*Por Brunna Condini
A estreia no audiovisual de Isabelle Nassar não podia ser melhor. Desde quarta-feira (3), a performance da atriz pode ser conferida na segunda temporada de ‘Bom dia, Verônica‘, série de sucesso da Netflix. “Interpreto Olga, uma traficante de menores, que dirige um orfanato e se torna peça-chave na organização mafiosa criada pelo Matias, personagem do Reynaldo Gianecchini, sendo investigada por Verônica (Tainá Muller). Essa trama levanta um tema importante e urgente de ser mais debatido: o tráfico de crianças. É responsabilidade não só da mídia abordar o assunto, mas principalmente do Estado. Existem pessoas sendo traficadas, escravizadas até hoje. Nas últimas semanas tivemos muitas notícias de gente vivendo em cárcere privado, em pleno 2022!”.
E recorda o momento mais difícil no set. “Tem uma cena com o personagem do Giane em que dirijo um ensaio fotográfico com meninas menores para vender essas imagens para o exterior. Foi doloroso. Me lembra tudo o que as mulheres ainda passam até hoje. Essa hipersexualização, que coloca a sexualidade feminina em um lugar de pornografia. Isso vem mudando, ainda bem. Converso muito com minha filha sobre abuso, e todas essas questões que envolvem o feminino no mundo que vivemos”, diz ela, que é mãe de Maria, de 11 anos.
“Na série, vai se revelando que aquele orfanato é uma fachada para aliciar menores, para lavagem de dinheiro, e um dos braços da organização que faz as maiores atrocidades. A Olga tem essa fé cega no chefe dela, que o Giane interpreta. Para vivê-la me amparei muito em mulheres que são abusadas e se tornam abusadoras, guiadas por esse líderes espirituais que se aproveitam de início da boa fé delas. Digo isso sem citar nenhuma religião específica, porque é algo que acontece durante a História da Humanidade, vide os acontecimentos recentes envolvendo o Osho e o João de Deus“.
E completa: “Existem vítimas do João de Deus que até hoje não acreditam no que ele fez. Na série do Osho, por exemplo, tem uma mulher que ficou presa por 30 anos por conta de toda situação que se envolveu. E, mesmo assim, não consegue acreditar na culpa dele. É muito doloroso e precisamos falar sobre o que é silenciado. A mulher que atravessa algo semelhante fica como louca, mas que situação é essa que se repete? Que tipo de domínio é esse exercido pelo patriarcado? A personagem é silenciada e alienada pelo machismo também presente nas lideranças espirituais”.
Para a personagem me amparei em mulheres que são abusadas e se tornam abusadoras, guiadas por esse líderes espirituais – Isabelle Nassar, atriz
Modelo internacional, mãe e atriz
“Sou carioca, de família de retirantes libaneses, que vieram para o Brasil fugindo da Segunda Guerra Mundial. Sempre fomos muito nômades. Fui criada em Minas Gerais, e, desde sempre, gostei de gente e das expressões artísticas. Desenhava, fazia balé, então, aos 15 anos, quando o mundo da moda me atravessou, achei que poderia ser interessante. Saí de Itaúna, interior de Minas, atraída por essa possibilidade de conhecer mais pessoas e me tornei modelo”, conta a atriz de 34 anos.
O caminho como modelo não foi exatamente fácil. “Aos 16 anos, eu fui morar em Pequim, na China. Sabe que isso me deu corpo para entender essa solidão que os jovens na série sentem? Eles viajam achando que vão trabalhar. É triste. Entendo o que é estar em um país estranho sozinha. Modelei na Ásia e em países da Europa até os 22 anos, quando me tornei mãe solo e conheci meu marido (a atriz é casada com o empresário Alexandre Carvalho), pai da Maria. A maternidade me agraciou muito, mas também foi difícil. Fiz duas faculdades de interpretação carregando minha filha, ela sempre esteve em coxia de teatro, me acompanhando em todos os momentos”, recorda.
Posso dizer que não teve uma decisão concreta de me tornar atriz, tudo foi uma continuidade. O que vivi me levou à carreira – Isabelle Nassar, atriz
“Quando vim para o Brasil pensei em fazer algo que me desse alguma estabilidade, já que eu tinha aquele serzinho que dependia de mim. Fui cursar Direito e, no quinto período, tinha uma matéria sobre técnicas de interpretação para o Direito Criminal. Aí pronto, já era. Aquilo me pegou e fui estudar teatro. Também comecei meu caminho autoral de performances, sempre falando do feminino. Então, posso dizer que não teve uma decisão concreta de me tornar atriz, tudo foi uma continuidade. O que vivi me levou à carreira. E fui estudar, queria uma formação mais consolidada. Agora, eu estar no elenco de ‘Bom dia, Verônica‘, um projeto que aborda temas do feminino com tanta assertividade e visibilidade, é importante e comovente”.
Consciência e posicionamento contra o abuso
Ainda recordando a época de modelo, ela lamenta: “A moda ainda era muito machista quando trabalhei. Tinha muito a história de que mulher bonita não é inteligente. Também sofri abuso de carga de trabalho. Quando morei na Turquia por três meses, o contrato era superfaturado, escondiam o passaporte. Tudo um abuso grande, mas, na época, não tinha consciência, maturidade para entender assim”, recorda.
“Geralmente relacionamos o abuso à violência direta, mas, todas as vezes que meu salário é menor do que o de um homem, isso é abuso. Todas as vezes que tive minha fala interrompida ou apagada, isso também é abuso. Todas as vezes que fui criticada pelo patriarcado por ter engravidado como mãe solo, também. Ou quando deixei de ser eu para me enquadrar. Quanto mais entendemos os níveis dos abusos legitimados historicamente por essa sociedade, mais avançamos em não permitir que aconteçam”.
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