*Por Brunna Condini
Protagonista de um dos filmes mais comentados do Festival Estação Virtual – que já arrebatou mais de 45 mil espectadores desde que estreou, de forma gratuita, no começo do mês -, o ator Jorge Caetano, de 59 anos, levou referências biográficas para a construção do roteiro do novíssimo ‘Fado Tropical’. Escrito a quatro mãos com a atriz e bailarina Patrícia Niedermeier, o longa dirigido por Cavi Borges narra o reencontro de dois irmãos após a morte do pai deles. Embora a questão do luto seja um dos temas centrais, “o filme não é nada para baixo”, afirma Jorge. Rodado em cidades portuguesas, ‘Fado’ resgata a relação desses irmãos gêmeos, vividos pelo ator e também por Patrícia. A ideia de contar essa história no cinema surgiu depois que Jorge perdeu pai e mãe em um curto intervalo de 12 meses, uma verdadeira revolução em sua vida, como ele conta a seguir.
A solidão, aliás, é um outro assunto que vai ser trabalhado em breve pelo ator, mas desta vez no teatro, em novo texto de Julia Spadaccini – uma das autoras da série ‘Segunda Chamada’, da Globo -, que acaba de ser escrito com Márcia Brasil. Vem aí ‘Apocalip-se’, assim mesmo, com hífen, uma tradução desses tempos sombrios que enfrentamos desde o começo da pandemia. “E olha que nunca tive problemas em estar só. O que sinto é solitude, desfruto meus momentos de isolamento, mas sei que posso contar a qualquer momento com a companhia de outras pessoas”, afirma ele, que atravessa o período sem um parceiro. “Solteiro e segurando a onda. Isso tudo vai passar”, continua, otimista. Contudo, Jorge ainda não tomou a primeira dose da vacina e também tem seus momentos de pânico. “Impossível não sentir medo, mas procuro me tranquilizar, tendo certeza de que isso há de passar e que muita coisa boa ainda há de chegar. A alegria de estar vivo deve superar o medo. Fé, eu tenho, sim. Fé na natureza, no divino, e que, deve haver algum sentido em toda essa loucura que é a vida. Se essa vida é uma escola, então fiquemos ligados e atentos para transcender os nossos limites”, argumenta.
Jorge tem preenchido seu próprio vazio criando quase que o tempo todo. Multiartista, além de ator e roteirista, ele é cantor, fotógrafo e artista plástico. As criações acontecem no intervalo dos ensaios de ‘Apocalip-se’, ainda sem data de estreia no segundo semestre, e enquanto promove o novo longa, ‘Fado Tropical’, que marca seus 32 anos de carreira. “O que mais fiz foi teatro. Me sinto bicho de palco, amo escutar o som do público entrando, o bater mais forte do coração antes de entrar em cena. Quero continuar sentindo essa adrenalina e esse prazer fazendo teatro, filmes ou TV. Ou criando uma outra história”, afirma.
Em ‘Fado Tropical’, seu envolvimento é completo: você roteiriza, protagoniza e o enredo é baseado numa história pessoal. Como esse trabalho te transformou? “Sou filho de pai português, mas o personagem Antônio não é exatamente o meu alter ego. Optamos por falar apenas do pai, e da relação de amor dos irmãos gêmeos, e como cada um deles lida com essa perda. O que é verídico ali é o sentimento da perda e o amor incondicional. O filme nasceu da necessidade que tive de me expressar, de transformar a minha dor em arte, depois de toda a experiência que vivi com a perda dos meus pais. De alguma forma é uma obra catártica, porque através do meu personagem, consegui exprimir com palavras, sensações que antes eram bastante abstratas. Quando o Cavi me propôs que filmássemos em Portugal, eu tive a certeza que aquele era realmente o momento de falar desse tema”.
Você perdeu seus pais no intervalo de um ano? O que aconteceu? Que idade eles tinham? Ficou você e uma irmã? “Sim, entre 2009 e 2012, os dois foram detectados com dois tipos de câncer raros, que bravamente e com muita resignação, combateram até o fim. Minha mãe tinha 76 e meu pai 82 anos. Somos um casal de irmãos, eu e Fátima, bastante unidos, mas que diferentemente dos protagonistas do filme, temos uma diferença de nove anos, sou o primogênito”.
Temos vivido um luto coletivo no país, como você tem lidado com o seu? “O que estamos vivendo no país é uma catástrofe que, a cada dia, fica provado que muitas vidas poderiam ter sido salvas, se não fosse a obstinação do governo pela ideia estapafúrdia de “imunidade de rebanho” e falsas informações sobre medicamentos milagrosos. O período mais dramático foi entre 2014 e 2015, quando fiquei órfão, num tempo curto. O que me manteve em pé foi o fato de eu estar envolvido com muitas peças e ensaiando um show de rock. Quatro meses depois de perder minha mãe, estreei o show “Brilho da Noite”, onde em todas as sessões, em pensamento, eu dedicava a canção “Changes” pra ela. A arte, além de nos libertar, nos salva. Quando o amor é intenso, a saudade é eterna, mas, hoje, sinto-os vivos dentro de mim, e procuro tentar preservar os valores que me foram ensinados”.
O que aprendeu e pode compartilhar no estudo sobre o luto que realizou para o filme? O que diria para as pessoas que também vem perdendo quem amam? “Antes da criação do roteiro, fizemos encontros com o filósofo e mestre em Psicologia Junguiana, Jorge Braga (1952 – 2020), onde estudamos as diferentes formas de se lidar com o luto, os diferentes aspectos da melancolia e, a partir disso, fomos construindo a personalidade de cada personagem. Aprendemos que a melancolia, por exemplo, pode significar um estado de alma sombrio, uma dor meditativa e íntima, uma saudade sem esperança, o efêmero. Mas há um outro lado que pode trazer à tona seu lado positivo, através das memórias, da imaginação e da intuição. A melancolia também pode estar associada a experiência do belo, da arte. Há uma misteriosa conexão entre a melancolia e a beleza. Difícil dizer qualquer coisa para alguém que tenha perdido um ente querido para essa pandemia. É tudo muito impactante ainda, mas creio que o melhor, é se concentrar nas boas lembranças e nos momentos mais felizes que passaram com seus seres amados”.
O Cavi Borges teve Covid-19 há pouco tempo e foi muito sério, o que trocaram sobre essa experiência? Você continua mantendo o isolamento? Chegou a ter Covid? “Cavi passou por maus momentos, mas eu tinha certeza que ele sairia vitorioso. Vamos conversar sobre essa experiência futuramente, ele ainda está se recuperando. Continuo mantendo o isolamento. Raramente saio. Felizmente não tive Covid. Procuro manter todos os cuidados”.
No segundo semestre você estrela a peça da Julia Spadaccini chamada ‘Apocalip-se’, sobre um homem solitário de Copacabana durante a pandemia. Você se identifica com o personagem? “Julia e Marcia Brasil escreveram um “monólogo musical”, um texto primoroso e sensível. Um rito de passagem, um despertar, repleto de imagens poéticas e um tanto psicodélico também. Acredito que, em algum momento, todos irão se identificar com o estado de espírito desse personagem. Estamos todos no mesmo barco”.
Qual o seu envolvimento com as pautas culturais hoje? Vai estar na passeata do dia 29 pedindo o impeachment do presidente? “Tenho escrito projetos nos raros editais que estão circulando. Daria tudo para estar presente, mas ainda não fui vacinado”.
Qual é o seu maior sonho? “Ter meu próprio espaço teatral, a Casa de Jorge (risos). Será improvável? Acredito que trabalhando e não duvidando da nossa capacidade, com um pouco de sorte, tudo pode ser possível, não é mesmo?”.
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