*Por Vítor Antunes
Irandhir Santos, que interpretou Joventino na primeira fase de “Pantanal” retorna à novela da Globo vivendo o personagem José Lucas de Nada, que chama-se assim por não ter sobrenome e não conhecer o pai. Sobre ele o ator diz: “(José Lucas) tem um grande objetivo, que é um dia encontrar o seu pai, mas a vida e a natureza vão trazendo para ele suas crias, seus filhos”.
Embora José Leôncio, personagem de Marcos Palmeira, não saiba da existência deste filho vivido por Irandhir, os personagens pantaneiros reproduzem o comportamento brasileiro no que tange ao registro paterno. Por mais variados que sejam os motivos, o índice de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento é alto. Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), de janeiro a abril de 2021 foram registrados, no Brasil, 56,9 mil bebês por mães solo. Um número expressivo quando comparado com o mesmo período de anos anteriores. Até agosto de 2021, a porcentagem equivalia a 6,3%. A Região Centro-Oeste, local onde se passa a trama, ocupa o segundo lugar no número de ausências de reconhecimento de paternidade, perdendo apenas para a Região Norte. Ainda segundo a Arpen, no Mato Grosso do Sul – Estado cenário da novela – das 85.889 crianças nascidas nos dois anos de pandemia, 5.456 foram registradas apenas com o nome da mãe.
José Lucas de Nada, fruto de uma relação fortuita de José Leôncio (Marcos Palmeira) com uma prostituta, não é batizado “De Nada” por ódio ou rancor, mas por ser, de fato, filho de pai desconhecido. José Lucas nunca ganhou nada de mão beijada. Foi educado pela mãe, avó e pelos muitos peões que pousavam pela currutela onde elas trabalhavam. Foi com aqueles homens, simples e rudimentares, que José Lucas aprendeu o ofício de peão e saiu, em companhia deles, para ganhar o mundo como caminhoneiro.
Na versão original do folhetim, a entrada de José Lucas de Nada não estava prevista. Deu-se por conta de um grande apelo popular que pedia o retorno do ator Paulo Gorgulho, intérprete do personagem em 1990. Desta vez, quando a entrada do personagem já era esperada, coube a Irandhir, que foi telespectador da primeira versão da obra, fazê-lo: “‘Pantanal’ para mim tem um resgate de memória afetiva muito grande. A história esteve comigo desde criança. É uma grande história de aventura, redenção, de uma fraternidade entre pai e filho que são, a meu ver, os grandes ganchos dessa trama”.
Outra questão que vem sido discutida nesta atualização da obra de 32 anos atrás é a relação entre Joventino e o filho José Leôncio – personagens vividos por Irandhir e Renato Góes, respectivamente, na primeira fase da novela. Para Santos, as “falhas” de Joventino humanizam-no: “A novela apresentou essa relação humanizada entre pai e filho. Joventino tinha suas relações com o trabalho, adorava ser peão, sabia o que fazia e era um dos grandes. Essa parte humanizada veio através da relação com o filho. Ao mesmo tempo que ele era um pai que exigia que o herdeiro se tornasse um bom peão, era extremamente amoroso, carinhoso. Esse equilíbrio trouxe um brilho para esse homem. Foram poucas as cenas em que aconteceu alguma relação entre eles, mas cada uma delas muito bem escritas para fixar o que de um fica no outro para a continuidade da história”, teoriza.
Sobre Joventino, Irandhir Santos define-o de forma singular: “É um daqueles personagens únicos. É o fundador da casa, de toda a história que vai ser contada. É o alicerce de alguns sentimentos e valores que serão perpetuados nos personagens que vêm depois, como seu filho José Leôncio e seu neto, Jove. O Joventino é um personagem que é um passo antes da entidade. É convocado pela natureza para ser um grande defensor dela. O curioso é que nesse pequeno trajeto que fiz no início da novela, antes de jogar a bola para o grande Osmar Prado, percebi que esse convite é realizado no tranco. Joventino é convidado, mesmo sem saber, a viver no Pantanal. Numa região que não pertence a ele. Mal sabe ele que está sendo enredado para ser um grande defensor daquele espaço”. O personagem de Osmar Prado, que fora vivido por Cláudio Marzo (1940-2015) em 1990, quando provocado transforma-se numa sucuri, cujo objetivo é proteger o bioma pantaneiro.
Ainda no que se relaciona à memória afetiva, Irandhir Santos relata que um dos objetos usados nas cenas simboliza a união entre alguns personagens masculinos da história: “A sela de prata, que é um objeto essencial, representativo para o personagem da primeira fase, na segunda fase se torna um elemento atraente para os filhos do José Leôncio: Jove, Tadeu e José Lucas de Nada. O personagem fala tudo para aquele objeto, que fica impregnado com as memórias dele. A sela foi um objeto que, para mim, como ator, me moveu bastante e a que foi produzida pela equipe de produção de arte é de um encantamento tão absurdo, que ao encontrar aquele objeto todos os dias queria trazê-lo de alguma forma para a cena”.
“Pantanal” não se trata da primeira experiência de Irandhir com o texto de Benedito. Familiarizado com o universo rural proposto pelo autor, o intérprete atribui à novela um valor de memória afetiva: “Eu tenho a sensação que o Benedito já está me convidando há muito tempo. Essa sensação vem da minha infância, quando eu assistia às novelas, e ela se perpetuou na minha formação como ator, quando eu via mais projetos do autor. Das quatro novelas que fiz na minha vida, três eram dele: “Meu Pedacinho de Chão”, “Velho Chico” e “Pantanal”. Quando ouço a palavra “Pantanal”, vem a mim essa memória”.
O processo criativo do ator também passou pelo lugar do resgate de lembranças afetivas: “Quero encarar a feitura de ‘Pantanal’ através de um resgate e de uma criação. Fazer ‘Pantanal’ tem sido criar e nunca vou deixar de criar as coisas que quero fazer. E, em paralelo a isso, tenho um reconhecimento, uma homenagem do que essa história já foi”.
Nascido em Barreiros, Pernambuco, o ator nunca havia ido presencialmente ao Pantanal, mas havê-lo visto pela tela da extinta TV Manchete (1983-1999) deu-lhe uma sensação de déjà-vu: “Trinta anos depois, ir para o Pantanal, pisar e olhar, tem uma sensação de ‘eu já estive aqui’. Já estive como espectador, mas foi tão próxima a experiência que tem um sentimento de pertencimento. Foi marcante e está sendo determinante para essa nova versão”, relata.
A obra de Benedito Ruy Barbosa tem conquistado o público por sua singeleza e ritmo, totalmente diferentes das obras recentemente exibidas na TV. Exibida em 1990 pela TV Manchete, “Pantanal” ainda é sinônimo de sucesso. Por mais que venha tendo bons índices na TV Globo – que em várias ocasiões teve a novela nas mãos e não gravou –, a obra de Benedito Ruy Barbosa tem uma imagem fortemente aderida à extinta TV da Rua do Russell. A atual versão é escrita por Bruno Luperi, neto de Benedito, que supervisiona a releitura da bem sucedida trama pantaneira. O cenário exuberante e as atuações marcantes têm sido definitivas para o sucesso do remake deste clássico da teledramaturgia brasileira.
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