recordando o início da ‘história de amor’ com Gaspar. “No dia seguinte à compra, fui à uma estreia teatral no Planetário da Gávea, e quando estava estacionando o carro, ele engasgou, mas deu para estacionar e fui ver o espetáculo. Na volta, não conseguia dar partida nele. Liguei para o proprietário antigo e ele fez uma pergunta simples: ‘Você abasteceu?’. Eu vi que esqueci, estava acostumada a carros mais modernos (risos), que sinalizavam a falta de combustível. Fui abastecer e buscar uma amiga, que depois de ouvir a história, chamou meu fusca de ‘Gaspar, o fusca camarada’, já que ele só parou após estar na vaga, seguro, não me deixando na mão”.

"Testei o carro e fiquei alucinada. Nunca tinha dirigido um fusca e aqui nas ladeiras de Santa, parecia uma montanha russa" (Reprodução)

“Testei o carro e fiquei alucinada. Nunca tinha dirigido um fusca e aqui nas ladeiras de Santa, parecia uma montanha russa” (Reprodução)

A primeira e a segunda temporada do reality foram gravadas em 2019, e por conta da pandemia, as gravações foram interrompidas em 2020, mas o projeto não só seguiu, como ganhou desdobramentos. “Tinha consciência que as pessoas confinadas ficam mais ansiosas, deprimidas, apreensivas, então fiz um pocket do ‘Pintando o 7 com Gaspar’. Não pude rodar o Brasil em 2020 para gravar a terceira temporada, mas criei o ‘Pintando o 7 – Arte na Quarentena’. Adaptei meu Fusca e coloquei um inversor nele, para que saísse energia elétrica. Também instalei uma caixa de som e um projetor, e sai pelos bairros da cidade projetando exposições de arte, poesia, música e peças de teatro auditivas-sensoriais nas paredes dos prédios de alguns bairros como Santa Teresa, Gloria, Catete, Laranjeiras, Copacabana, Ipanema, Leblon e Barra. Foram meses fazendo esse trabalho. Quando começou a flexibilização, parei, até porquê o ‘Arte na quarentena’ fazia sozinha, tinham alguns poucos patrocinadores e apoiadores. Mas o retorno das pessoas ao projeto foi realmente incrível. Este ano, já gravei uma parte da terceira temporada, faltam duas viagens que devo fazer, com segurança, até o final do ano”, anuncia.

Projeto ‘Pintando o 7 – Arte na Quarentena’: "Adaptei meu fusca e coloquei um inversor nele, para que saísse energia elétrica. Também instalei uma caixa de som e um projetor, e sai pelos bairros da cidade projetando exposições de arte, poesia, música e peças" (Reprodução)

Projeto ‘Pintando o 7 – Arte na Quarentena’: “Adaptei meu fusca e coloquei um inversor nele, para que saísse energia elétrica. Também instalei uma caixa de som e um projetor, e sai pelos bairros da cidade projetando exposições de arte, poesia, música e peças” (Reprodução)

Também produtora do documentário ‘O Cravo e a Rosa’ (2017) sobre o casal Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça, Kellys confidencia que essa experiência na produção, aliada ao fato de ser mulher e nordestina, foi fundamental no combo ‘atitude’, para encarar o desafio. “Na parte de apresentação do reality, contando histórias e para buscar patrocínios, o lado da atuação me ajuda muito. Já produzir, é uma coisa que faço desde que me formei como atriz, é natural para mim. E ser nordestina é aquilo: ‘faca na bota’ (risos). Como na canção de Luiz Gonzaga: “Paraíba masculina/Muié macho, sim, sinhô/Paraíba masculina/Muié macho, sim, sinhô”. Isso me deixa, sim, mais potente para lidar com o machismo, preconceitos e adversidades. Na verdade, acho que você ser mulher, empreendedora e se autoproduzir, já te dá uma força muito grande. E juntando tudo isso, com o lugar de onde você vem, com suas raízes, as heranças ancestrais, o céu acaba sendo o limite”.

Kellys ao lado de Tadeu e seus bonecos, em Recife: "Acho que você ser mulher, empreendedora e se autoproduzir, já te dá uma força muito grande." (Foto: Malu Amaral)

Kellys ao lado de Tadeu e seus bonecos, em Recife: “Acho que você ser mulher, empreendedora e se autoproduzir, já te dá uma força muito grande.” (Foto: Malu Amaral)

Arte, filhos e bichos

A artista de 42 anos é mãe de Gabriel Roque, 22, e Luiz Felipe, 17, e também de cinco cachorros e três gatos. “Meus filhos são minha vida. Me transformei com a chegada deles, principalmente com o primeiro, que não foi planejado e chegou quando eu tinha 18 anos”, divide. “Ter um filho é pensar que todo dia você tem que botar comida na mesa, mesmo quando as coisas estão difíceis. E ser mãe muito cedo, é saber que de alguma forma, você tem que reverter situações não favoráveis. Acho que minha criatividade começou aí, pensava: como vou alimentar essa criança? Fui me transformando. Posso dizer que ser mãe nova foi a melhor coisa que me aconteceu”.

Aos 42, Kellys é mãe de Gabriel de 22, e Luiz Felipe, de 17 anos: "Meus filhos são minha vida" (Reprodução)

Aos 42, Kellys é mãe de Gabriel de 22, e Luiz Felipe, de 17 anos: “Meus filhos são minha vida” (Reprodução)

Ela também fala do afeto que a une aos seus pets: “Os cachorros e os gatos são todos adotados. E meu último é o Bigg. Ele é de uma amiga que está desaparecida (a boliviana Yovanka Inés Hoffmann, que desapareceu há 1 ano no Rio de Janeiro, após caminhada no Morro Dois Irmãos, na Zona Sul). Bigg está comigo há 11 meses. Ela pretendia buscá-lo em dezembro do ano passado. Veio e chegou a ficar um tempo com ele na Ilha de Guaratiba, mas precisou deixá-lo comigo novamente por uns dias. Depois, foi fazer uma trilha e disse que na volta buscaria Bigg para voltar para o Uruguai com ela, onde vivia, mas desapareceu e nunca mais ninguém teve notícias. Hoje Bigg se tornou meu filho e minha família tem muito amor por ele”.

Ela também 'adotou' Biggie, o cachorro da amiga boliviana Yovanka Inés Hoffmann, que desapareceu ano passado (Rerpodução)

Ela também ‘adotou’ Biggie, o cachorro da amiga boliviana Yovanka Inés Hoffmann, que desapareceu ano passado (Rerpodução)