*Por Brunna Condini
Pela primeira vez o Brasil celebrou o Dia dos Povos Indígenas, e não mais o Dia do Índio. Especialistas e representantes dos povos originários acham a mudança bem-vinda, já que a nomenclatura anterior era considerada pejorativa. A mudança aprovada pelo Congresso deixou de lado o ‘índio’, palavra que reforçava estereótipos, promovendo com isso a conscientização e o respeito aos povos originários do nosso país. Isabela Santana, atriz de 22 anos com ascendência Pataxó, que fez sua estreia essa semana no episódio ‘Pintadas‘, no especial ‘Falas da Terra‘, aponta sobre o que as pessoas deveriam: “Acho que podem começar por não se ‘fantasiarem’ nas escolas, e também por não cantarem a música da Xuxa (‘Brincar de Índio’), que é muito racista. Vamos andar para frente como grilos e abandonar isso!”, convoca. “Acredito que no 19 de abril, os colégios poderiam convocar mais pessoas indígenas para dar palestras, falar sobre nós, apresentar nossos trabalhos. Não é uma data para fortalecer os estereótipos coloniais nas escolas, nas faculdades e em qualquer outro ambiente. É um momento para celebrar nossas conquistas e reconhecer a luta dos povos. Estamos na década das línguas indígenas, então vamos destacar a importância das línguas e da cultura a partir do olhar e de pessoas indígenas. O Brasil é um país multilíngue e multicultural”, pontua.
Não somos só indígenas, somos diversos, somos contadores de história, somos versáteis, queremos a oportunidade de representar também outros personagens, como um herói, uma vilã, uma médica, advogada ou uma princesa – Isabela Santana, atriz
Cursando Artes Cênicas na UFBA e morando em Salvador, a atriz também é produtora cultural, e durante seis anos atuou na rede ‘Visibilidade Indígena’, pesquisando, mapeando e acompanhando artistas indígenas do Brasil e do mundo. “Era um trabalho de educar. Temos muitos materiais educativos para as pessoas entenderem que há caminhos para contar nossas histórias sem o uso de fantasias. Nos livros, por exemplo, ao invés de ensinar a pintar um indiozinho com palitinho de sorvete, podem ensinar no mapa a ver o Brasil dos povos indígenas. São várias formas de fazer que são simples. Existem muitos autores indígenas, como a Eliane Potiguara, o Olívio Jekupé, que nos ajudam a sair do estereótipo. Os povos indígenas pertencem a diferentes etnias, então precisam parar de ensinar que existe um indígena caricato, somos diversos, temos subjetividades”.
Alguns colégios insistem em ‘fantasiar’ as crianças. Na sua opinião, como os profissionais da educação deveriam se posicionar sobre isso? “Se a criança pode entender a fantasia, nós podemos explicar a ausência da fantasia. Precisamos reconhecer que o racismo é crime, e, principalmente, entender o racismo contra os povos indígenas, porque ele está mais relacionado às pessoas pretas. É racismo quando você fala ‘indiazinha’, o fetiche, por exemplo, e outras coisas que se perpetuam que não gosto nem de falar”, esclarece.
Acho que podem começar por não se ‘fantasiarem’ nas escolas, e também por não cantarem a música da Xuxa (‘Brincar de Índio’), que é muito racista. Vamos andar para frente como grilos e abandonar isso! – Isabela Santana, atriz
Ancestralidade
Neta de imigrantes nordestinos, Isabela é a segunda geração da família nascida e criada em São Paulo. A avó Maria de Lourdes migrou do Sul da Bahia em um pau de arara com sua mãe, pai e irmãos para tentar a vida na cidade grande. “Sempre ouvi dos meus tios-avôs sobre nossa história Pataxó. Apesar de não ter vivido a cultura no território e não ter nascido na Bahia, tem coisa que só a espiritualidade explica, que ‘o sangue puxa’, como ouvi uma vez na Aldeia Mãe. A minha ancestralidade vem a partir do reconhecimento da minha identidade, porque o apagamento faz com que a gente esqueça a nossa raiz. E a raiz pataxó também é a guia dos meus processos artísticos. Faço questão de preservar essa ancestralidade e dar continuidade a ela”, diz.
Isabela fala da avó, uma inspiração: “Eu não a conheci pessoalmente, já ‘encantou’, mas temos uma conexão muito potente, isso em si já me ensina muito, ela vive em mim de alguma forma. Era muito forte e uma figura muito marcante, quase uma militante de hoje. Se envolveu com o movimento indígena em Brasília, buscava saber dos direitos e tinha muita propriedade dentro da região. Ela era uma mulher guerreira mesmo, para frente, militante libertária que sabia dos seus direitos e do seu lugar na sociedade. Herdei essa veia guerreira da minha avó, só que com nossos métodos do século 21. A gente vai se transformando”.
Precisamos reconhecer que o racismo é crime, e principalmente entender o racismo contra os povos indígenas – Isabela Santana, atriz
Na televisão
No especial exibido nesta segunda-feira na TV Globo, a atriz nascida em São Paulo, mas residente em Salvador (BA), faz Michele, uma das três jovens de origens indígenas que se encontram para a gravação de um videoclipe de rap no Mato Grosso do Sul e destacam questões como a preservação da natureza, ancestralidade e violência contra a mulher. “Na dramaturgia, o primeiro passo que estamos dando aqui no Brasil é o básico, e tem a ver com essa movimentação que vem acontecendo globalmente dos povos indígenas estarem se representando na televisão, para mim, tudo começa por aí. Mas acho que é uma camada muito superficial que está sendo atingida, muitas ainda precisam ser cobertas. Eu ainda não vivo essa representatividade plenamente, espero que a próxima geração viva, mas procuro sempre trazer essa provocação: não somos só indígenas, somos diversos, somos contadores de história, somos versáteis, queremos a oportunidade de representar também outros personagens, como um herói, uma vilã, uma médica, advogada ou uma princesa”.
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