Igor Angelkorte: Voz ativa do vitiligo, ator de “Terra e Paixão” descortina o preconceito sobre a condição


Na semana na qual é celebrada a conscientização sobre o vitiligo mundialmente e contra o preconceito, Igor Angelkorte abre o coração numa conversa sincera sobre como convive com as – segundo ele próprio diz – manchinhas na pele e empresta sua própria característica a Cacá, seu papel em “Terra e Paixão”, e com muito orgulho. Além do artista, outros famosos também convivem com a condição que, segundo dados de 2022 da OMS (Organização Mundial da Saúde), afeta cerca de 150 milhões de pessoas no mundo. E mais: Igor fala sobre a volta às novelas, os anos de retiramento que fez após sua última trama “O Outro Lado do Paraíso” (2018) – “Quanto mais famosas as pessoas são, mais encasteladas elas vão ficando. Eu não queria isso. Eu gosto de estar junto do povo e ate hoje eu fico muito confuso” – e sobre como foi vítima de preconceito por não ter um comportamento e uma expressividade heteronormativa

*por Vítor Antunes

Por muitos anos, falar de vitiligo foi algo difícil, problematizado. Vista como uma doença, a condição tinha na figura de Michael Jackson (1958-2009) e nas suas excentricidades um ponto de referência. Ao passo que as pessoas que conviviam com o vitiligo, escondiam-se, maquiavam-se ou eram vistas com preconceito. Atualmente, quando se discute a pluralidade de corpos e existências, um personagem de novela – por conta de seu ator – mostra que é bonito ser o que se é. Igor Angelkorte empresta sua própria característica a Cacá, seu papel em “Terra e Paixão“, e com muito orgulho. Angelkorte nos conta que temeu perder trabalhos por ter vitiligo e que, no início de sua carreira, maquiava-se para esconder os tons de sua pele. Com uma trajetória consolidada, é representativo para outras pessoas que vivem a mesma situação: “Quando alguém me aborda no inbox e fala que tem vitiligo, eu abro um espaço de diálogo e de acolhimento”. O Dia Mundial do Vitiligo foi celebrado no último em 25 de junho, criado para conscientizar e minimizar o preconceito sobre a doença que afeta 1% da população mundial e 0,5% da brasileira. A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) aproveita a data para discutir os impactos da discriminação sobre a doença e a importância da informação.

Após alguns anos sabáticos, nos quais se assustou com a fama e as demandas relacionadas a ela, Igor Angelkorte está de volta não só às telinhas, mas ao teatro. O ator pretende montar “Sidarta”, inspirado no original de Hermann Hesse (1877-1962), sob a forma de monólogo, o seu primeiro. Também promete para este ano o lançamento de alguns filmes que produziu: um sobre Cuba e outro sobre a exploração do minério no Norte do Brasil. O ator também pretende dar voz ao veganismo de modo que ele possa ter um alcance popular e não seja visto como algo extremamente sofisticado. “Para pessoas que se alimentam de carne, por vezes optar por uma alimentação vegetal pode ser até mais barato. Depende de como a pessoa se organiza”.

Igor Angelkorte: Veganismo, arte, vitiligo, tudo-ao-mesmo-tempo-agora (Foto: Ricardo Penna)

CORES VERDADEIRAS

Um dos maiores sucessos de Cyndi Lauper, True Colors“, diz em sua letra: “Eu vejo suas cores verdadeiras (…). Não tenha medo de deixá-las aparecerem. Suas cores verdadeiras são lindas”. Convivendo desde muito jovem com o vitiligo, condição caracterizada pela perda da coloração da pele face à ausência de células de melanina, Igor Angelkorte assume suas cores verdadeiras pela primeira vez em um trabalho na televisão. Cacá, seu personagem em “Terra e Paixão“, tal como ele, também  convive com o vitiligo. A condição personalíssima de ambos é muito simbólica, especialmente por nunca ter havido espaço para corpos diferentes na televisão. Alguns artistas maquiavam-se como forma de camuflar o vitiligo na tela, algo que o próprio Igor fez no início de carreira: “Eu fico aliviado quando não preciso me maquiar e deixar como o vitiligo está. E ele está sempre mudando, sumindo, aparecendo”, diz.

No Brasil, além de Igor, o cantor Gian – da dupla com Giovani; a atriz e modelo Luiza Brunet e a ex-BBB Natália Deodato são pessoas que também manifestam a condição. “Quando uma pessoa me aborda no inbox e fala que tem vitiligo eu abro um espaço de diálogo e de acolhimento”.

Igor Angelkorte: Artista fala abertamente sobre o vitiligo. 25 de junho é a data voltada a dedicar-se sobre o tema (Foto: Ricardo Penna)

Além da sua própria relação com o vitiligo, o ator celebra que esteja havendo maior espaço para a diversidade de corpos na televisão. “No início da minha carreira havia uma recomendação da caracterização de atores para que eu maquiasse a minha pele e a tornasse homogênea. Hoje em dia, eu não sinto essa pressão. As equipes e a criação estão atentas ao que é diferente, ao que gera outra representatividade, e isso é motivo de alegria. Eu recebo mensagem de pessoas que, ao me verem na tela dizem identificar-se comigo. É importante que haja, também, pessoas com vitiligo de outros tons de pele que passam por questões que eu não alcanço”.

Igor teve os primeiros sinais de mudança na pele aos 10 anos, convive com vitiligo, portanto, há 25 anos. De lá pra cá muita coisa mudou, especialmente na leitura que as pessoas têm sobre a condição. “Antigamente, a referência que a gente tinha era o Michael Jackson, uma figura complexa, contraditória, que usava guarda-chuva ao sol, luvas e óculos escuros, que era negro e tornou-se branco. Esses elementos, somados, para o entendimento de uma criança eram algo amedrontador e me tomavam num lugar de pertencimento. Cria que essa condição ia me tomar o corpo inteiro e me prejudicar”.

“O meu maior sonho na adolescência”, diz o ator, “era o de ter um superpoder, apertar um botão e que ao apertá-lo eu pudesse me “curar” disso como num passe de mágica. Hoje em dia, a contrário, quando eu penso em tratamento, penso em manter as minhas manchas. Me identifico com elas, isso traz um borogodó, uma personalidade à minha imagem. Fico feliz em ver que não deixo de trabalhar por conta disso. Eu temia não ter como trabalhar, tanto que, no princípio eu mesmo me maquiava para disfarçar o vitiligo. É uma vitória ver que o vitiligo não me impediu de trabalhar”. No caso de Igor a mudança de coloratura da pele está sobre os olhos e em algumas partes do corpo, de forma pontual:

Eu vejo o vitiligo como um caminho de auto investigação e identidade. Por não precisar fazer algo a se esconder a palavra que me vem é alivio mesmo, felicidade e diversidade e ter uma barba branca é um gesto e acolhimento ás especificidades que temos cada um – Igor Angelkorte

Igor Angelkorte em “Terra e Paixão”. Ator emprestou mostra sua essência ao personagem da novela (Foto: Reginaldo Teixeira/Globo)

Ainda sobre Cacá, Igor relata que “deixar o bigode assim foi uma sugestão minha. Esse é o meu bigode mesmo e deixando-o valorizaria a sua característica [bicolor]. Há quem ache que eu faço a descoloração deste pelo, mas é o meu mesmo e foi a minha última manchinha. Há muitos anos não aparecia uma mancha nova. A TV gostou da ideia e pesou a favor do personagem o fato de ele ser um cara fashion”.

MATIZES DE GENTE

“O Cacá é mais alinhado com quem eu sou”, relata o ator. “Tem um corpo, um gestual uma maneira de elaborar, de ver o mundo, tem uma natureza fluida, que não está tão marcada, dissolve um pouco a coisa do estereótipo de gênero na TV e passa pela performance heteronormativa. “Eu sempre gostei de esticar mais esta corda, não preciso fazer nenhum esforço e posso aproximar ele à minha sinuosidade, à minha forma de lidar com a expressão do meu corpo. Cacá tem um figurino arrojado, é um parque de diversões”. A contrário do que aparenta, o personagem “não necessariamente é gay mas tem essa leitura que as pessoas atribuem. A perfomance que a gente expressa não necessariamente dialoga com nossa sexualidade, que é algo plurais e infinitamente diverso”, pondera.

Igor Angelkorte: Voz ativa do vitiligo, ator de “Terra e Paixão” descortina o preconceito sobre a condição (Foto: Ricardo Penna)

Angelkorte nos fala que ele próprio não performa heteronormatividade. Razão pela qual foi alvo de preconceitos junto a alguns diretores. “No começo da minha carreira, um diretor me advertiu num personagem que era muito bom e fazia muito sucesso. Disse-me ele que o tal personagem era muito afeminado e me deixou desconfortável e triste, por que teria que mudar algo ou “performar”. Em outra situação, um preparador de elenco também disse que eu precisava imprimir mais masculinidade – aquela do estereotipo, durante uma preparação”.

ESMAECER É NÃO ESMORECER

O último trabalho de Angelkorte na TV foi também uma novela do Walcyr Carrasco, “O Outro Lado do Paraíso“. “Amo o Walcyr. Ele sempre me surpreende. Tudo pode acontecer. Meu último trabalho importante foi com ele e o meu primeiro nessa retomada também. A vida trouxe-nos essa parceria”. Entre 2017 e 2023, o ator fez uma pausa estratégica, um redirecionamento de energia vital. Passou por alguns anos sabáticos. Estava “num acúmulo de coisas, depois de 7 anos fazendo TV. Conforme fui fazendo mais trabalhos, as pessoas me reconheciam cada vez mais. Eu me assustei com essa velocidade, que mostrou-se desconfortável. Eu gosto de circular, de estar em ambientes distintos. Percebi que tinha a minha circulação era limitada. Onde eu ia o meu trabalho me acompanhava. E especialmente a TV se tornou muito o meu cartão de visitas. Era um outdoor na minha testa. Isso me deixou muito confuso e com necessidade de ter autonomia. Comecei a projetar como seria se eu ficasse mais famoso que aquilo. Era algo que me assustava quando comparava com colegas mais famosos e eu não queria ficar famoso daquele jeito”.

Quanto mais famosas as pessoas são, mais encasteladas elas vão ficando. Eu não queria isso. Eu gosto de estar junto do povo e ate hoje eu fico muito confuso. Quando começo a ficar sendo mais reconhecido de novo, fico num misto entre animado/feliz e temeroso sobre como isso vai impactar na minha vida nos próximos anos – Igor Angelkorte

Além da novela, o ator está às raias de voltar aos palcos. “Estou preparando um solo a partir do texto “Sidarta”, do Hermann Hesse (1877-1962), além de estar montando uns filmes que dirigi e escrevi nos últimos anos e foram alguns. Um sobre Cuba e outro sobre o corredor do minério em Carajás (PA).

Além do Horizonte. Novela foi marcada pela baixa audiência (Foto: Alex Carvalho/TV Globo)

Falamos sobre sucesso e reconstrução, mas faltou falar sobre a reedificação que advém do fracasso. Igor esteve em duas novelas marcadas pela pouca repercussão: “Babilônia” e “Além do Horizonte“. Para o artista, ambas não representaram um problema, mas uma possibilidade “Eu gosto dessa reconstrução, de quando não há mais mais nada a perder nem expectativas a cumprir”. Em ‘Além do Horizonte’, houve um momento sensível por ter atores muito novos em papéis importantes, e eu era um deles. Como se não bastasse, apostávamos num humor que inicialmente não foi compreendido como proposição cômica. ‘Babilônia’ também teve muitos momentos conturbados, como o do beijo LGBT entre as personagens da Fernanda Montenegro e da Nathalia Timberg. Porém eu estava num núcleo cômico e eu acho que fazer humor é o que há de mais subversivo na TV”.

VEGANO TOM  

Visto como caro, inacessível e/ou idealizado, o veganismo se tornou mais que uma bandeira. Hoje é uma pauta inclusive entre os veganos, que se escusam pelo uso da palavra que, ao se popularizar, perdeu a essência. É o que o próprio Igor, vegano, diz “Fico surpreso quando vejo que essa palavra tem sido cooptada por várias indústrias e pelo capitalismo, que inclusive rotula erradamente as coisas, num descompromisso com a palavra vegano , que para cada um passou a representar uma coisa e perdeu o sentido que tinha: Relação direta com a vida animal e o meio ambiente. Hoje em dia virou sinônimo de dieta, de saúde humana, quando há aspectos que transcendem a isso. Entendo ambientalistas que recusam a identificação do que é ser vegano por que há uma dissidência que aponta e denuncia o uso distorcido de uma coisa cara a nós”. E o ator exemplifica: “Se uma grande indústria trabalha com carne, não é possível que ela tenha um produto que seja vegano por que ela, enquanto indústria,  não tem como admitir esta filosofia. Não adianta ela ter um produto que não tenha nenhum derivado animal em sua composição, se [a sua lógica industrial admite] ingredientes desta origem”, observa.

Para Angelkorte é possível haver “um veganismo popular, voltado a pessoas que têm estes mesmos princípios e valores, mas que têm outros recortes financeiros, de gênero e étnicos. “Há lugares de extrema pobreza e insegurança alimentar nas quais os ultra processados são mais acessíveis que aqueles alimentos naturais, comprados na feira. Para pessoas que se alimentam de carne, por vezes optar por uma alimentação vegetal pode ser até mais barato. Depende de como a pessoa se organiza. É um debate complexo, sensível e que cabe outros pontos de vista”. Num mundo de possibilidades que se apresentam através de Igor, a sua cor mais verdadeira é a do seu tom: Um caleidoscópio plural onde todas as cores e outras mais
procriam flores astrais.