Protagonista do primeiro beijo entre dois homens de Malhação, Pedro Vinícius assume: “Quero ajudar a construir um futuro diferente”


Para o jovem ator, a realidade das minorias deveria ser retratada de uma outra forma: “Eu quero que tenham mais personagens LGBTs nas novelas e quero que as pessoas não precisem processar em suas mentes a existência desses personagens. Deve ser algo normal, sabe? Ver homossexuais e negros sem aquela caricatura, ver mulheres em espaços de poder, ver toda essa diversidade tem que ser normal”

Quem acompanha os episódios de “Malhação: Vidas brasileiras“, com certeza já se pegou envolvido com a história de Michael, personagem que protagonizou o primeiro beijo homossexual nos quase 30 anos em que a novela é exibida. O responsável pela brilhante construção desse personagem é o ator paraibano Pedro Vinícius, que viu sua rotina mudar do dia para a noite, depois de entrar no elenco fixo da temporada.

Em malhação, Pedro dá vida à Michael, um jovem homossexual que, apesar de bem resolvido, sofre preconceito (Foto: Reprodução)

Estreando profissionalmente como ator na atual temporada de Malhação, Pedro tinha o desejo de atuar desde bem pequeno, mas trazendo a inocência característica da infância, passou muito tempo sem imaginar que essa poderia ser uma profissão. “Eu comecei a decorar as falas dos filmes que eu mais gostava e ficava repetindo como um mantra. Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, minha irmã falou uma frase do Auto da Compadecida e eu a respondi com a fala do outro personagem e nós ficamos passando o texto de Dorinha e Eurico. A gente olhava um para o outro e falávamos ‘vamos brincar de filme?’ e ficávamos fazendo esses ensaios. Quando eu soube que aquelas pessoas não estavam presas dentro de caixinhas e eram, na verdade, profissionais da arte, eu decidi que queria trabalhar com isso”, contou ele, que começou o exercício durante as semanas que passava sem internet na casa da avó. Depois, durante o ensino médio no SESC, quando já entendia o local da atuação no mercado, ele começou a ser reconhecido por sua aptidão e talento, mas recebeu olhares de julgamento ao decidir que seria ator no futuro. “Os professores sempre falavam que eu tinha que fazer teatro, mas sempre foi algo muito escolar, nada profissional. Por outro lado, muitas pessoas tentaram me desanimar, falando sobre a dificuldade do mercado, e isso me frustrou e confundiu muito”, afirmou ele, que passou para o curso de artes cênicas na UNIRIO.

Ao finalizar o ensino médio, período no qual recebia moradia e bolsa auxílio para sobreviver fora de seu estado natal e longe da família, o jovem não escondeu o desejo de permanecer no Rio. Depois de passar para a universidade e trancar logo em seguida por dificuldades pessoais, ele entrou em um embate com a mãe, que ordenou a volta do filho para a casa. “Antes de ser convidado para fazer o teste para malhação, eu tive uma discussão com a minha mãe, que não queria que eu ficasse aqui sozinho sem emprego, sem casa etc. Alguns dias depois eu fiz o teste, fui passando no processo e consegui. Foi um presente e uma incrível oportunidade de começar a minha carreira em um lugar incrível, em uma posição privilegiada”, revelou. Pela ótima oportunidade profissional ter chegado antes do estudo, Pedro admitiu o medo de falhar em seu trabalho: “Foi assustador e até hoje eu não consigo assistir as cenas que eu faço. Sou muito estudioso e dedicado, e não estar tecnicamente preparado me apavora”.

Ainda assim, parece que todo o talento e dedicação do jovem compensam essa inversão de ordem entre estudo e trabalho. Interpretando o Michael em “Malhação: Vidas brasileiras”, ele tem recebido muito carinho do público de casa. “Eu faço parte de uma família e acabo entrando também na família de muitas pessoas. Eu recebo muitas mensagens de agradecimento, principalmente durante a quinzena de protagonismo do Michael”, afirmou. E prosseguiu contando mais detalhes sobre o relacionamento com os telespectadores: “Quando ele apanhou, eu recebi muitas mensagens de mães me contando que já precisaram buscar seus filhos desmaiados na escola porque foram agredidos no banheiro e ninguém fez nada. Eu acabo atingindo pessoas que eu não acredito, paro e me questiono como eu fiz isso chegar a essas pessoas? Essa é a maior alegria, trazer identificação e mostrar que não estão sozinhos. A televisão faz com que todos os dias eu esteja na casa das pessoas, falando com aquele menino, aquela menina, aquele pai que não aceita a condição do filho. É a magia de atravessar as pessoas e isso faz com que eu queira continuar”.

Para ele, uma das motivações é o carinho do público (Foto: Divulgação)

Para além da relação do personagem com o público, Pedro contou que a relação dele com Michael é de enorme identificação, assim como o resto do elenco com seus respectivos papeis: “A produção fez um trabalho muito incrível de procurar atores próximos dos personagens. Essas histórias que estão na novela são histórias que nós passamos, sabe?”. No caso de Michael, além da aproximação pessoal, existe um processo de provocar o público, saindo do quadradinho desenhado para um personagem homossexual permanecer. “Em praticamente todos os projetos com algum nome LGBT, esse papel é de uma pessoa padrão, que permanece dentro dos limites do gênero dele. O Michael não é nada disso. Ele é uma bicha afeminada, uma bonequinha que não se esconde e perpassa por características consideradas femininas. Isso incomoda, né?”.

E continuou demonstrando orgulho do trabalho que vem desempenhando com o personagem e explicando o que o motiva a continuar: “Eu tenho metas muito grandes, para além do artístico. Estou desempenhando esse papel por um motivo maior e estou carregando a história de muita gente com esse trabalho. Quero usar a arte em prol do coletivo em todas as suas possibilidades. Eu quero ajudar a construir um futuro novo e diferente. Eu quero que tenham mais personagens LGBTs nas novelas e quero que as pessoas não precisem processar em suas mentes a existência desses personagens. Deve ser algo normal, sabe? Ver homossexuais e negros sem aquela caricatura, ver mulheres em espaços de poder, ver toda essa diversidade tem que ser normal”.

Assim, com essa enorme determinação e vontade de mudar o mundo, Pedro protagonizou o primeiro beijo entre dois atores, nos quase 30 anos em que a novela é exibida. Com enorme naturalidade e bom-humor, ele admitiu que não sabia que seria um marco: “Eu recebi as cenas e pensei ‘Tudo bem’. Depois, falaram que estávamos fazendo história e me contaram. Eu fiquei apavorado, né? Foi incrível e foi lindo demais, porque o que causou no país me deixou chocado. Nós entramos nos assuntos mais comentados do Brasil e do mundo no Twitter e pensar nisso é muito louco”. Não apenas durante essa memorável cena, mas ao longo de toda a temporada, o carinho do telespectador vem se sobrepondo a qualquer possível preconceito, mesmo com o atual contexto de intolerância no país. “Até as poucas coisas ruins que eu recebo são motivação para continuar, porque é sinal de que ainda há muito o que fazer”, comentou. Ainda assim, mesmo que sendo poucas as críticas preconceituosas, o ator contou mais sobre elas e o que as motiva entre as pessoas: “Eu já ouvi mil vezes que a Malhação era melhor na época do Cabeção, porque não tinha nada disso, que eles chamam de coisas de homossexuais. Eles dizem que estamos ensinando as crianças a fazer isso e aquilo, mas não criticam os outros personagens que transam e se pegam normalmente? Na verdade, é a masculinidade se sentindo ferida por uma figura masculina que contém traços do feminino”.

Muito ligado à moda, Pedro adora usar looks considerados femininos (Foto: Divulgação)

Para ele, que costuma usar salto alto e roupas consideradas femininas em tempos de distinção entre o rosa e o azul, não se esconder é uma questão de respeito à própria essência. “Eu tenho muito medo, mas acho que o meu anjo da guarda gosta muito de mim, porque não passei por nada muito grave. Agressões verbais, porém, eu costumo ouvir sim. Eu estava um dia com uma regata branca para dentro de um short de cós alto maravilhoso e super curtinho e um homem me chamou de viado na rua. Fazer o que? Não é a verdade? Eu me aceito como eu sou”, revelou. E prosseguiu, contextualizando a situação: “Essa nova ministra dos Direitos Humanos é, para mim, nada mais do que um bobo da corte, que serve para abafar as coisas que o presidente está fazendo. Precisamos estar atentos nesse momento”.

Em 2019, Pedro vai finalizar a atual temporada de Malhação e continuará batalhando para resistir na profissão, além de retornar à UNIRIO para cursar artes cênicas. “Já já o meu contrato acaba e esse momento é crucial para a minha carreira. Quantas pessoas estouram e depois somem? Eu preciso me manter à vista porque ocupo um lugar de representatividade. Ser artista hoje é além da profissão, uma militância. Tenho que lutar pela sobrevivência dela, assim como preciso lutar pela minha própria sobrevivência”, declarou ao final da conversa.