Ilana Kaplan: Após bombar no Instagram, atriz diz que não é escrava de rede social e vive, na TV, Carlota Joaquina


Ainda que se considere “uma mulher analógica”, Ilana Kaplan bombou nas redes sociais no auge da pandemia vivendo a personagem Keila Mellman, detentora do bordão “É de bom-tom?”. Atriz também falou sobre a série “Independências”, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, para a TV Cultura, onde vive Carlota Joaquina, dividindo a cena com Antonio Fagundes, que vive Dom João VI. No teatro, atriz segue em “Baixa Terapia”, também em parceria com Fagundes. Nesta entrevista, atriz rememora dois trabalhos obscuros em sua carreira: As malfadadas “Metamorphoses”, da Record, e “As Aventuras de Tiazinha”, da Band

*Por Vítor Antunes

“A peça “Buffet Glória” é o êxito da temporada. Traz um humor refinado e revela uma grande comediante”. Esta, dentre outras construções frasais impensáveis apresentaram Ilana Kaplan no circuito nacional, especialmente nos jornais paulistanos, em 1993. Hoje, a atriz ainda colhe os louros do sucesso da personagem Keila Mellman, professora de “decoração e etiqueta no mundo virtual” que viralizou com os bordões “É de bom tom?” e “Não é de bom tom” no auge da pandemia. Depois de 36 anos de carreira, atriz investe no veio trágico ao interpretar Carlota Joaquina na série “Independências”, da TV Cultura, êxito de crítica do canal educativo paulistano. Neste programa, a artista divide a cena com Antônio Fagundes e está com ele, também, em “Baixa Terapia”, peça que lhe valeu o Prêmio Shell, em 2018 e que retornou aos palcos após haver sido paralisada em decorrência da pandemia. Artista relembra e diverte-se ao falar de dois trabalhos obscuros feitos na TV: A novela “Metamorphoses”, malsucedido investimento da Record de 2004, e a série “As Aventuras de Tiazinha”, da Band, de 1999.

Ilana Kaplan. Atriz está em cartaz com “Baixa Terapia” e em “Independências” (Foto: TV Globo/Estevam Avellar)

“INDEPENDÊNCIAS” E “BAIXA TERAPIA”

Independências” marca o primeiro mergulho da atriz, segundo diz ela, no gênero histórico e em um que margeia a tragédia. Segundo Kaplan “O mais próximo que estive disso disso em “Ricardo III”, de Shakespeare (1564- 1616), onde fui a Rainha Margarida, e em “Lisístrata”, de Aristófanes, que não era tão cômica, mas também não era trágica. A Carlota Joaquina ocupa um outro lugar no audiovisual. Trata-se de um espaço novo, um desafio maravilhoso como atriz que descobri aos 36 anos de carreira. Desafio gigante, muito prazeroso e sou grata por me feito navegar por um caminho que é muito diferente daquele que habitualmente eu navego”.

Ilana nos conta que um dos pontos mais arrojados de “Independências” deve-se ao retratar, de modo distante do clichê, a Imperatriz Carlota Joaquina (1775-1830): “Eu agradeço ao Luiz Fernando Carvalho, o diretor, que não quis que retratássemos a Carlota Joaquina de maneira caricata. Ela foi muito importante historicamente, bem como foi alvo de chacota, quando, na verdade, ela é transgressora. No Século XIX ela se posicionava, lutava pelo poder de igual para igual num universo muito masculinizado. É um personagem muito maior do que lembram ou se retratam a ela”.

Independências”, primeiro projeto liderado por Luiz Fernando Carvalho após haver se desligado da Globo, tem tido boa recepção junto à crítica. Ilana chegou a receber uma nota 10 da jornalista Patrícia Kogut, de O Globo, por seu trabalho. Já o diretor, em entrevista à Folha, reflete em seu trabalho uma crítica ao Brasil e à sua desesperança junto às celebrações dos 200 anos da Independência do País “Este é o meu trabalho mais triste. Não temos nada para celebrar. São 200 anos de quê? De injustiça, de fome, de racismo, de opressão? Estamos repetindo os mesmos erros há 200 anos e só existem pequenas medidas paliativas, não mudanças estruturais”, disse.

Como é vezeiro na produção audiovisual de Luiz Fernando Carvalho, o preparo dos atores se assemelhou à produção teatral. Ilana contou-nos que o processo de criação foi iniciado ainda em setembro do ano passado, durante a pandemia “quando todos eram testados frequentemente ensaiavam de máscara”, contava desde a aulas de expressão corporal, aulas de voz, de flamenco e de improvisação. As gravações foram iniciadas em fevereiro deste ano. “Trata-se de um mergulho para se olhar a História do Brasil sob outra perspectiva, já que a série é contada a partir da ótica de Peregrina (Isabél Zuaa).

A série mexe neste espaço do ‘de onde viemos’ para ‘onde vamos’ enquanto nação, já que a colonização foi algo agressivo, tratou-se de invasão ao Brasil, que era um território indígena” – Ilana Kaplan

Além de “Independências“, a atriz pode ser vista em “Baixa Terapia”, montagem que lhe valeu o Prêmio Shell de Melhor Atriz em 2018. A peça, que estreou no ano anterior, estava em cartaz, e bem avaliada, até que viu-se tendo de encerrar sua encenação por conta a crise sanitária imposta pela Covid. A montagem retornou aos palcos e hoje está no TUCA, em São Paulo. A equipe intenciona trazê-la aos teatros cariocas em 2023.

Ilana Kaplan em “Independências” (Foto: Divulgação/TV Cultura)

UMA SINAGOGA CÔMICA

O humor judaico é tão particular que já mereceu estudos específicos. Freud (1856-1939), por exemplo, diz que o humor judaico se pauta principalmente de zombaria do grupo interno judeus e não do “outro”. Não são poucos os judeus humoristas. Um dos maiores cineastas, Woody Allen, o é, assim como Jerry Seinfeld, da série que leva o seu nome. No Brasil – e em estilos diferentes – constam Juca Chaves, Rafinha Bastos, Fábio Rabin e Berta Loran. Ilana faz parte desse seleto grupo de israelitas. E seu humor dialoga muito com aquele praticado por seus pares. Tanto que ao menos quatro personagens da atriz são, como ela, judias: Sonia Lichtman e Lea Guerschwinn compõem o “Terça Insana”, ao passo que Gladys Mikelmann foi feita para as redes sociais, da mesma maneira que Keilla Mellman, a professora de “decoração e etiqueta no mundo virtual” que viralizou nas redes sociais.

A atriz relata que as personagens nasceram judias por acaso “e são mais sonoros os sobrenomes. Quando eu vi, eram todas judias. Eu tenho esse humor que, claro, vem do meu judaísmo, da minha origem, e também do fato de ser gaúcha. Nós, judeus e gaúchos, temos um grande senso de humor, e esse meu olhar passa por onde eu vim. Tem a crítica em cima de si, claro, mas as personagem nascem através do filtro do humor. Tudo nasceu meio que sem querer”.

Kaplan conta-nos que a personagem nasceu diante de uma ótica crítica por conta das pessoas que, ainda durante a pandemia, viviam suas vidas como se nada estivesse havendo. A atriz escreveu as cenas de Keila em parceria com sua irmã, Ana Kaplan, que é professora de inglês. E o vídeo que tornou-se viral nasceu de forma muito despretensiosa: “Falei à Ana: Vou abrir a câmera e falar algo baseada na notícia da semana”. O primeiro vídeo postado no Instagram da atriz com a personagem alcançou 114 mil curtidas, quase seis mil comentários e fez com que as expressões “é de bom tom?”, “não é de bom tom” e “champanhota” tomassem conta da Web. Ilana viu seu número de seguidores disparar de 6.000 para os atuais 200.000. A artista, que se considera “analógica”, viu-se obrigada a lidar melhor com as redes: “Eu não sabia me comunicar bem pelo Instagram, rede da qual eu entrei muito depois. Quando eu fiz as duas novelas nas quais eu poderia ter mais seguidores – “Carrossel” e “I Love Paraisópolis” – Eu só tinha Facebook”. Ainda que tenha entrado para o Instagram e esteja mais ativa no Facebook, a atriz não se faz presente em uma delas:

Eu não tenho maturidade psicológica para o Twitter – Ilana Kaplan

Ilana Kaplan como Keila Mellman (Foto: Reprodução/Instagram)

Inicialmente, a periodicidade das “Aventuras de Keilla” seriam semanais, mas sua autora mudou de ideia “Não havia conteúdo engraçado o suficiente para fazer toda semana. Mas, como eu não sou uma instagrammer, não sou uma influencer e não ganho para isso, fiquei  mais tranquila em só fazer contanto que eu não tivesse obrigatoriedade de postar toda semana. Eu estou longe do algoritmo por causa disso, mas eu não vou ficar escrava das redes sociais. Quando eu tiver algo bacana ou engraçado ou que eu queria falar, eu ponho. Como a vida começou a voltar à normalidade, eu acabei ficando com menos tempo pra isso. Pode ser que a Keilla volte, como já voltou, ao dizer que “não estava mais fazendo decoração de live por que as lives tinham caído por terra”, mas pode ela pode voltar às redes a qualquer momento.

Tomando por base o bordão de Mellman, perguntamos à Ilana “o que não é de bom tom?”. E ela disse: “A falta de empatia é uma delas. Estamos passando uma situação triste no país, com gente passando fome, pobreza extrema, problemas de moradia, discrepância social, um momento muito bélico… Enquanto houver gente não disposta a olhar para o lado e ver o que está acontecendo, isso, definitivamente não é de bom tom”.

Aliás, Kaplan vem na onda das mulheres comediantes que não rendeu-se aos clichês que costumam ser aplicados às mulheres na comédia, segmento que, especialmente no Brasil, é majoritariamente masculino: “Acho que o humor era um território masculino, talvez houvesse um foco maior nesse universo. Mas sempre houve muitas mulheres fazendo comédia. Há algumas que, ainda que não sejam da minha geração, eu bebi muito da fonte, que são a Marília Pêra (1943-2015) e a Lucille Ball (1911-1989). (…) Agora existe um olhar maior, um espaço maior, e muitas mulheres bacanas fazendo coisas divertidíssimas e eu me orgulho disso”, celebra.

Ilana Kaplan lança mão do humor judaico em suas personagens (Foto: João Miguel Junior/TV Globo)

A DIVERSÃO DOS TRABALHOS OBSCUROS

O primeiro trabalho de Ilana Kaplan na TV foi em “Lá Vem História”, da TV Cultura. No ano seguinte, ela fez uma pequena participação no especial “Dóris para Maiores”, na Globo e fez trabalhos pontuais na televisão. Estrearia em “O Amor Está no Ar”, na Globo, em 1997, mas acabou tendo em “Metamorphoses”, da Record, a sua estreia na teledramaturgia. A novela ficou marcada por seu insucesso. Fracasso tão intenso que nem lhe foi permitido terminar dignamente. Um locutor narrou o final dos personagens da trama. Sobre a novela, a atriz, após divertir-se com a citação a esta memória profundamente específica, disse que “Metamorphoses me fez conhecer gente bacana, especialmente o elenco maduro. Conheci gente como Myriam Muniz (1931-2004), Suely Franco, Zezé Motta e Lucia Alves. Esse contato já me valeu a experiência”. Sobre o caos na produção, Kaplan diz: “A novela deu uma desandada louca. Foi confuso primeiro por que a Tizuka Yamazaki dirigia. Depois tiraram-na e colocaram o diretor da produtora da trama, a Casablanca, na ocasião”.

A confusa trama, que envolvia cirurgias plásticas e a máfia japonesa Yakuza, tinha, segundo a atriz, “um roteiro bem variado”. Ela prossegue dizendo que “foi diminuindo tudo, diminuindo elenco e alguns terminaram na novela sem muita explicação. Tudo foi mudando”. A coisa boa na produção, segundo a artista, era o fato de ela poder gravar em São Paulo, cidade onde mora. Além da parceria com Myriam Muniz “uma baita atriz, muito especial, sábia, extraordinária. Inicialmente ela morava no meu edifício. Depois passamos a morar perto e tivemos mais contato”, relembra.

“Metamorphoses” não foi compreendida na época. Será que ela foi uma espécie de Picasso? Ícone cult que não conseguimos entender? – Ilana Kaplan

Outro trabalho bem obscuro e de divertida lembrança, foi a gravação da série “As Aventuras de Tiazinha”, gravada pela Band em 1999, e na qual a emissora ambicionava surfar a onda de sucesso da personagem que batizava a série. “As Aventuras” foi uma espécie de spin-off de Tiazinha, personagem fetichista que compunha o programa “H”, de Luciano Huck, naquela emissora.

Ilana Kaplan e Aldine Müller (Foto: Reprodução/TV Bandeirantes)

Segundo rememora Kaplan, “Tiazinha possuía um roteiro muito divertido e eu fazia dupla com a Aldine Müller, o que garantia a diversão. Peguei a série numa época em que o Marcelo Rubens Paiva e o Kiko Zambianchi eram os roteiristas. Tinha muito humor na série. A contrário de “Metamorphoses”, que foi ficando sem pé nem cabeça, Tiazinha era engraçada”.

Eu sempre encontro um lugar para me divertir, mesmo que seja num lugar estranho, fora da alçada normal. É a sabedoria em trabalhar com várias correntes e coisas diferentes. O barato do ator está neste lugar” – Ilana Kaplan

Uma das primeiras aparições de Ilana na TV, além dos trabalhos anteriormente citados, foi o comercial das geladeiras Brastemp. Inicialmente cotada para viver a esposa de um político, a atriz acabou sendo remanejada para uma vinheta que deveria ser gravada por irmãs gêmeas. O problema era: sua irmã, não apenas não era gêmea como não era nem atriz. “Um dos funcionários da agência me reconheceu e falou da irmã, Ana, e de que éramos parecidas. Eu pensei, imagina, minha irmã é professora de inglês, jamais vai querer gravar… Mas quando falei a ela do cachê ela animou-se. Levamos uma fita VHS com o nosso teste, certas de que não seríamos aprovadas, já que haviam modelos gêmeas também sendo testadas. Mas surpreendentemente fomos aprovadas”. Os comerciais da empresa de geladeiras foram icônicos nos anos 1990 e marcaram a O2, sua produtora”.

Ilana Kaplan e sua irmã Ana Kaplan no clássico comercial da Brastemp (Foto: Reprodução)

Em 1991 Ilana estreou a peça “Buffet Gloria”, que em 1993 chegou a São Paulo e revelou-a. “A peça foi um divisor de águas. Abriu um caminho bacana pra mim. Tenho orgulho de ter feito.  Luiz Fernando Veríssimo viu e elogiou publicamente (…). depois fui ao Jô Onze e Meia, no SBT e o público triplicou (…). O teatro tem um algo encantador: Quem viu e gostou não esquece. Tem um monte de gente que viu, que lembra do texto, de cenas, e sempre me pergunta se vou remontar. Não dá para remontar, porque o texto ficou datado ainda que me tenha dado prêmios como o APETESP e o SATED-RS”.