Jacqueline Sato estreia programa sobre desafios de mulheres de origem asiática e pede inclusão no audiovisual


Em 2023, Jacqueline Sato em “Histórias de Mulheres”, no Star+ e estará levando ao ar, como apresentadora, o programa “Mulheres Asiáticas”, no canal E!, da TV por assinatura e será veiculado em toda a América Latina com objetivo de valorizar as mulheres amarelas mostrando “quem são e o que tem de particularidade. Trata-se de uma parcela da população que a gente escutou menos, viu menos, então vai ser importante para os telespectadores as conhecerem como pessoas reais, diversas. Enquanto na vida real a gente não conseguir abrir esse canal de diálogo, assim como no audiovisual, esse ciclo não vai acabar”. Comenta ainda que criou um grupo de Whats App para atores amarelos terem uma rede de acolhimento. Outra queixa real e contínua junto aos descendentes de orientais é a hiperssexualização das mulheres ou a hipossexualização dos homens. “Isso existe muito e é triste, porque desempodera os dois””, diz

*por Vítor Antunes

2023 se revela um ano de novidades para Jacqueline Sato. A atriz e apresentadora se coloca no mundo a partir de dois projetos que abordam questões sob a ótica feminina – um deles, a série “A História delas”, no Star+, e o outro um programa de TV, o “Mulheres Asiáticas”, no canal E!. Neste último, objetiva dar protagonismo às pessoas daquele continente, sobretudo as amarelas, tão escanteadas pelo audiovisual brasileiro. A atriz fala que a inclusão de pessoas amarelas do audiovisual avançou, mas ainda tem um longo caminho. Tanto que estará no ar numa série do Star+, com uma personagem que não era racializada em seu perfil. “Jacque”, contudo, pondera: “Sei que está melhor que antes, mas acho pouco. Tenho um desejo que a gente transforme isso, já que somos uma população grande no Brasil, especialmente em São Paulo, e pouco vistos. Se perguntarmos quantos asiáticos a população em geral conhece, as pessoas mal vão lembrar, porque os amarelos têm pouca presença e em papeis pouco marcantes”.

Sato aponta que criou, junto a outros atores amarelos, um grupo de WhatsApp com objetivo de ser uma rede de contatos e fortalecimento entre os artistas que vivenciam as mesmas experiências. “A nossa geração está se abrindo a esse diálogo. Nossos pais e avós não tiveram essa oportunidade. Há uma herança cultural de que somos um povo que não reclama, que é uma minoria modelo. O racismo estrutural existe para mostrar que há oportunidades diferentes para cada tipo de pessoa e não é uma questão de esforço apenas”, argumenta. Além disto, Sato comenta sobre a problemática novela “Sol Nascente” e sua abordagem questionável sobre os orientais e o uso do whitewashing para representar uma protagonista japonesa.

Jacqueline Sato produz e apresenta programa que objetiva dar protagonismo às mulheres asiáticas (Foto: Andrea Dematte)

PARA ALÉM DO ESTEREÓTIPO

Mulheres Asiáticas” é, na ótica de Jacqueline Sato, o primeiro programa a dar protagonismo às moças daquele continente. Realizar algo semelhante sempre foi um desejo seu e “pela primeira vez consegui materializar isso. Estou muito feliz em falar sobre essas coisas, que são importantes para mim. Estarei explorando este outro braço do meu ofício, que é o de falar sobre temas que me importo, sobre histórias que eu sempre esperei (…). Inspirei-me muito num movimento que houve nos Estados Unidos, onde um filme – “Crazy Rich Asians” – era majoritariamente composto por asiáticos. Isso colaborou para que eu tentasse fazer, através do meu trabalho, uma ponte para trazer projetos onde a gente possa existir de uma forma complexa, densa, interessante como a gente é e merece”.

Sobre a “ História Delas”, ela diz: “Fiquei muito feliz por conseguir papéis que não precisam, necessariamente, ser vividos por orientais. Personagens que podem ser vistas como uma pessoa comum e que não obedeçam a nenhum outro perfil, tal como acontecem com as pessoas brancas”. Relata-nos ela que sua personagem, Mirella, é uma ex-modelo falida que é dona de uma clínica de estética. “Ainda que ela seja uma pessoa solar, vive uma questão difícil na vida conjugal, num contraponto que vai se desenrolar nas próximas temporadas. A personagem possui uma forte relação com a beleza e a estética que a afasta de lidar com coisas mais profundas, de olhar para dentro”.

Programa no Canal E! e série no streaming. Um 2023 intenso na carreira de Jacqueline Sato (Foto: Andrea Dematte)

Já ouvi dizerem que não há pessoas capacitadas para tais papéis e isso não é verdade. O que falta é oportunidade. Espero que isso se transforme e eu quero ser agente dessa mudança. Sempre quis papéis que não reforçassem estereótipos e disse alguns nãos dos quais não me arrependi, ainda que reconheça meu lugar privilegiado – Jacqueline Sato

Jacqueline era uma das atrizes que compunha o elenco de “Sol Nascente”, novela das 18h, exibida em 2016, recorrentemente referenciada junto à comunidade amarela como um exemplo de whitewashing, ou seja, de brancos fazendo personagens que deveriam, necessariamente, ser racializados. Na trama de Walther Negrão, a protagonista, Alice Tanaka, foi vivida por Giovanna Antonelli. Inicialmente cotava-se que a personagem principal seria interpretada por Danielle Suzuki, que foi afastada deste papel e redirecionada a ser a melhor amiga de Alice, Yumi. Com a recusa a personagem acabou destinada a Jacqueline. Para ela, estar naquela trama foi algo “dicotômico. Foi a minha melhor oportunidade de trabalho, um personagem incrível e o que as pessoas mais lembram. Pensando pelo lado da conquista, foi ótimo, por que eu estava ali, ao lado da Carol Nakamura, que também é amarela. Mas para mim foi difícil, porque via coisas representadas de forma errada”. A atriz prossegue dizendo que foi importante ter feito a novela, ainda que ela tenha tido problemas na escalação.

As pessoas precisam entender e sensibilizar-se ainda mais. Por conta desta novela foi iniciada uma discussão sobre a inclusão de pessoas amarelas na TV. Penso que deve haver uma valorização à diversidade, isso torna as obras mais ricas e gera mais empatia. A gente vê pessoas diversas na rua, e na TV não – Jacqueline Sato

Família Tanaka. A escalação controversa de “Sol Nascente” (Foto: João Miguel Jr/TV Globo)

Sato sinaliza que “não há uma consultoria a essas pessoas racializadas e acaba que a representação delas fica estereotipada, distante das pessoas reais. É difícil identificar-se a elas. Seria interessante que se batesse um papo com os descendentes daquela etnia que está sendo representada isso melhoraria a abordagem por que essa pessoa tem aquela vivência e não vai haver a reprodução de um estereótipo”

Enquanto na vida real a gente não conseguir abrir esse canal de diálogo, assim como no audiovisual, esse ciclo não vai acabar – Jacqueline Sato

De fato, a presença dos orientais na TV ainda é episódica. Numa época onde ainda era tradicional haver apresentadoras de programas infantis, apenas uma era amarela. Tratava-se da atriz Renata Sayuri. Pouco tempo depois, a moça participou de um episódio do programa “Toma Lá Dá Cá”, e o nome do seu personagem pautava-se num trocadilho malicioso. Chamava-se “Furiko”. Ainda sobre televisão, por mais que São Paulo seja uma das cidades brasileiras que mais recebeu imigrantes orientais, apenas dois jornalistas desta etnia aparecem frequentemente no ar: São os repórteres Rafael Ihara e Ju Massaoka, ambos da Globo.

Única apresentadora de programa infantil da etnia amarela, Renata Sayuri também é atriz (Foto: Divulgação/Band)

Voltando a “Sol Nascente”, a atriz relata que o saldo da trama é positivo, pois serviu para criar referência e identidade: “Ana Hikari, minha amiga, disse que quando saiu da Faculdade estava muito em dúvida sobre como lidar com a carreira e viu a mim e à Carol Nakamura dando entrevista no Vídeo Show. Segundo ela me disse, haver visto nós duas na TV foi algo definitivo a ela, que, pouco depois, protagonizou “Malhação”. Dani Suzuki, que também fez a novela teen foi o meu referencial”, comenta.

Leia mais: Ana Hikari: A primeira protagonista oriental da Globo fala sobre a representatividade amarela e whitewashing

Outra queixa real e contínua junto aos descendentes de orientais é a hiperssexualização das mulheres ou a hipossexualização dos homens. “Isso existe muito e é triste, porque desempodera os dois”. Ela diz que à mulher é colada a questão da gueixa. Aos homens, a suposta, pouca virilidade. Para isso, lança mão de um exemplo: “Um ator oriental foi fazer um teste e disseram-lhe que ele não poderia fazê-lo pois aquele era ‘um teste para homens’. Como se ele não fosse suficientemente viril, o que é muito absurdo”.

A esse preconceito aos corpos amarelos, Sato atribui como sendo a reprodução de um desrespeito histórico. “É um resquício da guerra. É algo horrível para ambos os lados. Já ouvi casos de gerações anteriores que eram caçoadas na escola por terem sotaque ou silenciados por força da Lei. Era muito feia a coisa. Hoje está havendo uma maior abertura a se falar desse assunto”. Esse silenciamento por lei ao qual se refere a atriz remonta à Lei de Crime Idiomático, que vigorou no Brasil durante a guerra e que proibia aos falantes de japonês e alemão falarem seu idioma materno. Além disto, a questão se estende aos corpos destas pessoas. “Quando invadidos aqueles territórios, quiseram dominar os corpos femininos e desempoderar esses homens”.

Jacqueline Sato viveu Mariko, em “Orgulho e Paixão”. Durante a Era Vargas era proibido falar japonês. (Foto: Raquel Cunha/TV Globo)

Ainda sobre este tema, em razão do sobrenome, há uma recorrência em associarem Jacqueline à atriz Sabrina Sato, no que ela afirma que “Sato é um sobrenome muito comum no Japão. Não somos parentes, ainda que eu a admire muito”.

UM MUNDO SUSTENTÁVEL

A atriz se posiciona de forma contundente para um mundo mais sustentável. “A gente está destruindo o planeta há muito tempo e sem retorno. A floresta não vai conseguir se regenerar. Eu torço e espero que cada vez mais pessoas abram consciência para isso, de que estamos consumindo demais dos recursos naturais e gerando lixo indefinidamente de uma forma que não dá certo e que vai ter maus resultados”

E Jacqueline tenta fazer a sua parte para um mundo sustentável. Conta que reduziu “drasticamente o consumo de muita coisa. De carne vermelha e de frango e como peixe de vez em quando. Não consegui ainda chegar ao nível do veganismo, mas uso da minha imagem para ajudar na redução do consumo daquilo que faz mal para o planeta e para a saúde. O que eu tento fazer é propor que entendam a consequência do consumo exagerado e tentem reduzir dentro do possível. O pouco é melhor que nada”, afirma.

Há quem enxergue no veganismo um exagero. Eu vejo como uma consciência.  A percepção de que a gente explora os outros tipos de vida – Jacqueline Sato

Ainda sobre a questão ambiental, ela diz que as medidas devem ser urgentes, por mais que sejam tímidas. “Se a gente não começar, talvez não sobrevivamos. A maior parte dos grãos são destinados à alimentação de gado, em vez de serem direcionados às pessoas que estão passando fome, bem como a pastagem é maior causa do desmatamento, fora a questão dos gases metano… A gente está destruindo o planeta há muito tempo e sem retorno. A floresta não vai conseguir se regenerar. Eu torço e espero cada vez mais pessoas abram consciência para isso, de que estamos consumindo demais dos recursos naturais e gerando lixo indefinidamente de uma forma que não dá certo e que vai ter maus resultados”.

Tem gente que não gosta de olhar para essas questões por que é terrível pensar que o mundo está acabando e estamos destruindo tudo. Não sabemos o que pode acontecer. As pessoas preferem não olhar e quem tem sensibilidade não consegue desver – Jacqueline Sato

Como também é envolvida nas questões animais, tanto que tem uma ONG voltada a dar assistência a gatos abandonados, a House of Cats – que já atendeu cerca de 2060 animais e encontrou tutores a eles – a artista também é voz ativa na proteção a eles, especialmente por ser contrária à testagem de cosméticos neles. A atriz também é crítica a empresas que utilizam nos produtos de embelezamento que não são biodegradáveis “Há marcas que são agressivas aos animais assim como aquelas que fazem uso de componentes que não são saudáveis. Às vezes acreditamos estar utilizando algo para a saúde e que, na verdade, faz mal. O ideal seria que os próprios consumidores passem a consumir o que é mais sustentável tanto com o planeta como com os animais. (…) É difícil mas eu prefiro acreditar e ser otimista e crer que tem mais gente se conscientizando em favor do Meio Ambiente e que tem marcas que estão se posicionando em favor de uma beleza limpa”.

Jacqueline Sato é voz ativa na questão ambiental e sustentável (Foto: Estevam Avellar/TV Globo)

Em 2008, com 20 anos, Sato foi eleita Miss Barueri e concorreu ao Miss São Paulo. O convite, despretensioso, não foi analisado na época. Hoje problematiza um pouco a questão: “Há 15 anos eu nem tinha consciência sobre a escravização imposta pela beleza e como isso se operava em mim de alguma forma. Hoje penso que essa competição. É sobre quem é a mais bonita aos olhos de quem? De onde parte esse julgamento? Prefiro apreciar as pessoas em suas belezas únicas e isso é o mais bonito. Não sou favorável aos padrões, mas no quão bonita pode ser a diferença. Sou uma outra pessoa hoje e não sei se estaria em outro concurso como este”.

No auge dos concursos de beleza, uma série de variantes era analisada para classificar a beleza de uma pessoa, e em muitas das vezes os padrões se estabeleciam. Para quem tem certeza de sua unicidade, não precisa passar por tantos pré-requisitos para analisar sua beleza. Basta aquela que é a maior e menor palavra da língua portuguesa. Aquela que engloba tudo: É. E a beleza está justamente nisso.