*Por João Ker
Jude Law ainda é um daqueles grandes galãs de Hollywood que bate um bolão, mesmo após ter encarnado um aristocrata traído pela mulher na última versão de “Anna Karenina” (idem, de Joe Wright, Universal Pictures, 2012). É isso que ele pretende mostrar com o seu novo filme “A Recompensa” (“Dom Hemingway”, 2013), que estreia em circuito nacional nesta quinta-feira (15/5) e no qual interpreta Dom Hemingway, um assaltante de cofres que passa 12 anos na cadeia para proteger um mafioso. Quando sai da prisão, Dom tem um apetite incontrolável por sexo, drogas e pela sua “recompensa” estratosférica por ter mantido a boca fechada em relação ao chefito.
A direção de Richard Shephard, habitualmente usada para algumas séries de TV como “Girls”, “Ugly Betty” e “Salem”, já abre o longa-metragem dando o tom daquilo que o espectador irá ver pelos próximos 90 minutos: Jude Law começa com voz em off falando barbaridades e classificando incessantemente seu órgão sexual como a oitava maravilha do mundo moderno por minutos a fio, em tom empolgado, enquanto vibra e cospe boca afora. Verborragia perde. Não que necessariamente haja dúvidas quanto às suas afirmações sexuais (talvez a ex-patroa Saddie Frost confirme alguma coisa da época em que o ator estava na flor da idade), mas é importante ressaltar que Dom Hemingway fará uso dessa tática ao longo de todo o filme: o personagem tem uma fenomenal capacidade de usar pelo menos uns cinco adjetivos na mesma frase para descrever qualquer objeto, pessoa ou ação, como se fosse um dicionário lexicografado por Antonio Houaiss. Quando o rostinho de Jude finalmente aparece em cena, ele está nu em pelos (infelizmente, o público só chega a ver até a cintura do cara) e, mirando o par de olhos azuis direto para o centro da câmera, continua seu monólogo de autoexaltação. Quem conhece os trabalhos anteriores do britânico provavelmente sofrerá uma espécie de déjà vu bizarro e lembrará instantaneamente de “Alfie – O Sedutor” (“Alfie”, 2004), aquele remake do clássico dos anos 1960 originariamente protagonizado por Michael Caine, no qual o personagem principal é um mulherengo que fazia reflexões para a lente do diretor, quebrando a quarta parede do cinema.
Durante o filme, o público acompanha Dom em uma liberdade redescoberta regada a porres orgíacos e carreiras de cocaína. Puro frenesi. A direção e a fotografia nem são excepcionais, mas têm seus momentos de inspiração aqui e ali. Por exemplo, quando o protagonista vê, cantando em uma escada, Paolina – a maior vigarista femme fatale do roteiro vivida pela romena Madalina Ghenea, uma mistura de Jessica Paré com Irina Shayk –, o glamour e a sensualidade da cena são tão fortes quanto os de um comercial de fragrâncias da Carolina Herrera, com direito a vento nos cabelos, flores sobrevoando a atriz e uma paleta de cores delicadamente construída. Quase uma campanha da Nina Ricci Parfums. Há também aquele fantástico e hilário momento quando um acidente de carro é feito em slow motion e Dom voa pelos ares enquanto uma mão, champanhe, pernas e sapatos rodopiam ao seu redor embalados por música clássica, em uma sinfonia do desastre.
Em seu âmbito, “A Recompensa” é uma comédia light, sobretudo se forem desconsiderados os insultos, palavrões e pequenos deslizes de nudez aqui e ali. Apesar de Jude Law provar que consegue carregar a veia cômica sozinho, seu companheiro de crime e fashionista enrustido Dickie Black, vivido pelo ótimo veterano Richard E. Grant, consegue acompanhar as peripécias de Dom com maestria e competência, fazendo com que os diálogos entre os dois personagens sejam espirituosamente inteligentes e pertinentes ao tom do filme. Os únicos momentos em que o clima chega a pesar e a consciência do protagonista transparece são nas cenas em que ele tenta reatar o relacionamento com a filha, vivida pela poderosa Khaleesi e Mãe dos Dragões Emilia Clarke (de “Game of Thrones”) que, mesmo com pouco tempo de tela, demonstra ser uma atriz com potencial para migrar da tevê para o cinema com naturalidade.
No geral, “A Recompensa” conserva semelhanças com “O Lobo de Wall Street” (The Wolf of Wall Street, de Martin Scorcese, Paramount Pictures, 2013), se seus dois protagonistas forem comparados, mas em alguns aspectos é menos barulhenta. Afinal, falta de escrúpulos, excessos, drogas, prostitutas, crises de consciência e um humor refinadamente escrachado são características que permeiam ambas as produções, salvas algumas diferenças, como orçamento e detalhes de roteiro. Veja bem: Dom parece a perfeita mistura de personagens que Leonardo DiCaprio interpretaria: o amoral Jordan de “O Lobo de Wall Street”, o temperamento explosivo do Billy em “Os Infiltrados” (The Departed, de Martin Scorcese, Warner Bros, 2006) e algumas excentricidades de Jay Gatsby em “O Grande Gastby” (The Great Gatsby, de Baz Luhrmann, Warner Bros, 2013). Mas, como o próprio protagonista de “A Recompensa” diz: “um homem sem opções tem todas as opções do mundo”. E, depois de alguns personagens menos atraentes ao público feminino, como o Karenin de “Anna Karenina”, um princípio de calvície, um par de chifres expostos publicamente e alguns quilos a mais, a escolha de Jude Law para voltar às comédias comerciais que cultuam sua bela figura é mais do que compreensível. Não que ele estivesse sem alternativa, mas é que, às vezes, um ator da novíssima velha geração (se é que ele pode ser classificado assim), precisa voltar e mostrar à nova safra, como Liam Hemsworth, Channing Tatum e Chris Evans, que um galã não é feito só de músculos e mandíbula quadrada – mesmo que para isso ele tenha que usar um dente de ouro e entrar em um filme que dificilmente ficará para a posteridade como uma obra genial.
Trailer Oficial de “A Recompensa”
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