Joana Medeiros: atriz investe na direção, anuncia saída do Teatro Oficina e lembra cilada de ter posado para Playboy


A atriz, que esteve na reprise recente de “Mulheres Apaixonadas”, hoje no cardápio do Globoplay, integra o elenco do longa-metragem “Fim de Semana No Paraíso Selvagem”, de Pedro Severien, que estreia este ano, prepara performance para o segundo semestre, alinhava trabalhos como diretora e anuncia sua saída do Teatro Oficina. Aos 52 anos, a atriz relembra a repercussão de ter posado para a Playboy ao lado da mãe, Maria Lucia Dahl, nos anos 80, e nos conta os desafios de viver a maturidade: “Envelhecer e assumir a própria idade é um ato revolucionário!”

Joana Medeiros (Foto: Fabio Audi)

*Por Vítor Antunes

Joana Medeiros cresceu tendo junto a si toda a intelligentsia carioca. Aos 52 anos, a atriz se prepara para uma nova fase da vida: o lançamento do filme “Fim de Semana No Paraíso Selvagem”, de Pedro Severien. O longa tem como protagonista a atriz Ana Flávia Cavalcanti, que encontra na personagem de Joana a sua rival. Para Joana, o filme trouxe observações singulares: “Eu me vi mais velha. Nele, eu interpreto uma médica, uma mulher malvada, sem glamour. Quando me vi no copião do longa-metragem fiquei ‘olha aquele papo’, ‘olha aquele pé de galinha’ e foi genial! Antes, eu tinha uma boca para falar sobre envelhecer, de que era ótimo e tudo bem. Só que, estando com 40 anos eu não havia visto a transformação no meu próprio corpo. (…) É uma coisa que a gente tem que elaborar, por que realmente não é fácil, mas é um tesouro”.

Diante da maturidade, Joana quer ter a liberdade de ser a voz ativa da sua arte ao lançar-se como diretora. Ela dirigiu um curta que foi exibido na França, em Clermont-Ferrand. Além disto, aposta na experimentação teatral através da performance: “Teatro é algo que amo fazer, mas, especialmente depois da pandemia, ele está pra mim como algo de descoberta. Eu acredito até mais na performance, no ato de experimentar. Acho estranho voltarmos para o palco italiano como se nada tivesse acontecido. Tenho a vontade de dar conta de dirigir, de conceber uma ideia importante para mim e ter essa coragem de formar essa equipe que possa conceber uma realização”.

Durante a pandemia, no fim de 2021, Joana fez uma performance baseada no conto “O Ovo e a Galinha”, de Clarice Lispector (1920-1977). A gravação foi realizada pelo câmera e fotógrafo do Teatro Oficina Igor Marotti. Nascida no palco do teatro, em São Paulo, a performance conta, além de Joana, com Ana Hartmann, e a musicista Nana Carneiro da Cunha, e com a direção de Luciana Fróes. Em se tratando da escola de Zé Celso, Joana está em um processo de saída do Oficina: “Tenho uma história bonita lá”. Em sua primeira passagem pelo lugar não havia quase nada: “Nem teto, nem o chão. Não havia nem o teatro ainda”. Muito jovem, a atriz fez um teste disputando com algumas centenas de outras meninas e fez sua estreia em “As Bacantes”, uma adaptação da tragédia grega de Eurípedes. Partiu para Europa, voltou aos 45 anos, quando recebeu uma ligação de Zé Celso, que a chamara para viver Tônia Carrero (1922-2018) em “Cacilda 5”. Iniciou-se ali, segundo ela, “um processo valioso e importante na carreira onde fiz vários personagens com fortes protagonismos”.

Joana acredita que o artista é, sobretudo, um ator social: “A mim me toca trabalhar no social e fazer disso um tesouro” (Foto: Fabio Audi)

Além da saída da “casa teatral” a atriz está aprendendo a lidar com o ninho vazio. Seus filhos, Arthur (17) e Antônio (22), são jovens adultos. O que confere à atriz um outro aspecto de liberdade, pois está vendo os rapazes tomarem domínio das próprias vidas. Diante das redes sociais e das formas de comunicação estabelecidas entre os jovens, Joana diz sentir-se um “óvni”, e acha que a internet pode ser um bom veículo de divulgação para a mostra de trabalhos de jovens atores: “Cada um tem a possibilidade de se promover de acordo com a época. (…) Eu tenho alguns amigos que bombam na internet e que pensam nela como forma de se autoproduzir. Eu respeito e só não faço por que não tenho esse interesse. (…). Eu por exemplo caí na cilada da Playboy. Era uma oportunidade (…). Sem assessoria, fui enveredando pelo que pintou pra mim”.

Adolescente, Joana posou para as páginas da extinta Revista Playboy junto à sua mãe, a também atriz Maria Lúcia Dahl, o que gerou uma enorme repercussão na época, em 1985. Não apenas este ensaio foi polêmico, mas a capa que fiz da trilha internacional da novela da Globo “A Gata Comeu”, também de 1985: “O posar nua não foi uma grande questão, a questão é que nos expuseram sem cuidado. A foto d’A Gata Comeu foi na mesma época (…). Eu ainda estudava, então ir para a escola após haver posado nua foi uma loucura”, lembra Joana, que sofreu bullying ao ser chamada de doida e ver sua mãe sendo xingada. E prosseguiu: “Além do fato de que em minha juventude fiz filmes que transitavam pelo universo da ninfeta, da mulher fatal… Quando isso vai se perdendo um pouco, vai se abrindo um campo genial, incrível, de que eu posso fazer outras coisas. Isso me libertou. É um desafio e, politicamente, um posicionamento. Envelhecer e assumir a idade é praticamente um ato revolucionário. Eu posso fazer um longa no qual eu tenho a minha idade. Me amedronta um pouco o fato de haver tanta gente jovem fazendo plásticas. Me assusta o fato de correr atrás de uma coisa que não existe”, pontua

De presença bissexta na TV, Joana compartilha memórias de suas passagens pelo veículo: Uma como protagonista, na extinta TV Manchete, onde fez a minissérie “Rosa dos Rumos”, de Walcyr Carrasco e Rita Buzzar, em 1990: “Foi uma coisa alegre ter feito, uma maravilha”; outro destaque foi a novela “Mulheres Apaixonadas”, recentemente reprisada pelo Canal Viva e, hoje, parte do catálogo do Globoplay: “Eu gostei de atuar TV e o faria de novo”.

Filha do líder estudantil Marcos Medeiros, Joana acredita que o artista é, sobretudo, um ator social: “A mim me toca trabalhar no social e fazer disso um tesouro. (…) Eu não faço parte dos guetos, nem da Zona Sul carioca nem dos artistas de São Paulo. É assim que me sinto mais íntegra. Há vezes em que você vai à casa de uma atriz ou de um ator incríveis e a empregada está de branco comendo só, na cozinha, ou há casos em que a funcionária vai com os patrões na praia e não pode entrar no mar. É muito fácil apontar que o outro é hipócrita quando o sujeito não põe a cara à tapa”.

Ter um pai militante de esquerda, que viveu parte da vida exilado, e uma mãe artista cuja família faliu quando ela ainda era criança, gerou algumas cicatrizes em sua trajetória: “Meu pai é uma das pessoas que viveram a volta do exílio e ficaram destruídas emocionalmente. Todo mundo que estava com ele no exílio, ao voltar, instalou-se em posições opostas àquelas que acreditavam. Marcos sofreu muito e de verdade. (…) É muito cruel o que aconteceu com ele, exatamente por se haver perdido uma espécie de glamour que havia sobre o revolucionário. O exílio favoreceu-lhe a adicção, inclusive. Marcos desenvolveu uma questão psíquica muito por causa da dependência química, por não fazer parte, por não ter emprego… Mas ele foi protagonista até mesmo na derrota”.

“Envelhecer e assumir a idade é praticamente um ato revolucionário” (Foto: Fabio Audi)

Em 2018, o cineasta Vicente Duque Estrada realizou um documentário chamado “Marcos MedeirosCodinome Vampiro”, no qual a trajetória de vida de Marcos era o tema. Joana não acredita que o filme vá alçar grande voo: “Eu não vejo muito como esse filme aparecer. As pessoas parecem não querer falar sobre quem está esquecido. O filme é sobre uma derrota. O que está acontecendo com o Brasil é o que ocorreu com o meu pai. Eu acho bonito ter que aprender a lidar com a falta do glamour das coisas. A gente ser obrigado a lidar com a adversidade com a derrota que às vezes acontece. Até queria que um outro artista se juntasse a mim para fazer algo sobre a minha mãe, por exemplo, mas é preciso ter coragem para lidar com o que não é glamouroso”, analisa.

Aos 52 anos, saindo do teatro Oficina, Joana Medeiros torna a pegar um tirso, sai não mais com o objeto e uma cabeça de leão pendurada pelo corpo, tal como fizera ao entrar naquele grupo teatral aos 15 anos. Mata um leão por dia e reafirma: “Sou atriz. Aprendi a ser revolucionária!”. No palco e nos sets encontra a família de alma que sempre desejou. Se Eurípedes, e sua obra, são muito presentes em sua vida, a atriz reitera a frase do poeta trágico grego ao tomar as rédeas da própria vida. Afinal, “Tudo é mudança; tudo cede o seu lugar e desaparece”.