Jessica Córes brilha em série e questiona: “Quantos negros você vê no audiovisual? Ainda faltam oportunidades”


A atriz se destaca em ‘Cidade Invisível’, da Netflix, como a sereia Iara e celebra a confirmação da personagem na segunda temporada. Jessica fala da carreira, de protagonismo negro – “Já ouvi muito ‘não’. Quantas pessoas negras você enxerga dentro de uma produção? – e da sua trajetória de vida, repleta de ressignificados: “Vivi até os 5 anos em orfanatos, fui adotada tardiamente, aos 6. Mas me sinto sortuda. Senti uma conexão imediata com minha mãe, sensação de outras vidas”

*Por Brunna Condini

Ela é linda, dedicada e entusiasmada com a recente carreira de atriz. Jessica Córes, uma das protagonistas de ‘Cidade Invisível’, o grande sucesso nacional da Netflix do momento, já está confirmada na segunda temporada da série. A produção é a mais assistida no Brasil e entrou no ranking das mais vistas em 40 países.

A atriz carioca de 30 anos, interpreta Camila/Iara, na trama que explora o folclore brasileiro, permeada por muita fantasia. “Fiquei emocionada de ver que o trabalho tem agradado tanto e também de ter sido confirmada na segunda temporada. Quando o Saldanha (Carlos Saldanha, criador de ‘Cidade’) contou, só agradeci. Quis muito isso. Foi uma notícia que me levantou, apesar de toda tristeza que acontece em nosso país. Ainda não temos previsão de quando vamos filmar, até porque as medidas restritivas voltaram, mas a previsão é este ano”, conta.

Estou feliz, mas tento não criar expectativas, não sou uma pessoa ansiosa, entrego. O meio artístico me ensinou a ter paciência, sei que trabalho na arte da espera. Mas desejo e recebo” (Foto: Vinicius Ziehe)

“Estou feliz, mas tento não criar expectativas, não sou uma pessoa ansiosa, entrego. O meio artístico me ensinou a ter paciência, sei que trabalho na arte da espera. Mas desejo e recebo” (Foto: Vinicius Ziehe)

“Tenho recebido feedback sobre a série de fãs de diferentes nacionalidades, voltei até a estudar inglês. Tenho ido no Google quando não entendo o que dizem (risos). Nunca tive fãs na vida. É a primeira vez que recebo esse amor, tem sido gostoso. O que está acontecendo na minha carreira é muito melhor do que imaginei. Quis muito ser atriz e estar em bons trabalhos. Estou feliz, mas tento não criar expectativas, não sou uma pessoa ansiosa, entrego. O meio artístico me ensinou a ter paciência, sei que trabalho na arte da espera. Mas desejo e recebo”.

Marco Pigossi e Jessica Córes em 'Cidade Invisível', série da Netflix que é sucesso nacional e já tem a segunda temporada confirmada (Reprodução Instagram)

Marco Pigossi e Jessica Córes em ‘Cidade Invisível’, série da Netflix que é sucesso nacional e já tem a segunda temporada confirmada (Reprodução Instagram)

Filha do coração

Jessica foi adotada ao 5 anos por uma família branca. Ela conta que a mãe, Regina Córes, foi responsável pelo seu amor à arte e a curiosidade em aprender. “Íamos ver peças, filmes, trocávamos. Ela sempre me estimulou. Minha mãe é uma mulher que tem 79 anos e trabalha como advogada. Não quer parar, gosta do que faz. Como eu. Ela tem uma força imensa e me espelho muito”.

A potência da atriz pode ter sido alimentada pela mãe, mas Jessica tem uma trajetória de superação e ressignificados que carrega força por si só. Ela viveu até os 5 anos em orfanatos e teve uma adoção tardia. “Mas me sinto sortuda. Senti uma conexão imediata com minha mãe, sensação de outras vidas. Acho que não contei o que vou contar aqui ainda para ninguém. Vinte anos antes da minha mãe me adotar, ela perdeu um filho em um acidente. Ele tinha 12 anos. Quando ela me adotou e saiu o documento, começou a chorar e disse: “Você tinha que ser minha filha mesmo. Você nasceu na mesma data dele, em 15 de maio. Nosso encontro foi muito emocionante”, recorda.

E acrescenta: “Quando ela me viu pela primeira vez, eu estava no orfanato brincando. Ela tinha ido ver outra criança, escolhida pela assistência social. Minha mãe cruzou comigo e conversamos. Ela disse que ia voltar. E voltou. E me levou. Na época, tinha 54 anos. Muita gente tentou desencorajá-la, mas ela foi em frente. Me adotou sozinha. Eu tinha que ser filha dela. Filha do coração”.

"O que aconteceu comigo foi lindo. Não sei como seria a minha vida se estivesse com minha família biológica, então só agradeço" (Foto: Fernando Torquatto)

“O que aconteceu comigo foi lindo. Não sei como seria a minha vida se estivesse com minha família biológica, então só agradeço” (Foto: Fernando Torquatto)

E revela que também tem o desejo de adotar uma criança algum dia. “Quero ter filhos. Além de engravidar, quero adotar uma criança já maior. Existe um número grande delas desejando um lar, e como eu, muitas ainda anseiam ser adotadas tardiamente. Eu tive sorte de ter encontrado minha mãe”, afirma. “Não tenho mágoas da minha mãe biológica. O mundo já está muito difícil para julgarmos as pessoas. Não tenho feridas, cicatrizes, cresci, ganhei muito. O que aconteceu comigo foi lindo. Não sei como seria a minha vida se estivesse com minha família biológica, então só agradeço”.

Realizando sonhos

Jessica fez sua primeira aparição na TV em 2015, na novela “Verdades Secretas”, da Globo. Na trama de Walcyr Carrasco, sua personagem Lyris, fazia parte do cast na agência de modelos de Fanny (Marieta Severo). Na ocasião, contou para o trabalho o fato do universo da moda já ser conhecido por ela, que começou sua trajetória profissional como modelo aos 17 anos. “Ser atriz se tornou um desejo porque sentia que podia ir além. Um dia, estava assistindo o musical ‘Hairspray’ e pensei: ‘é isso que quero fazer na vida’. Depois fui estudar dramaturgia e música. Quero fazer pelo público o que recebi naquele espetáculo, senti uma energia incrível, inspiração. Quero emocionar e passar essa energia para as pessoas. Trabalhar aqui, em outros países. Me sinto grande e não quero me limitar nesta profissão. Quero voar”.

Jessica, ao lado dos atores do elenco de 'Verdades Secretas' e Reinaldo Gianechinni e Guilhermina Guinle ao centro (Divulgação)

Jessica, ao lado dos atores do elenco de ‘Verdades Secretas’ e Reinaldo Gianechinni e Guilhermina Guinle ao centro (Divulgação)

Ela fala também sobre ocupação dos espaços e protagonismo negro. “Não tenho tantas oportunidades. Já ouvi muito ‘não’. Quantas pessoas negras você enxerga dentro de um produto? Ainda faltam oportunidades. Se eu fosse uma mulher da pele clara teria mais oportunidades obviamente. Falo isso não somente no meio artístico, mas em qualquer área. Somos mais de 50% da população, os espaços precisam aumentar. Tenho consciência que se hoje estou em um papel como este em uma série da Netflix, é porque outros artistas pretos vieram antes, abrindo caminho. Quero continuar abrindo esses caminhos”.

“Sei que quando vou fazer um teste devo ir com tudo. Mas quando não passo, não fico remoendo. Tenho que ser corajosa. Como na série, que tive que fazer uma sereia e não sabia nadar. Mas aprendi. E rápido. Claro que tive uma equipe dedicada, mas o tempo foi curto. Quero ser atriz para o resto da vida, mas não me limito mesmo. Minha mãe me ensinou a sempre ter um plano B. Tanto que me formei em design gráfico, fui jogadora de vôlei. Hoje posso ser só atriz, amanhã posso me tornar cantora também. Tenho me dedicado. A única certeza é que atuar está entre os meus projetos até meu último suspiro”.

"A única certeza que tenho é que atuar está entre as coisas que pretendo fazer até meu último suspiro" (Foto: Vinicius Mochizuki)

“A única certeza que tenho é que atuar está entre os projetos que pretendo fazer até meu último suspiro” (Foto: Vinicius Mochizuki)