Kadu Moliterno volta ao teatro, questiona valor irrisório de pagamento por reprises e nega participar de realities

*por Vitor Antunes

Depois de alguns anos fora dos teatros, Kadu Moliterno está de volta, na montagem de “O Futuro da Humanidade“, de Augusto Cury, escrita por ele e pela dramaturga Ingrid Zavarezzi, que estará em cartaz até fevereiro no Rio. Porém ele pondera que “se eu tivesse nascido nos Estados Unidos, em volume de trabalho eu poderia ser considerado um Robert de Niro. São mais de 34 novelas, seriados, shows, festivais… Se eu fosse americano eu não precisaria mais trabalhar, ou poderia escolher os meus trabalhos. No Brasil é diferente. Pode-se ter 53 anos de carreira como eu e depender de trabalho”, argumenta. Ainda que defenda os streamings e o surgimento de outras plataformas, Kadu pleiteia uma melhor forma de pagamento aos artistas. Segundo ele, pela reprise e licenciamento de “Água Viva” (1980), teria recebido R$ 340,00. Além da peça, Kadu está em dois longas: “Réquiem Para Dona Benta“, de Péterson Paim – uma releitura do Sítio do Picapau Amarelo e “Níobe” de Fernando Mamari”

Segundo o ator, que desde o início dos anos 1970 está na televisão, os streamings “vieram para melhorar o mercado de trabalho. Hoje temos mais opções de trabalho e a TV aberta perdeu muito com a chegada dele. As novelas jamais vão ter a mesma audiência de antigamente. Tanto que as grandes emissoras estão investindo no segmento, tanto a Globo com o Globoplay, como a Record com o PlayPlus. Acho saudável essa competição”.

Aos 71 anos, o ator diz sentir-se como que recomeçando na carreira, não apenas por esta montagem teatral, mas em razão do sonho de fazer uma continuação do “Armação Ilimitada“, série de sucesso, lançada em 1985. “Muita gente tem saudade e gostaria de ver os personagens amadurecidos. Trata-se de um filme que seria voltado à família”. Fazendo um trocadilho com o título da montagem, Kadu diz que “O futuro da humanidade já era discutido no ‘Armação‘. Já falavamos de ecologia, do aquecimento global… O futuro já é presente. Tanto que há tragédias pelo planeta, seca no Brasil, o Pantanal pegando fogo, a Amazônia sempre em discussão, tragédias e enchentes no Sul. O futuro chegou e não há saída”.

País sem memória. Para o Brasil pouco importa que você tenha feito 34 novelas. As pessoas ainda me olham e perguntam quem sou eu – Kadu Moliterno

Ao ter feito uma harmonização facial, Kadu foi duramente criticado nas redes sociais. “Meu pai dizia que uma crítica construtiva deve ser vista e absorvida. A negativa entra por um ouvido e sai por outro. Não levo a sério e não me aborreço”. Aliás, em se tratando da opinião pública, e em razão dela, Kadu diz que chegou a ser convidado a fazer realities, como “A Fazenda“, mas não aceitou. “Não faria. A minha maneira de ser, a importância que tenho profissionalmente e a confiança que as pessoas têm em mim não combinariam com um reality, a uma exposição excessiva em troca de um prêmio em dinheiro. É algo que não vai acrescentar em nada a minha vida. Não gosto dessa evidência, dessa exposição. Depois que fiquei famoso passei a me retrair e a participar menos de badalações. Fui convidado não uma, mas algumas vezes. Usaram da minha importância como artista para atrair público [para estes programas]”. O único reality que Kadu participou foi o Power Couple, que fez junto à sua esposa, a fisiculturista Cristiane Rodrigues. 

Desde sempre as coisas que não eram para acontecer, não aconteceram e as que tinham que acontecer, foram realizadas. Meu anjo da guarda me tira dessas roubadas – Kadu Moliterno

 

Kadu Moliterno: Da recusa aos reality shows, à volta ao teatro e os problemas com direitos conexos (Foto: Gutho Oliveira)

 O PLANETA SONHO SERÁ A TERRA?

Qual o futuro da humanidade? Ainda que há muitos anos haja uma procura, uma resposta para esta pergunta, nunca encontramos – e talvez nem encontraremos – resposta definitiva para ela. A frase sobre o “planeta sonho” é de uma música do grupo mineiro 14 Bis, escrita há 44 anos e era uma afirmação em vez de uma pergunta. Para Kadu, “falar sobre o futuro da humanidade neste momento é um achado. O público se emociona e sai transformado do teatro. É importante um teatro que diverte, mas também um que faça pensar. Meu personagem é intenso, forte, importante e de um autor que é o mais vendido no mundo todo”. Além de Kadu, outros atores veteranos do teatro compõem o elenco, como Pedro Pilar,  Thalita Drodowsky, Silvana França e Rodrigo Banks. Guilherme Uzeda é um dos nomes mais conhecidos, especialmente por fazer a personagem Tia do programa “Mulheres” da TV Gazeta.

Quem não faz novela no Brasil não é conhecido e isso é ruim. Os atores que fazem a peça são excepcionais, experientes e não são conhecidos, porque não fazem novela – Kadu Moliterno

Kadu Moliterno vive Falcão em “O Futuro da Humanidade” (Foto: Divulgação)

Para o ator, a tecnologia é ambivalente. Ao mesmo tempo que torna as coisas práticas, isola as pessoas. “As crianças hoje não brincam na rua com os amigos, não jogam bola, andam de patinete ou carrinho de rolimã. Elas se entretém com as telas. Eu sinto uma tristeza por essa geração que parece viver sem alegria. E a educação sofre muito com esse mundo tecnológico. Como eu nasci na década de 50, vivi os anos 60, os 70 – época de grande repressão – e os 80, momento de grande criatividade”.

Em tratando-se de criatividade, nos anos 1980, Kadu conta-nos um de seus sonhos cultivados há anos. “Tenho um projeto com o André di Biase em fazer uma continuação do ‘Armação Ilimitada’, Juba e Lula 40 anos depois. O texto está pronto e aprovado na Globo e na Globo Filmes tanto para virar cinema como para ser seriado. Estava pronto para ser levado ao ar antes da pandemia, mas o projeto parou. A série, mesmo levada ao ar em 1985, continua moderna”.

Estamos terminando um ciclo em que vários ídolos foram embora. Jô Soares (1938-2002), Rita Lee (1947-2023), Tarcísio Meira (1935-2021)… As pessoas da minha geração se entristecem em ver que a tecnologia não colabora com a educação e com a melhora do mundo – Kadu Moliterno

Um trisal vivendo um relacionamento poliamorista nos Anos 1980 em “Armação Ilimitada (Foto: Acervo/Globo)

Na opinião de Kadu, o excesso de remakes de novelas se justifica por uma limitação criativa. “anete Clair (1925-1983), Benedito Ruy Barbosa, Gilberto Braga (1945-2021), e Cassiano Gabus Mendes (1929-1993) não estão mais aí e os novos autores não têm a mesma mão, a mesma criatividade, a mesma habilidade. Os novos roteiristas não conseguem o mesmo que os antigos. As emissoras preferem o remake em razão para as novas gerações conhecerem esse produto lindo, cativante”.

Sobre o tempo, o ator diz que “jamais deixaria de atuar. O ator ele pode atuar a todo tempo. Aos 71 anos sou exemplo para muita gente de 50 anos que diz se inspirar em mim e e que voltou para a academia ou para a atividade física por conta disso. Os 70 chegam muito rápido e graças a Deus cheguei em forma. Tenho uma rotina muito rígida de atividades físicas, acordo muito cedo e sou casado com a Cristiane que é fisiculturista e isso nos ajuda a manter a forma. Quanto à beleza, quando comecei, sequer haviam cursos de interpretação. A gente era indicado por aparência física e por adequação ou não ao personagem. Minha experiência veio com o trabalho. Num primeiro momento a aparência física é importante, mas da terceira novela adiante já não me viam mais apenas como o garoto de olho claro, mas como a um ator”, finaliza.

Kadu Moliterno Rodrigo Banks e Rodrigo Uzeda em cena em “O Futuro da Humanidade” (Foto: Divulgação)