Karen Junqueira sobre ataques nas redes sociais: ‘Uma vez, um homem me ameaçou de morte nessa terra de tanto ódio’


Após a edição especial de ‘Haja Coração’, a atriz está novamente em cena na TV com a novela ‘Império’, de Aguinaldo Silva. Sobre a primeira novela, Karen fala sobre como sofreu ataques nas redes sociais por conta da personagem Jéssica e como lida com os insultos: “Não respondo, apago comentários ofensivos e não discuto com essas pessoas. Penso que a internet é uma ‘terra de fakes’, na qual as pessoas criam uma conta falsa e acreditam que podem falar o que quiserem, pois não existe consequência”. Durante a entrevista, a artista também nos conta sobre como é estar na gestão de um laboratório de análises durante a pandemia, a repercussão da carta na qual falou abertamente sobre o estupro sofrido na infância

*Com Bell Magalhães

Karen Junqueira está de volta às telas na reprise de ‘Império’, de Aguinaldo Silva, vencedora do Emmy de Melhor Novela, em 2015. Na trama, a atriz vive Fernanda, uma jornalista com sonhos fúteis e apaixonada por joias. Para Karen, a oportunidade de se ver novamente em cena a fez enxergar o próprio trabalho de uma outra forma. “As novelas têm reprises depois de muitos anos, mas foi uma escolha extraordinária e uma forma de adaptação à pandemia. Tem um ano que não trabalho com atuação e que os projetos estão congelados, mas fico feliz em me ver de novo nas telas”, conta, acrescentando: “Fiz amizades e tive a experiência de ver o meu trabalho com outros olhos, mas sem tanta cobrança sobre a minha atuação. Não tenho mais essa crítica do que eu poderia ou não ter feito, mas foi nostálgico”.

Karen Junqueira fala sobre trabalho, autoconhecimento e planos para o futuro (Foto: Sergio Bochart)

Karen Junqueira fala sobre trabalho, autoconhecimento e planos para o futuro (Foto: Sergio Bochart)

Anteriormente, a artista pôde ser vista na edição especial da novela ‘Haja Coração’, escrita por Daniel Ortiz, com colaboração de Patrícia Moretzsohn, Flávia Bessone, Isabel Muniz e Nilton Braga. Karen, que, na vida real, administra uma filial de uma rede de laboratórios, ficou marcada pela personagem Jéssica, que era conhecida pelas emboscadas e maldade ímpar. À época, a atriz revelou que sofria ataques nas redes por conta do papel que interpretou no folhetim e, hoje, cinco anos depois da exibição original, os insultos continuam. Para ela, o fenômeno da quebra de barreira entre a ficção e a realidade tem dois opostos: “Existe o lado positivo, em que você sabe que a sua personagem está fazendo sucesso, e o negativo, que é quando as pessoas confundem o artista com o personagem. Óbvio que aquilo é fictício e que não sou assim, mas as pessoas me mandaram mensagens de ódio na época da exibição e continuaram, agora, com a reprise. É sinal de que fiz um bom trabalho, onde o público reconheceu que o comportamento da minha personagem era errado”, afirma.

“Existe o lado positivo, que você sabe que está fazendo sucesso , e o negativo, quando as pessoas confundem o artista com o personagem” (Foto: Sergio Bochart)

Segundo o psiquiatra e escritor Augusto Cury, ‘dar a outra face é um sinônimo de maturidade e força interior’, e Karen compartilha do mesmo pensamento a respeito dos que a atacam na internet. “Não respondo, apago comentários ofensivos e não discuto com essas pessoas. Uma vez, um homem me ameaçou de morte. Penso que a internet é uma ‘terra de fakes’, na qual as pessoas criam uma conta falsa e acreditam que podem falar o que quiserem, pois não existe consequência”. A atriz também alerta para o fato de ter encontrado contas de menores de idade entre os ataques e diz que os responsáveis têm o dever de educá-los nesses casos: “Às vezes são contas de adolescentes que não entendem as consequências dos próprios atos. Uma vez vi um comentário e quando fui abrir o perfil, era uma menina que deveria ter, no máximo, 13 anos. Acredito que as crianças precisam ser orientadas pelos pais para entenderem a gravidade”.

“Não respondo, apago comentários ofensivos e não discuto com essas pessoas” (Foto: Sergio Bochart)

Parte do ódio direcionado à figuras públicas ou anônimas que toma conta das redes, segundo Karen, se intensificou com a pandemia do coronavírus, gerando uma espécie de ‘estresse coletivo’ que fez com que ‘as pessoas estejam emocionalmente confusas por causa do isolamento social e enfrentando um vírus que nem a nossa geração nem a dos nossos pais passou’, e fala sobre a exposição generalizada promovida pelas redes sociais: “As pessoas se tornaram muito intolerantes. Se você falar comigo algo que eu não concorde, vou responder a você com respeito, mesmo que tenha uma escolha diferente da minha. Somos seres individuais e devemos respeitar a opinião do outro. Respeito é a base de tudo. Temos que procurar ter empatia, igualdade e compaixão e procurar sempre fazer o bem. É uma escolha”. 

"Respeito é a base de tudo. Temos que procurar ter empatia, igualdade e compaixão e procurar sempre fazer o bem" (Foto: Sergio Bochart)

“Respeito é a base de tudo. Temos que procurar ter empatia, igualdade e compaixão e procurar sempre fazer o bem” (Foto: Sergio Bochart)

‘Se olhar no espelho’ 

O autoconhecimento é uma ferramenta muito importante para Karen quando o assunto é o gerenciamento das emoções. Adepta da terapia há anos, ela conta que as sessões foram essenciais para entender seus próprios sentimentos, e fala sobre os benefícios da prática, que ainda hoje é vista como um tabu na sociedade. “As pessoas têm uma visão errada da terapia. Cada um deveria buscar se conhecer. Quando você se conhece, é possível perceber e avaliar atitudes e separar melhor as certas e erradas. Percebemos os nossos defeitos, qualidades e o que pode melhorar. Não sou perfeita e estou longe disso, mas procuro me conhecer o melhor possível para errar menos”. Para a artista, o distanciamento social também intensificou esse processo: “O isolamento colocou os fantasmas de todo mundo à mostra, e nos obrigou a olhar para o espelho e pensar: ‘é isso, preciso me conhecer’”.

“Cada um deveria buscar se conhecer. Quando você se conhece, é possível perceber e avaliar atitudes e separar melhor as certas e erradas” (Foto: Sergio Bochart)

O processo de reconexão e enfrentamento dos fantasmas do passado foi ainda mais intenso no primeiro mês de isolamento, em 2020. À época, Karen fechou a empresa e foi passar um mês na casa da mãe, em Caxambu, município de Minas Gerais. Lá, teve que revisitar a memória do estupro que sofreu aos 12 anos. Passados 26 anos, a atriz escreveu uma carta relatando a sua experiência como forma de alertar e incentivar outras vítimas de abusos a denunciarem seus agressores. 

"O isolamento colocou os fantasmas de todo mundo à mostra, e nos obrigou a olhar para o espelho e pensar ‘é isso, preciso me conhecer’"(Foto: Sergio Bochart)

“O isolamento colocou os fantasmas de todo mundo à mostra, e nos obrigou a olhar para o espelho e pensar ‘é isso, preciso me conhecer’”(Foto: Sergio Bochart)

“Fiquei muito mexida emocionalmente e, por conta da pandemia, quis expurgar esse trauma para poder ajudar o próximo. Guardar a história não serviria de nada, a não ser me machucar ainda mais e tentei transcender isso. Pensei: ‘já que passou e não posso fazer nada para apagar, por que não ajudar outras pessoas?’. Pude olhar o meu passado, abraçar aquela menina que sofreu tanto, falar para ela que aquilo já passou e ter a possibilidade de orientar a quem precisa”. Um ano após a declaração, lançou a campanha ‘Cuide da Infância’, com foco na conscientização da importância do cuidado e amparo à infância e adolescência. A atriz fala que foi essencial. pois acreditava que o seu papel não deveria parar na declaração: “Tive vontade de contribuir mais ainda. É importante falarmos, educarmos nossas crianças e ficarmos atentos aos sinais. Não me senti exposta com a campanha. Na realidade, tirei um peso das minhas costas”, desabafa.

Karen sobre o relato de assédio: “Para mim, guardar a história não serviria de nada, a não ser me machucar ainda mais e tentei transcender isso” (Foto: Sergio Bochart)

Infelizmente, a estrutura patriarcal e machista da sociedade faz com que crimes como esses não sejam tratados com a seriedade que lhes cabe. Além da denúncia, Karen afirma que as mulheres devem se munir de conhecimento para se blindar de agressões de qualquer gênero. “Na pandemia tivemos um aumento de casos de feminicídio. Em relacionamentos abusivos, por exemplo, a mulher talvez venha de uma criação que a ensinou que ela deve se submeter aos homens e não consegue encontrar um meio de lutar contra isso. Devemos estudar e procurar para quebrarmos as estruturas da sociedade e nos tornarmos mais independentes”.

A atriz diz que é preciso continuar batalhando pelos direitos femininos e já nota uma melhora positiva: “Já fui interrompida por homens enquanto estava explicando algo, menosprezando e subestimando a minha inteligência. Muitos fazem de forma inconsciente por conta da estrutura social em que vivemos, mas admiro os que entendem que estão errados e olham para esse movimento com carinho e respeito. Vejo as mudanças que estão acontecendo, mas ainda existe, por isso que devemos continuar no mesmo caminho de garantir respeito e equidade”. 

Karen sobre machismo: “Já fui interrompida por homens enquanto estava explicando algo, menosprezando e subestimando a minha inteligência” (Foto: Sergio Bochart)

Depois da pausa nos trabalhos com a atuação, Karen ocupa em tempo integral o cargo de gestão de um laboratório  de análises, no qual gerencia desde 2017. Apesar de não ser algo relacionado à carreira de atriz, ela diz que viu o negócio como uma oportunidade: “Não era a minha área, mas vi como uma forma de aprender novas atividades”. Quando chegou a pandemia, ela ficou ainda mais presente na gestão e precisou lidar com as incertezas do contágio e das informações escassas que chegavam.

“Fechamos por um tempo, mas quando voltamos, tive que estudar sobre testes de Covid-19 e gerenciar os meus funcionários. Estávamos sob muito estresse e medo por causa do vírus, mas eu e a maioria da minha equipe não se contaminou. Agora, nos organizamos, já temos vacina e nos estabilizamos, mas foram momentos de muita tensão”. Além do laboratório, a atriz fala que pretende usar o tempo fora das gravações para se aprofundar nos estudos para complementar a carreira de atriz. “Penso em fazer cursos de atuação, estou em projetos de teatro, mas é muito incerto. Fiquei o ano passado inteiro lidando direta e indiretamente com a pandemia e com a carta. Agora que fechei esse capítulo da minha vida estou animada para uma nova fase”, conclui.

“Fiquei o ano passado inteiro lidando com a pandemia e com a carta. Agora que fechei esse capítulo da minha vida estou animada para uma nova fase” (Foto: Sergio Bochart)