Jéssica Ellen será protagonista da novela ‘Volta por cima’ e aprofunda o canto em iorubá em álbum sobre candomblé


A atriz estreia como protagonista na novela “Volta por Cima”, das 19h, que explora diversidade racial. “Acho que a televisão tem se atentado para isso, para que as representatividades sejam não só numéricas, mas também de dentro para fora, de uma maneira mais ampla”, diz. Ela viverá Madalena, personagem com o mesmo nome de sua avó, o que trouxe um significado espiritual profundo à atriz. Além de sua atuação, Jéssica também está envolvida na produção de seu terceiro álbum, que conclui uma trilogia focada na cultura e religiosidade afro-brasileira, abordando temas do candomblé com uma linguagem contemporânea. Ela ainda enfrenta o desafio de conciliar sua carreira com a maternidade, enquanto reflete sobre questões de representatividade e resistência

*por Vítor Antunes

Vem aí a próxima novela das 19h e que traz uma novidade para além da própria trama a estreia de Jéssica Ellen como protagonista. “Volta por Cima”, de Cláudia Souto vai carregar um simbolismo raro e uma energia poética que transcende a ficção. Na pele de Madalena, Jéssica não apenas dá vida a uma personagem, mas também revive um laço ancestral: o nome de sua avó. A coincidência de nomes não passou despercebida pela atriz, que reconhece o valor espiritual desse encontro. “Quando descobri que a minha primeira protagonista de novela teria o nome da minha avó, achei uma bênção, um presente, poder ser chamada todos os dias pelo nome dela e saber que ela está em casa assistindo”.

Paralelamente à sua jornada na televisão, Jéssica mantém uma carreira musical igualmente significativa, na qual explora suas raízes afro-brasileiras. O terceiro álbum, ainda em produção, fala das complexidades da fé, mas traz as cantigas religiosas de forma contemporânea. Todavia faz um alerta: a necessidade de trazer com naturalidade a religião afro e confrontar o preconceito, especialmente em um país onde o racismo religioso ainda se manifesta com força.

Recentemente, a jornalista Victoria Henrique foi alvo de intolerância após compartilhar uma foto em uma casa de axé. Jéssica aborda a questão com uma visão madura e espiritual: “As intolerâncias ainda existem, mas acho que isso diz muito mais sobre quem se incomoda do que sobre quem usa um fio de conta ou não. A cultura do samba, da capoeira são expressões da nossa arte que vieram de construções negras. Então, acho que a religiosidade afro-brasileira ser abordada no carnaval, por exemplo, é algo mais que esperado. Eu já faço parte dessa religião desde criança. Então, não consigo me afetar muito com esse tipo de manifestação preconceituosa, na verdade, por acreditar que Deus e as divindades se manifestam no mundo de forma geral. Não é porque eu tenho um olhar que esse olhar tem que ser igual para todo mundo”.

Para ela, o preconceito reflete mais sobre quem o pratica do que sobre quem o sofre: “Acredito que qualquer pessoa ou manifestação que tente sobrepor uma religião à outra não entendeu de fato qual é a mensagem espiritual da religiosidade, de que, no fundo, todo mundo quer respeito e amor. As intolerâncias ainda existem. Mas dizem mais sobre aqueles que precisam se olhar no espelho e rever seus preconceitos do que sobre quem é praticante ou não”.

Jéssica Ellen e o olhar para dentro de si (Foto: Marina Zambézia)

MACUMBEIRA

Na coité, bebendo a força da Jurema, com a doçura do mel de abelha e da fulô de alfazema. É essa energia que move Jéssica Ellen nesta auspiciosa fase profissional e que diz muito de si e para si. “No meu primeiro álbum, Sankofa tem a música Madá, que fiz para minha avó. O nome da minha avó é Madalena, mesmo nome de minha personagem. É intenso fazer uma novela, uma jornada muito longa, mas os bastidores estão sendo tão gostosos, o elenco é tão afinado a equipe tem uma comunicação muito horizontal. Está todo mundo com muita vontade de fazer com que a novela seja de fato um sucesso, porque ela toca em temas muito populares, temas com os quais as pessoas de todas as classes, populares ou não, vão se identificar. Estou muito animada”.

A narrativa da novela, que promete explorar temas profundamente enraizados na vida cotidiana brasileira, também reflete a pluralidade do país, e a própria Jéssica sente o peso dessa responsabilidade e entende o poder de representar personagens negros em diferentes esferas sociais. “Além dos protagonistas serem pretos, há diversidade de classes sociais deles. Eu me sinto muito feliz… as pessoas estão entendendo de fato que o Brasil é muito grande, muito plural, e que somos diversos”

Eu não sinto medo, mas uma responsabilidade. Toda vez que faço uma personagem ou uma cena que pode ser um recado para a população, fico orgulhosa, porque sei que há pessoas que esperam o projeto, que arrumam a casa ou o trabalho para ter aquele momento de ligar a TV e assistir à novela. É um mix de responsabilidade e orgulho fazer parte de algo tão grandioso – Jéssica Ellen

Jéssica Ellen na época do lançamento de "Macumbeira": "Todo preconceito é burro" (Foto: Divulgação)

Jéssica Ellen na época do lançamento de “Macumbeira”: “Todo preconceito é burro” (Foto: Divulgação)

A atriz prossegue dizendo: “Acho que a televisão tem se atentado para isso, para que as representatividades sejam não só numéricas, mas também de dentro para fora, de uma maneira mais ampla. Estou muito feliz com o nosso momento. Acho que há um olhar atento na TV Globo para retratar os assuntos e as realidades com seriedade e consciência. Estamos vivendo um novo momento, em que as pessoas querem ser representadas de uma maneira que reflita a realidade e a humanidade dos personagens, e não apenas algo caricato”.

Sobre a questão de debater com recorrência ou a necessidade de falar sobre a agenda afirmativa e racial, Jéssica acredita que “esse assunto estará sempre em pauta, porque estamos em construção e reconstrução na sociedade. Estamos repensando as relações, as representatividades e a maneira como nos portamos no mundo. Como atriz e cidadã, estou sempre pensando no mundo. Agora, como mãe, penso ainda mais sobre o mundo que quero deixar para o meu filho. Acho que existem maneiras de continuar falando sobre os assuntos, mas às vezes temos que fazer escolhas. Por exemplo, numa novela das sete, que tende a ser mais leve, entre dois jornais, não conseguimos abordar assuntos mais intensos ou que demandem uma denúncia, mas abordar um pouco mais da autoestima do povo preto”.

“Volta por Cima”: Tati (Bia Santana), Doralice (Tereza Seiblitz), (MV Bill) e Madá (Jéssica Ellen) [Foto: Divulgação/Globo]

Para a atriz, a pauta racial não pode sufocar as pessoas a ponto de inviabilizá-las para algo além disso. “Acho que é muito importante equilibrar o discurso contra o racismo com momentos de lazer e descanso. Então, nessa novela, vejo minha personagem Madalena trazendo questões como empreendedora, e ela será futuramente uma empresária de sucesso, mas que também lida com questões familiares e afetivas. Nossa existência já comprova que não entramos nas estatísticas de um país onde mais se mata pessoas pretas. Estamos vivos, fazendo nossa parte, nossa história, fugindo das estatísticas. Precisamos nos permitir viver bem, cuidar da nossa saúde física, emocional e mental. Como pessoas pretas, precisamos equilibrar as denúncias com a permissão de viver”.

AFETOS

O laço afetivo é um dos muitos aspectos que fazem dessa experiência um marco na carreira da atriz, que, além de seu retorno às novelas após o nascimento do filho, Mali, revela o desafio da conciliação entre maternidade e o ofício artístico. “Eu estou fazendo tudo com muita calma, justamente porque, além da novela, agora eu tenho um bebezinho que demanda muita atenção, especialmente nessa primeira infância, porque depois que a criança já cresce, enfim, não dá tanto trabalho assim como no início dessa fase.”

Seu terceiro álbum, em produção, fecha uma trilogia dedicada aos temas afro-religiosos e culturais, aprofundando sua conexão com o candomblé. Mais do que música, Jéssica oferece uma nova leitura das cantigas de terreiro, tornando-as acessíveis e contemporâneas. “Eu estou fazendo a produção do meu terceiro álbum, o que fecha a trilogia dos assuntos que eu já venho abordando desde o primeiro disco, que é o Sankofa, e o segundo, Macumbeira. O terceiro também tem essa pegada, mas ele fecha a trilogia com um foco maior no candomblé. As músicas, em sua maioria, vão ser em iorubá. Vai ter uma pegada bem mais religiosa, mas com um toque contemporâneo. Acho que será um disco com uma linguagem bem única. Estou muito feliz e também fazendo tudo com muita calma e atenção, que esse trabalho merece”.

Jéssica Ellen leva a fé para a sua arte (Foto: Divulgação)

Jéssica assinala que “a ideia é tornar mais acessível, mais popular, [os cantos do candomblé] para que outras pessoas tenham acesso a essas cantigas numa releitura diferente da do terreiro. Porque, de fato, nos terreiros a pegada é mais ritualística, mais religiosa, mas há muita arte também na cultura africana. Além de ser algo religioso, faz parte da cultura do nosso país, é sobre reconhecer a canção como parte da nossa cultura, como parte da nossa arte”.

As referências que Jéssica carrega vão além da música. No campo das artes, sua maior inspiração é Beyoncé, uma artista que equilibra exposição pública e profundidade artística. “Acho que a Beyoncé é um combo muito acertado. Enfim, vivemos uma era digital delicada, onde as pessoas se expõem tanto que a arte fica em segundo plano, o trabalho fica em segundo plano. Desde criança, aos 10 anos, a acompanhava no Destiny’s Child, e, quando penso em mim, penso no meu trabalho, no legado que deixo. Minha maior inspiração é ela por construir uma carreira com discrição, mantendo a vida privada no âmbito privado e trazendo à tona um trabalho que faz pensar e questionar as coisas. Ela é minha maior referência, em vários níveis, não só na construção de carreira, mas também de posicionamento”.

Jéssica Ellen e seu afrofuturismo (Foto: Marina Zambézia)

Para Volta por Cima, as inspirações familiares também têm lugar central. “Para essa personagem especificamente, minhas referências são minha avó Madalena e minha prima Bete, que são carinhosas e têm um cuidado artesanal. Minha avó adora plantar, minha prima adora artesanato, e minha avó faz bordados. A Madalena, minha personagem, tem essa pegada artesanal. Quero que ela seja uma Madalena real, acessível, que as pessoas consigam enxergar como uma parente próxima.”

Em todas as facetas de sua arte – seja como atriz, cantora ou cidadã – Jéssica Ellen emerge como uma figura que conjuga ancestralidade, modernidade e resistência, um símbolo de uma geração que resgata e transforma a herança cultural afro-brasileira enquanto desafia preconceitos. Seja nos palcos, nas telas ou nas ruas, sua voz ecoa como uma canção que reivindica o respeito e a dignidade de quem persiste em existir, criar e prosperar.