*por Vítor Antunes
Ele se revelou para o Brasil através de um comercial de telefonia. Porém, pouco tempo depois, desvinculou-se da imagem daquela empresa do comercial, fez seus próprios trabalhos, estrelou um programa musical e projetou sua imagem como um artística múltiplo. Foi num mês de junho que João Côrtes tornou pública a sua homossexualidade – mês que costuma trazer em si a conscientização para a causa LGBT. Hoje, além de ele próprio ser um homem gay, interpreta outros dois. Um na TV e outro no teatro. Um deles, o Celso Tadeu de “Encantado’s“, o outro, o único personagem de “Invisível“, monólogo que fez uma temporada no Teatro Itália e que já estará estreando no Rio de Janeiro. “A cada temporada, me apaixono mais por estar em cartaz e contar essa história, pelo impacto que ela tem no público”, inclusive – e tirando proveito do nome do espetáculo, o ator fala sobre o quão invisível tem sido a morte de homens gays que marcam encontro nos aplicativos.
Na última semana, tornou-se pública a morte de Luciano Martins, de 46 anos, que foi assassinado e jogado num lixão na cidade de Serra (ES). Ainda que o suspeito tenha sido localizado, casos semelhantes ocorrem com recorrência, especialmente na cidade de São Paulo. Sobre isso, João opina que “cada vez mais, crimes contra pessoas gays estão sendo cobrados para que os aplicativos se posicionem. Deveria haver uma responsabilidade dessas empresas em verificar quem são as pessoas que usam esses aplicativos e criar leis que nos protejam. É muito triste, e ao mesmo tempo, vivemos uma geração em que não só as pessoas gays, mas todos se relacionam muito através de aplicativos. Temos que nos adaptar enquanto estamos nela”.
Esse parece ser, até hoje, um crime invisível e os gays reduzidos a um público consumidor. A violência e o ódio estão aí, não adianta fingir que não existem, até dentro da comunidade é complexo – João Côrtes
João lastima que, ainda hoje se peça – e se destaque – a homossexualidade como chamariz de notícia. “Ser gay ainda dá notícia e clique, porque estamos numa sociedade que parte do princípio que todos são heterossexuais. Tem gente que faz questão de falar sobre isso, enquanto há quem prefira não dizer. Para mim, no meu caso, prefiro me posicionar publicamente, porque acredito na minha palavra e na importância de me posicionar como gay. Mesmo sendo ator gay, não vou ser tachado ou fazer apenas personagens assim”.
QUESTÃO GAY
Na montagem de “Invisível“, um dos temas é o relacionamento tóxico entre as pessoas do mesmo gênero. Assunto pouco discutido, segundo João. “Eu queria voltar a fazer teatro e algo desafiador. Moisés Bittencourt escreveu e veio com essa proposta de fazer um monólogo e isso me seduziu. Falar de relacionamento abusivo de um casal homoafetivo, é algo que eu nunca tinha ouvido falar. Acho interessante falar de abuso e trazer consciência para esse tema, abordando as especificidades de um relacionamento gay entre dois homens. O efeito que isso tem tido é impactante, não só dentro da comunidade, mas refletindo sobre abuso em geral”.
Ele segue dizendo que “mesmo numa história sobre dois homens, o tema do abuso sobressai a qualquer preconceito e rótulo. Abuso é universal e pode acontecer em qualquer relação amorosa ou não. Falar sobre isso é importante”. Segundo pesquisa elaborada pela Universidade de Michigan, 46% dos homens gays entrevistados relataram terem sido vítimas de violência doméstica no último ano; incluindo todas as formas de abuso: violência física e sexual, abuso emocional e comportamento controlador.
João diz não haver vivido nada relacionado a esse tipo de experiência, mas “relacionamentos abusivos no campo emocional e intelectual, mais do que no físico”. Segundo ele, “o legal de me explorar nesse tema é acessar realidades de pessoas que compartilham suas histórias. É uma realidade triste e mais comum do que achamos”.
O fato de ser gay e estar fazendo dois personagens gays também não o faz temer a rotulação. “Sinto que minha função é ser um transformador na sociedade e trazer mais consciência. Estamos num momento em que mais narrativas LGBT estão surgindo. Estar numa série em que faço um personagem gay e num espetáculo é para contar mais narrativas fora do estereótipo e entender que um homem gay é como qualquer outro homem”.
Gay não é alívio cômico. Eu me sinto feliz em prestar um serviço à comunidade, contando histórias que se sintam representadas, seja na série ou no teatro. Vou sempre adorar contar histórias LGBT e investir em narrativas desse tipo – João Côrtes
MÚSICA
Além de ator, João é cantor. O público conheceu seu talento através do programa “Popstar“, no qual ficou em segundo lugar. Além de tudo, é filho do músico Ted Côrtes e afilhado do igualmente musicista Derico, que tocou no sexteto do Jô Soares (1938-2022). A música não poderia ser dele indiferente. “Essa influência sempre existiu. Cresci cercado por essa atmosfera. Há mais de 10 anos, meu pai tem banda e toca, sempre cheio de energia. Sempre curti ver meu pai tocar. Quero cada vez mais desenvolver meu lado cantor. Curti muito o “Popstar” foi um divisor de águas e me validou como cantor. Tive feedbacks da indústria da música que me disseram que eu deveria apostar mais nisso”.
Sendo sincero, acabei dando voz ao lado ator, e isso acaba me demandando mais. Dar atenção ao lado cantor é difícil de equilibrar e fazer as duas coisas acontecerem. Cada vez mais, sinto vontade de voltar a cantar, resgatar o lado cantor e fazer shows. Tenho músicas não lançadas e quero fazer clipes, mas antes disso quero fazer shows – João Côrtes
Inclusive, tal como Madonna que diz que “música faz as pessoas ficarem juntas e une os burgueses e os rebeldes”, João diz sentir em si a emoção transformadora que a música proporciona. “Música é algo que me emociona. Gente cantando, dançando, orquestra. O musical da minha madrasta, “Memória em Conta Gotas“, de Lili de Grammont, filha de Eliane de Grammont [jornalista vítima de feminicídio, assassinada pelo cantor Lindomar Castilho em 1981]. Estar com pessoas que amo, meus amigos, meus dois cachorros. Quero sempre estar vulnerável, com a flor da pele sensível, mesmo que isso tenha um preço alto, e deixar-me ser afetado por elas”.
Artigos relacionados