Janela indiscreta 2020: “Observei a solidão dos vizinhos”, diz a atriz Tóia Ferraz, que criou websérie no Instagram


A atriz, que integra o elenco da série “Ilha de Ferro”, na Globoplay, fala da websérie “Da Janela’, que idealizou, atua e também dirige. No roteiro do projeto com episódios disponíveis no Instagram, cenas da vida real, inspiradas pelo que Tóia via da janela do seu apartamento. O que a vida dos outros tem de tão interessante? “A vida dos outros é fascinante! Se eu não achasse isso talvez não fosse atriz (risos). Eu adoro estar na pele de outro ser humano e viver experiências que talvez não estariam no meu caminho. Tive um professor que dizia que um bom ator precisa ter três características básicas: ter um olhar de empatia para o outro, cuidar da mente e do corpo e ser intelectualmente curioso. Eu acho a curiosidade uma qualidade extraordinária”, frisa

*Por Brunna Condini

Desde que o coronavírus se espalhou pelo mundo e sua pandemia foi decretada, as formas de conviver, de trabalhar e de existir, vem sendo adaptadas, recriadas. Em meio a esse cenário, a atriz Tóia Ferraz, que integra o elenco da série “Ilha de Ferro“, disponível na GloboPlay, também buscou uma nova forma de criar, e desenvolveu “Da Janela”, uma websérie exclusiva para o Instagram. No roteiro, histórias inspiradas em acontecimentos observados por Tóia da janela do seu apartamento. A série surgiu de uma forma despretensiosa a partir de uma observação que eu fazia dos vizinhos que moram em frente ao meu apartamento. Eu ficava olhando aquelas janelas e imaginando quem eram as pessoas que moravam naquela casa, suas histórias. Pensando nisso, gravei dois vídeos e mandei para uma amiga diretora, a Renata Sauda. Ela adorou a ideia e me deu força para pensar em outros. Meu namorado, Gustavo Morozini, que opera câmera, também me ajudou. Ao todo, foram 30 vídeos! Quando cheguei no décimo, comecei a convidar atores e atrizes para interpretarem esses vizinhos e foi o maior barato, passou muita gente legal: Milhem Cortaz, Vera Mancini, Taumaturgo Ferreira, Telma Souza e vários outros. Cada um trazia um novo olhar. Aprendi muito, errei e acertei. Foi um respiro durante tempos de tanta tristeza”.

“A série surgiu de uma forma despretensiosa a partir de uma observação que eu fazia dos vizinhos que moram em frente ao meu apartamento” (Foto: Fabio Setti/Divulgação)

A dinâmica de gravação da websérie é remota, respeitando o distanciamento social, e cada ator utiliza apenas o próprio telefone para contar as histórias, que giram em torno da realidade que vivemos há alguns meses. O que percebeu ser comum a todos neste momento? “A solidão e o mergulho para dentro. Acho que a pandemia nos fez um “convite” para fazermos essa imersão dentro de nós. Os fatores externos como trânsito, roupas, festas…tudo isso foi deixado de lado, e a gente foi obrigado a entrar em contato com as nossas sombras. E dá para tirar muito aprendizado a partir disso. Pelo menos para mim, esse foi recado”, destaca a atriz, que também dirigiu episódios, e dá detalhes das gravações: “Com o tempo, fui ficando mais confortável em dirigir os atores. Dava mais trabalho gravar com os que moravam fora de São Paulo, porque vira e mexe a conexão estava ruim e a filmagem travava. Como fazíamos tudo remotamente, dependíamos muito do sinal da internet. Mas um dos melhores pontos do projeto era o dia de gravação, eu me divertia junto com os atores, aprendi muito”.

“Dava mais trabalho gravar com os atores que moravam fora de São Paulo, porque a filmagem travava. Como fazíamos tudo remotamente, dependíamos muito da internet” (Foto: Caio Brito)

Aos 33 anos, Tóia, que é apelido de infância de Vitória, também é formada em arquitetura, e estava estudando interpretação fora do país quando foi chamada para fazer “Ilha de Ferro”. “Posso dizer que já tenho estrada na vida de atriz. Mas no início costumava levar as duas profissões (de atriz e arquiteta) paralelamente. Até que fui aprovada na série e tive que me mudar para o Rio, e não conseguiria tocar os projetos de arquitetura. Desde então, venho me dedicando exclusivamente à carreira de atriz e, agora, de roteirista também”, recorda Tóia, que segue morando na capital paulista.

A vida dos outros

 Desde 2010 vivendo profissionalmente como atriz, ela fala sobre como a arquitetura ainda influencia suas escolhas. “Também tenho pai e mãe arquitetos, então a arquitetura corre no meu sangue (risos). Eu acho que até de uma forma inconsciente, essa preocupação com os espaços está presente em tudo para mim: na forma como ocupo os ambientes na minha casa, na decoração, nos detalhes, é inevitável. E agora na pandemia nossa casa virou nosso mundinho. Precisa ter aconchego e traduzir quem somos”.

“E agora na pandemia nossa casa virou nosso mundinho” (Divulgação)

Ela está interessada em histórias e nas pessoas que as protagonizam, e conta que é uma observadora humana de longa data. O que a vida dos outros tem de tão interessante? “A vida dos outros é fascinante! Se eu não achasse isso talvez não fosse atriz (risos). Eu adoro estar na pele de outro ser humano e viver experiências que talvez não estariam no meu caminho. Tive um professor que dizia que um bom ator precisa ter três características básicas: ter um olhar de empatia para o outro, cuidar da mente e do corpo e ser intelectualmente curioso. Eu acho a curiosidade uma qualidade extraordinária”.

Há quatro meses em quarentena com o namorado, Gustavo, Tóia também está curiosa para saber como nós vamos sair deste período de crise mundial. “Nunca fomos expulsos da nossa zona de conforto de forma tão abrupta, enquanto sociedade. Os desdobramentos disso são vários. O que vejo, é que estamos treinando um olhar mais empático para o outro e isso pode ser muito poderoso”, diz. “Ah, os dias têm sido uma montanha russa. Quando estava gravando o “Da Janela”, eu estava melhor, porque me movimentar criativamente faz bem para minha alma. Também comecei a escrever. Estou escrevendo uma série com um colega roteirista e tenho gostado muito do processo. A escrita foi a minha descoberta da quarentena. E também coloquei a yoga na minha rotina. Sempre fiz, mas agora, na quarentena fui mais disciplinada e sinto que fez toda a diferença. Parece que a mente acalma mesmo, a gente respira melhor. É algo que pretendo incorporar de vez”.

“Os dias têm sido uma montanha russa. Quando estava gravando o “Da Janela”, eu estava melhor” (Foto: Caio Ribeiro)

Com projetos adiados por conta da pandemia como muitas pessoas, ela descarta a possibilidade de uma terceira temporada de “Ilha de Ferro”: “Por hora é algo que não vai acontecer. Os fãs da série nos perguntam muito e eu admito que também torço por uma terceira temporada (risos). Mas por enquanto não tem previsão”.

Tóia sobre novas gravações de “Ilha de Ferro”: “Por hora é algo que não vai acontecer” (Divulgação/ Globo)

No seu ponto de vista, o que não será mais admitido neste mundo que se reestrutura? “Eu acho que essa história da gente só olhar para o próprio umbigo. Essa doença escancarou que enquanto não entendermos que o único caminho é pensarmos coletivamente, não vamos a lugar nenhum. Ao mesmo tempo, eu sinto (ou pelo menos tenho fé) que isso já está acontecendo. Na escala maior e na escala menor: como com o pai que percebeu que quer ficar mais perto dos filhos, e que não faz mais tanto sentido passar tantas horas no escritório, por exemplo. Esse filho vai ter uma vida mais próxima desse pai e isso vale ouro”.

 Engolidos pelos meses de pandemia, já estamos em agosto. O que espera deste ano ainda? “Caramba está difícil esperar algo. Não tenho cultivado muito esse pensamento do “esperar que”, não. Tenho focado em agradecer o hoje. Ponto. Hoje, acho que só o fato de ter um teto sobre a minha cabeça e comida na mesa já são motivos de sobra para agradecer. Mas, claro, torço para que essa vacina saia o quanto antes. Essa doença ainda é um enigma muito grande eu espero que a gente pelo menos tenha mais entendimento sobre ela até o fim do ano. Quem sabe até lá possamos respirar com mais leveza, literalmente”.

“Essa doença escancarou que enquanto não entendermos que o único caminho é pensarmos coletivamente, não vamos a lugar nenhum” (Foto: Caio Ribeiro)