*por Vítor Antunes
Desde muito cedo na carreira de atriz, Karen Junqueira entra numa nova fase de sua trajetória. A artista compõe o elenco da série “Reis”, cuja atual temporada traz o conflito – e o pecado – de Bate-Seba (Paloma Bernardi). A sétima temporada da super produção da Record consolidou a vice-liderança do horário e depôs “Poliana Moça” do segundo lugar, quando a trama do SBT estava sendo exibida. Além de tudo, a novela-seriada marca o retorno da atriz com a emissora paulistana, TV da qual estava afastada desde 2012, quando fez “Máscaras” malsucedida trama de Lauro César Muniz. Sobre a antiga novela, Junqueira contemporiza: “Acho que sucesso ou fracasso sempre é uma junção de vários motivos”. Sobre a atual, celebra o protagonismo feminino e a ousadia da emissora, marcadamente evangélica, em trazer cortesãs à trama e mulheres com protagonismo. Para Karen uma das maiores características de sua personagem, Golda, é a “inteligência. (…) Ela usa sua sensualidade para flutuar em ambientes hostis”.
Além das artes, Karen dedica-se também às questões sociais, e por um motivo íntimo e pessoal. Ao tornar pública a questão do abuso sexual que vivera na adolescência, atriz volta-se em esforços para auxiliar outras crianças e adolescentes que passaram pela mesma experiência que ela. Em 2021, ela lançou a campanha #cuidedainfancia e, desde o ano passado, junto à Luciana Temer, criadora do instituto Liberta, participa do Movimento Nacional contra Abusos de Menores. Para a atriz, a violência sexual “é um crime que acontece diariamente, os números são alarmantes e as estatísticas são cada vez mais preocupantes. Necessário falarmos sobre isso”. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2021, no Brasil, a cada oito minutos ocorre um estupro. Mais da metade das vítimas, 57.8%, são menores de 13 anos. E, por hora, três crianças ou adolescentes são abusadas sexualmente.
REISADO, REINO, REINADO
“Reis” vem conquistando boa audiência e consolidando a emissora na vice-liderança. Desde o gigantesco sucesso de “Os Dez Mandamentos“, um dos maiores daquela TV, as apostas no segmento épico-bíblico vem encontrando um público cativo. Atualmente na sétima temporada – intitulada “O Pecado” – o projeto audiovisual traz Karen Junqueira no papel de Golda, uma cortesã. Perguntamos à atriz quais os o desafios de viver uma personagem de época, numa novela-saga, diante de texto e figurino diferentes, e como isso interfere/influencia o seu fazer artístico. Segundo Karen, “os trabalhos de época trazem riqueza na composição de uma nova personagem. Sou amante de séries épicas! Sempre acompanhei muitas, como “Ana Bolena“, na qual a protagonista possuía uma sensualidade emblemática e histórica e conquistou o homem mais poderoso da Inglaterra com este artifício, e em Lucrécia Bórgia, um dos personagens principais de “Os Bórgias“, que viveu um romance com seu próprio meio irmão, o que foi um escândalo. O comportamento dessas mulheres eram sutis, e elas altamente manipuladoras. Conseguiam seus objetivos pela inteligência, como é o caso de Golda”.
A despeito de ser uma novela com um viés mais religioso, “Reis” trabalha o desafio de abordar as feminina e da prostituição num mundo que obedecia a ótica patriarcalista. Para Karen, Golda lança mão da sua sensualidade “para flutuar em ambientes hostis. A hospedaria é frequentada por homens do exército que não tinham amor à vida. Elas lidavam com homens de poder, eram persuasivas e inteligentes. As cortesãs são muito antigas e isso não era um problema para homens religiosos. Acho que até hoje, aliás, desde que o mundo é mundo, isso é ligado a estrutura machista que vivemos. Ao patriarcado”, analisa.
RECONSTRUÇÕES E MATURIDADE
Neste, 2023, Karen completou 40 anos. Para a sociedade, o amadurecimento feminino tem um peso diferente ante o masculino. Perguntamos a ela se a chegada ao “enta” teve algum peso ou leitura diferente ou se isso implicou em alguma crise. Para a artista, não. “Acho uma grande besteira tudo isso. Todos nós vamos envelhecer. Temos que ter orgulho e dignidade da maturidade. Foi maravilhoso pra mim. Eu luto para que seja diferente em minha cabeça, para que eu viva em paz! Espero por novos desafios! Estou aberta aos meus desejos, não à expectativa de um movimento tão errado”.
Não sinto esse peso que sociedade coloca, mas eu o vejo. Não cabe pra mim, pois acho incoerente. Reparo que existe em todos os lados [da sociedade] essa preocupação, esses dogmas e preconceitos! Observo que muitas mulheres perdem o valor em suas profissões ao envelhecerem – Karen Junqueira
Outro assunto tratado com o devido cuidado e respeito pela atriz é a questão do abuso sexual, especialmente o infantil. Em 2021, a artista tornou público o fato de que, quando tinha 12 anos, fora abusada pelo pai de uma amiga. Desde então, Junqueira encabeça a campanha #cuidedainfancia, que visa trazer luz a este assunto. “Eu simplesmente reparei que o que passei na vida não ajudaria o próximo. Meu silêncio não mudaria o que aconteceu comigo. Então, resolvi me colocar como exemplo para mães protegerem mais suas crianças, para mulheres não terem medo de falar, para denunciarem. Fui em busca de diálogo e falar sobre uma crise que está em nosso cotidiano!”
Educação sexual não é falar de sexo precocemente. Ajudaria muito as crianças, necessário ter essa informação dentro de casa e nas escolas também. O governo deveria fazer uma campanha nacional de proteção à infância, alarmar as famílias, pois é um crime que acontece diariamente, os números são alarmantes e as estatísticas são cada vez mais preocupantes. Necessário falarmos sobre isso – Karen Junqueira.
Outro alerta importante diz respeito ao consumo de pornografia infantil. Dados divulgados pela IWF (Fundação de Monitoramento da Internet) apontam que as crianças são orientadas, enganadas e/ou extorquidas por abusadores e este material pornográfico produzido ilegalmente cresceu 65% em 2022. Para Karen deve haver a “massificação da informação e multa a sites que propagam este tipo de conteúdo. Já temos tecnologia para isso. O governo precisa se manifestar porque é um caso de saúde pública! Esse crime acaba com a vida de muitas pessoas, causam traumas e muitas vezes mortes”. E prossegue: “Conversar com as crianças desde cedo é uma ajuda enorme! Precisamos orientar, dialogar sobre isso. Muitas ficam caladas por anos assim como eu fiquei. Eu tinha apenas 12 anos. Sentia culpa e medo. Não tinha informação para entender o que aconteceu e não tive coragem de contar em casa. Não queria que acontecesse com outras meninas o que aconteceu comigo, por isso resolvi tornar público”.
RECORDISTA
Ainda que tenha feito bons trabalhos na Globo, como a soap “Malhação”, e a novela “Haja Coração“, na qual fo um dos vértices do triângulo amoroso do casal Shirley (Sabrina Petraglia) e Felipe (Marcos Pitombo), Junqueira fez a maior parte dos seus trabalhos em TV na Record. Foram 6 projetos, entre novelas e séries. Um dos seus trabalhos de maior repercussão na casa foi a participação em duas das três fases da trilogia “Os Mutantes“. Recentemente a novela foi redescoberta pelos telespectadores e tratada como ícone cult. Perguntamos à atriz como ela vê este trabalho hoje e como lida com os recorrentes memes dos quais a novela é alvo. E ela disse: “Vejo “Mutantes’ como uma novela inovadora. Se tivéssemos mais recursos na época, teríamos mais qualidade. Se fizéssemos um remake, faria grande sucesso, tanto que ainda é lembrada até hoje. Esse produto tem fãs que amam os personagens. E a novela animava a criançada!”
Ainda que tenha estado em um dos maiores sucessos da emissora, Karen também esteve em um dos projetos mais malquistos da TV paulistana: “Máscaras” (2012). Prevista de ser uma trama com muitos capítulos, cerca de 200, a novela respondeu muito mal na audiência e os teve reduzidos a 150. Porém, diante do trágico Ibope, a Record optou por uma decisão abrupta e cortou mais 25 capítulos da novela de Lauro César Muniz, que foi concluída com 125 episódios. Rejeitada pela crítica e rechaçada pelo público, “Máscaras” era tida como ininteligível frente à sua ousadia – tanto que sua vilã, vivida por Paloma Duarte não tinha nome, inicialmente. O folhetim da década passada é tido como um dos maiores cases de insucesso da Record ainda hoje – talvez acompanhado de perto pela recente série “TAGEM – Todas As Garotas em Mim“. Com o distanciamento do tempo, Karen diz que “O fracasso sempre traz, de um modo geral, aprendizados. A novela não teve audiência, mas tivemos outras questões. Eu fiquei triste na época, mas logo em seguida tomei a decisão de alçar novos rumos. Já estava na Record havia 5 anos e tudo valeu! Eu sou grande fã do Lauro César Muniz, tenho enorme respeito a ele, que me deu espaço e oportunidades! Acho que sucesso ou fracasso sempre é uma junção de vários motivos”.
Ainda sobre os recordes – sem trocadilhos – Karen viveu Rita Cadillac no cinema, em “Chacrinha: O Velho Guerreiro”. Cadillac foi uma das mais longevas assistentes de palco do eterno comunicador. Sobre haver interpretado esta personagem, a atriz é só elogios à Rit.a “Tive alguns contatos com ela, que foi super solícita comigo! Minha maior dificuldade foi dançar, mas encarei como um desafio e adorei participar do filme”. Para encerrar, Karen, que é nascida em Caxambu (MG) diz que o que há de mais mineiro em si é “O bom papo, com certeza”. Também destaca outra característica dos seus conterrâneos “Gosto muito de comer. Tenho um prazer enorme em tomar um belo café da manhã e o da tarde também. Isso é clássico dos mineiros: mesa farta e conversa boa!”.
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