* Por Carlos Lima Costa
Revoltado com declarações de Cássia Kis em entrevista ao canal no YouTube de Leda Nagle, o ator José de Abreu, que tem uma filha trans, Bia, integra três ações coletivas contra a intérprete da Cidália, de ‘Travessia’. “Fiquei muito chocado, triste com o que a Cássia falou, porque tenho uma preocupação grande com a minha filha. Ela mora na Califórnia, que é um local superaberto, mas quando vem pra cá, fico bastante tenso, porque o Brasil é o país que mais mata trans”, desabafa, repudiando fala homofóbica da atriz.
Por conta da violência contra pessoas trans, ele, inclusive, desaconselhou a filha sobre vir para as festas de Natal e Réveillon no país. “Ficaria preocupado de não estar com ela o tempo todo, porque estou gravando muito (José integra o elenco da novela ‘Mar do Sertão’)”, acrescenta e enfatiza o entendimento do STF. “O Supremo Tribunal Federal considera crime de homofobia igual ao de racismo, então, é um crime contra a sociedade. Não é contra um indivíduo é contra um monte de pessoas”, pontua.
O ator está sendo representado pela advogada Luanda Pires, especialista em Direito Antidiscriminatório. “Entramos com uma representação no Ministério Público Federal. Uma notícia-crime. A gente avisa ao Ministério Público da ocorrência do crime para ele apurar e, após investigação preliminar, propor uma ação penal em desfavor da Cássia em razão do crime de LGBTfobia. Além disso, na parte Cível propomos uma ação civil coletiva, pedindo uma indenização, cujo valor vai ser revertido à população LGBTQIA+. E, na Via Administrativa, ingressamos na Secretária de Justiça de São Paulo, com uma denúncia pelos mesmos fundamentos, por cometer LGBTIfobia”, explica Luanda, que é presidenta da Associação Brasileira de Mulheres LBTIs, em São Paulo. O ator é um dos autores das representações em conjunto com Paula Dalalio, psicóloga de São Paulo, e de instituições como Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) e o Grupo de Advogados Pela Diversidade Sexual e de Gênero.
Em um dos trechos da entrevista que concedeu YouTube, Cássia disse: “Não existe mais o homem e a mulher, mas mulher com a mulher e o homem com homem, aonde tem essa ideologia de gênero, que a gente já está vendo dentro das escolas com as crianças. Eu recebo imagens inacreditáveis de crianças de seis, sete anos se beijando, duas meninas dentro de uma escola se beijando, onde há, inclusive, ali o espaço chamado beijódromo, alguma coisa assim. O que está por trás disso? Destruir a família sem dúvida nenhuma. Mas destruir a família só? Não. Destruir a vida humana, porque que eu saiba homem com homem não dá filho, mulher com mulher também não dá filho. Então, como a gente vai fazer? Porque se você tem um casal gay é uma coisa quando eles querem adotar uma criança. Mas e quando não tiver mais, porque afinal de contas isso ainda é gerado dentro do útero de uma mulher e aí você ainda precisa de um óvulo e do espermatozóide, sim, para isso acontecer.”
Fiquei muito chocado, triste com o que a Cássia falou, porque tenho uma preocupação grande com a minha filha. Ela mora na Califórnia, que é um local superaberto, mas quando vem pra cá, fico bastante tenso, porque o Brasil é o país que mais mata trans – José de Abreu, ator
Abreu está indignado também por conta dos inúmeros colegas e profissionais de seu meio. “Não sei qual é o percentual, mas trabalho em um ambiente onde a grande maioria é gay, lésbica, enfim, LGBT. Aí vem a Cássia Kis com mais de 40 anos de carreira e fala isso! As pessoas ficaram espantadas, porque não esperavam isso de uma colega. A Globo, inclusive, vem trabalhando com uma inserção incrível contra todos os tipos de preconceito, abrangendo muito o seu quadro. Todos os departamentos estão envolvidos”, ressalta.
Abreu explica que os estúdios onde são gravadas “Mar do Sertão” e “Travessia” são distantes. “Está todo mundo falando que está um ambiente horrível na novela dela. Eu imagino”, diz o ator, que participou de quatro produções com Cássia, sendo que em três fez par com ela: “Porto dos Milagres”, “O Rebu” e “Os Dias Eram Assim”. “No ‘Porto dos Milagres’ a relação foi muito difícil, não só comigo, mas com todo mundo. A impressão que a gente tinha é que ela criava um ambiente de ódio contra ela, que era a maneira dela aparecer”, lembra.
Repercussão das declarações de Cássia Kis
E recorda a reação da atriz Lúcia Veríssimo logo após a polêmica declaração de Cássia. “Ela postou uma foto de beijão de boca das duas, maior chupão, e falou que o beijo foi de verdade. Quer dizer, é uma hipocrisia”, crítica. E prossegue: “Ela fala família perfeita. Mas assim, relações com dois homens, duas mulheres, trisal, também são família. Eu tenho filho com três ex-mulheres. Quando junta todo mundo, são 12, 15 pessoas. E todos se dão superbem. Isso não é uma família? É óbvio que é uma família. Ela foi casada quantas vezes? Ela não junta os pais dos filhos (Cássia tem quatro herdeiros de dois casamentos) dela em uma confraternização? Ou é só ela com os filhos, não fala mais com os pais deles? Qual família é a dela. O Contarato tem uma família linda (o senador Fabiano Contarato, casado com o fisioterapeuta Rodrigo Groberio, tem dois filhos adotivos), a Lan Lanh com a Nanda(Costa) também. Lutamos contra várias fobias e aí uma estrela do tamanho dela da novela das 9, fala o que ela disse. Isso atrasa a cabeça das pessoas. ‘Ah, viu o que a Cássia Kis falou, que gay acaba com a família, eles não vão poder fazer filho, vão acabar com a civilização’. É uma loucura o que essa mulher está fazendo, um negócio de doido, porque os gays que adotam, adotam filhos de quem? De famílias que não querem cuidar ou de mães solteiras. Então, é uma doideira. Ela é completamente descompensada”, reforça.
Várias ações vem sendo impetradas na justiça contra Cássia Kis. Logo após a entrevista da atriz, o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, noticiou que o grupo Arco-Íris pediu reparação coletiva da ordem de R$250 mil para a promoção de políticas e programas para o enfrentamento da discriminação, além de ter entrado com notícia-crime na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância do Rio. Filha adotiva de Daniela Mercury e Malu Verçosa, Márcia Verçosa de Sá Mercury, também ingressou com representação criminal no Ministério Público. “Eu tive a sorte de encontrar duas mulheres corajosas que não se intimidaram com os preconceitos da sociedade e decidiram adotar uma menina de 13 anos de idade, outra de 10 e a terceira na época com 1 ano. Elas nos ensinaram a importância da honestidade, do caráter, bondade e do respeito à diversidade, seja ela qual for….Como filha de um casal de lésbicas, me sinto no dever, por minhas irmãs e por toda comunidade LGBTQIAP+ que é vítima de violências cotidianas, de agir para que ela seja punida no rigor da lei…”, escreveu Márcia em texto enviado ao Estadão. E diante de toda repercussão negativa, a Rede Globo chegou a emitir um comunicado. “A Globo tem um firme compromisso com a diversidade e a inclusão e repudia qualquer forma de discriminação”, frisou a emissora, em nota. Em texto, escrito por Cássia, publicado pela Folha de São Paulo, a atriz se defende e diz que não é nem nunca foi homofóbica.
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