A mangueira de jardim vira um dreno e a lanterna do celular a iluminação de uma cirurgia. Esses são alguns dos exemplos que ilustram o primeiro episódio da série “Sob Pressão”, que estreiou mês passado, na Globo. Na trama, uma equipe médica precisa ter além de profissionalismo, criatividade para conseguir exercer o ofício em meio à precariedade do sistema público de saúde do Brasil. À frente de tudo isso, Júlio Andrade, na pele do cirurgião Evandro, ainda mostra o lado humano dos médicos que também sofrem para além das paredes de um hospital. Esta é a nova empreitada do ator que precisou mergulhar nos bisturis da ficção para a série que tem emoção e fatos reais como fio condutor.
Na verdade, o enredo de “Sob Pressão” não é algo novo na vida de Júlio Andrade. Sucesso no cinema, a série da Globo é uma nova roupagem da história contada nas telonas, que já tinha o ator na pele do dr. Evandro. “O grande barato de fazer uma série é conseguir continuar um personagem especial. Antes, a gente não tinha muito esse campo para trabalhar, diferente de agora, que as séries estão ganhando cada vez mais força. Então, para esse segundo projeto, eu consegui entender melhor o personagem, exploramos mais a vida pessoal dele etc. E isso abre um leque de possibilidades para a construção de um personagem”, contou Júlio que, apesar desta pluralidade, destacou o fato de ser um trabalho acabado desde o princípio. “Como é uma obra fechada, a gente não tem muita liberdade de criar dentro do personagem. Então, fomos conseguindo explorar diferentes emoções à medida que os capítulos iam chegando. No final, eu adorei o caminho que o personagem percorreu”, comemorou.
E a boa repercussão deve ir além dos bastidores do Projac. Já disponível na plataforma Globo Play, “Sob Pressão” vem sendo uma forma de entretenimento com responsabilidade social da teledramaturgia. Com fôlego para próximas temporadas, como acredita Júlio Andrade, a série de Andrucha Waddington revela as entranhas do sistema público de saúde no Brasil e as consequências das notícias de roubo e desvios de recursos que acompanhamos nos noticiários. “Eu acho que o hospital acaba sendo um reflexo de tudo o que vivemos no nosso país. Nos episódios, temos o menino que chega com uma bala perdida, o outro que engole cocaína, uma que é atropelada e por aí vai. Então, a gente acaba recriando o nosso cotidiano só que dentro de um ambiente hospitalar. Eu vejo como um recorte do Brasil restrito a um mesmo cenário”, analisou.
Neste enredo, casos narrados na ficção ganham ainda mais força quando são pensados a partir de depoimentos reais de médicos que trabalham diariamente em hospitais públicos brasileiros. Assim, mais do que contar uma história da ficção, Júlio Andrade disse que assume a responsabilidade de transformar uma dor real em um enredo de entretenimento. “Essa série foi toda escrita baseada em casos que os médicos contaram e que de fato aconteceram. Isso é muito interessante e eu acho que dá uma carga diferente à história. Quando eu assisto hoje em dia, depois de ter terminado, eu acho que sinto uma carga emocional bem mais intensa porque foram situações nas quais eu me envolvi e sei que aconteceram daquela forma”, contou.
Mas, mesmo com a experiência e o profissionalismo do ator, nem sempre é uma tarefa muito simples conseguir controlar a emoção e o envolvimento com os casos narrados em “Sob Pressão”. “Quando eu comecei a fazer cinema, eu tinha um envolvimento com os personagens que era muito mais vertical. Mas, com o tempo, eu fui aprendendo que isso me fazia muito mal. Nesse caso principalmente, em que o personagem está sempre em situações limites. Eu como ator não posso me envolver, assim como o médico não pode ter uma relação com o paciente”, destacou Júlio que, para isso, mergulha em técnicas e preparações para separar a dor real da ficcional. “Eu cuido mais de mim do que eu permito o personagem me consumir. Mas isso foi algo que tive que aprender com o tempo. Não posso levar os personagens para casa”, destacou.
Apoiado no que de fato acontece em nosso sistema público de saúde, a série da Globo assume o papel de porta-voz da precariedade para a sociedade brasileira. Embora o diretor da obra Andrucha Waddington não veja “Sob Pressão” como um conteúdo de denúncia, Júlio Andrade reconhece esta função no trabalho dramatúrgico. “Eu acho que isso é uma consequência. Nós não fizemos com esse propósito, mas essa questão está presente. A série retrata uma realidade baseada em fatos reais e tudo o que acompanhamos no laboratório e, por isso, acaba sendo uma denúncia”, comentou o ator que acredita que este seja um bom momento para um trabalho com este enredo estrear na televisão aberta. “Hoje, nós vivemos uma época de desejo por mudança e, quando a gente joga essas temáticas na televisão, por exemplo, alguma mudança a gente deverá ter. De verdade, eu espero que a série traga melhorias para a saúde e que a gente consiga se mobilizar para isso”, analisou.
No entanto, mais do que defender o dr. Evandro e a necessidade óbvia de melhorias na saúde brasileira, Júlio Andrade contou que também explora outras temáticas em sua carreira. Além da nova série, o ator também estreia a segunda temporada de “Um Contra Todos”, da FOX, e o filme infanto-juvenil “Malasartes e o Duelo com a Morte”. “Eu acho que o mercado cultural está bem aquecido. Quando eu ligo para os meus amigos, estão todos com trabalhos novos e projetos. Eu acho que grande parte desse momento positivo está relacionado ao crescimento das séries, que estão ampliando o nosso mercado de atuação. Mas, no teatro, a situação é deprimente. E essa é a arte onde nasce tudo”, apontou o ator que acredita que como solução devêssemos juntos valorizar a arte brasileira em nosso país. “Mais do que não ter cultura, não temos educação, saúde, segurança, nada. Estamos ficando órfãos de tudo o que é básico. Hoje, nós só temos gente roubando e querendo se aproveitar do mais fraco e mais pobre, que é a base a classe mais importante da nossa sociedade. É difícil conviver com isso, mas não podemos perder a esperança”, disse o ator Júlio Andrade.
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