* Por Carlos Lima Costa
A história da atriz Jeniffer Dias está intrinsecamente ligada à personagem interpretada por ela na atual temporada da série Segunda Chamada, na Globoplay. Quando a arte de certa forma imita a vida. Na trama, ela vive Antônia, jovem de uma comunidade que anseia um futuro melhor e volta a estudar com o objetivo de ser a primeira mulher da família a ter um diploma. A atriz conta que nasceu quando a mãe tinha 15 anos e que, depois de fazer de tudo para a filha trilhar um caminho diferente, “ela voltou a cursar o ensino fundamental e médio em uma escola EJA, modalidade da Educação Básica que oferece oportunidade para retomada dos estudos, assim como a minha personagem, e também trabalhando de dia e estudando à noite. Acompanhei o processo e não era nada fácil. A vontade que ela tinha de ter um diploma era o que a motivava na época. Minhas tias tiveram uma realidade parecida. Então, cresci observando tudo e querendo ir além com minha mãe, minha rainha, sempre me apoiando em tudo”, relata.
Ela atingiu o objetivo com um misto de sentimentos. “Fui a primeira da família a me formar na faculdade (Gestão Ambiental). Mas, toda vez que falo isso me bate um grande incômodo, porque infelizmente as pessoas que eu mais amo não tiveram oportunidade e acesso à uma boa educação. Antônia, de Segunda Chamada, tem a história da minha mãe, das minhas tias, da minha avó, a minha história, e de tantas mulheres desse Brasil. Não precisei ir muito longe pra construí-la. O seu senso de justiça também vem daí. Uma justiça que é mais emocional do que racional. Visceral e urgente. De quem aprendeu sozinha que o certo é o certo sem pensar muito nas consequências”, pontua.
Na série, Antônia não tolera gente ignorante e preconceituosa. Nessa questão, Jeniffer acredita que a ignorância vem da falta de educação e que o diálogo é um caminho poderoso. Então, com algumas pessoas, a atriz tenta conversar. “Procuro mostrar meu ponto de vista, a partir da minha vivência. Geralmente dá certo. Agora, preconceito me tira do sério. Já sofri muito! Aprendi e sei que o melhor jeito de resolver é com um bom advogado”, dispara.
Assim como se formou, Jeniffer também tem muitos planos relacionados a área artística, não se restringindo somente à atuação. Na pandemia, teve a primeira experiência como diretora, em um média metragem, também produzido e protagonizado por ela, tendo a participação do namorado, o humorista Yuri Marçal. “O projeto retrata um jovem casal preto em suas nuances e reviravoltas típicas de um relacionamento, de maneira leve e engraçada. “Sem a estereotipização dos conteúdos que retratam a realidade do povo preto”, frisa ela que amou a experiência da direção e está estudando para se aperfeiçoar. “Sobre a produção, ela sempre andou de mãos dadas comigo. Para além de produzir o Projeto 111, sou uma pessoa muito organizada, e desde sempre penso nos processos de tudo que faço, em criar e compartilhar com o mundo”, diz.
E conta mais detalhes sobre o projeto de resistência artística da qual é uma das idealizadoras. “O 111 começa de uma vontade de movimentar os circuitos artísticos com pluralidade de culturas e experiências de troca. Se consolida no encontro de artistas com diferentes formações e lugares de fala-escuta. Entendemos a arte como agente transformador, sendo indispensável em uma construção social que pretende ser inclusiva”, acrescenta.
Dirigir e produzir são funções que Jeniffer planeja continuar exercendo paralelamente ao trabalho de atriz. É uma forma também de abordar temas que ela considera relevante. “Não fujo de nada que é arte. Agora mesmo estou em uma sala de roteiro, escrevendo, ao mesmo tempo que estou atuando na série. O importante é estar em movimento artístico, seja escrevendo, dirigindo, atuando, produzindo, cantando… tanto faz”, assegura.
Igual a todo mundo, Jeniffer também foi impactada pela pandemia. Ela acredita que em algum momento todos sofreram emocionalmente, surtaram. “Mais uma vez, a arte me salvou. Era o meu respiro. Rodei o filme em casa, intensifiquei minhas aulas de inglês, entrei em cursos que sempre quis fazer e não fazia por falta de tempo. Isso tudo me distraiu e me manteve no eixo”, explica ela que não teve Covid-19, mas, infelizmente, perdeu muitos amigos de profissão. “Ainda hoje paro pra pensar e não dá pra acreditar em tamanhas perdas. Muito triste! “, observa.
Com o objetivo de crescer na empresa em que trabalhava, Jeniffer começou a cursar Engenharia Ambiental. O destino parecia estar traçado. Mas a vida mudou da água para o vinho, após um encontro inesperado com Regina Casé. “Eu estava na roda de samba com minha prima (Dandara Oliveira), que na época era rainha de bateria da Viradouro (em 2012). A Regina nos viu sambando muito animadas e nos convidou para fazer um teste para o programa Esquenta. Quase tive um piripaque. Eu já era fã do programa e do trabalho dela. Ali conheci pessoas incríveis, que acreditaram no meu trabalho e me impulsionaram a seguir na carreira. Quando decidi trancar a faculdade (no sexto período) foi uma decisão difícil, mas estar no programa era o que me fazia feliz”, lembra.
Ela, então, estudou teatro na Escola de Atores Wolf Maya, fez cursos, workshops. Um dia, veio o convite para atuar na novela Novo Mundo e, depois, em Malhação – Vidas Brasileiras. “Encontrei meu lugar”, atesta ela, que já atuou nos filmes Medida Provisória e Ricos de Amor, da Netflix.
Hoje, se dedica com seriedade à área artística, mas ser atriz era uma profissão que ela não cogitava. “A interpretação foi uma descoberta, porque eu não me lembro de ter ido a um teatro quando pequena e a TV era uma realidade bem distante da minha. Não via ninguém parecida comigo, não me sentia representada. Somente quando comecei a trabalhar com a Regina no Esquenta, entendi que eu também podia fazer parte daquele universo. Às vezes, é só uma questão de oportunidade. A Regina foi importante nesse sentido. Quando comecei a estudar artes dramáticas, além de me reconhecer como artista, me sentir à vontade no palco e na frente das câmeras, me autoconheci, porque o teatro também tem esse papel. Ali descobri o que eu realmente queria na vida, o meu lugar de fala”, pontua.
Ela tem plena consciência da longa trajetória que ainda tem para trilhar. E considera importante reverenciar quem veio antes e abriu os caminhos para que ela pudesse estar onde chegou. “Eu cresci indo para rodas de samba com meu pai. Ele fazia parte de um grupo de pagode chamado Pirraça. Então, ele é minha primeira referência do que é ser artista, viver de arte. Depois que comecei a trabalhar no Esquenta, descobri o mundo das artes dramáticas e me apaixonei. A Regina foi muito importante nesse processo. Depois, estudando teatro e cinema, mergulhei nesse universo e consequentemente me deparei com artistas que me representavam, e sobre os quais tenho máximo respeito, como Dona Ruth de Souza (1921-2019), Zezé Motta, Zezeh Barbosa, Tais Araujo, Juliana Alves, Cris Vianna, Jéssica Ellen, Luiza Loroza, Luellem de Castro, Viola Davis, Issa Rae, Michaela Coel. E A lista só cresce…Máximo respeito e admiração a todas elas”, pondera.
No momento, passa por um processo de transição capilar. Por trás disso, existe um posicionamento. “A transição pode ser difícil pra muita gente. Sobretudo no início. Sem dúvida, é um ato de muita coragem. Acho importante compartilhar o processo com quem também está passando por ele ou com quem está pensando em começar, dizer que o melhor vai chegar, e que alisar o cabelo machuca não só nosso couro cabeludo, mas nossa alma. Que não existe nada mais prazeroso do que a liberdade de ser quem a gente é e como a gente é. Isso começa em nossa raiz, na liberdade de um cabelo livre de químicas. É lindo entender qual é a textura do nosso cabelo natural”.
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