* Por Carlos Lima Costa
Após três décadas brilhando no humor, o ator Welder Rodrigues encara um novo desafio. Ele, que em 2006, estreou na TV e conquistou o Brasil com o ciumento Jajá, um dos personagens que mais se destacaram no extinto humorístico Zorra Total, e que também chamou atenção no Tá No Ar: A TV na TV, no remodelado Zorra e na Escolinha do Professor Raimundo, participa pela primeira vez de uma novela. Em Mar do Sertão, trama das 18 horas da Globo, Welder interpreta o vilão Sabá Bodó, prefeito corrupto da fictícia cidade de Canta Pedra. “Participar de uma novela, nunca esteve no meu horizonte de pretensões. No passado, eu encontrava com o Silvio de Abreu, ele falava: ‘vou te botar na novela’. E eu respondia: ‘Não tenho capacidade técnica’ e seguia nessa piada. Agora, estou me divertindo. Eu, a Titina (Medeiros) e a Giovanna (Figueiredo), estamos em um núcleo muito engraçado”, enfatiza, se referindo às atrizes que vivem, respectivamente, Nivalda e Jessilane, mulher e a filha de seu personagem.
A atmosfera de Sabá, vilão atrapalhado, remete a do prefeito Odorico Paraguaçú, antológico personagem da teledramaturgia brasileira, interpretado magistralmente por Paulo Gracindo (1911-1995), na clássica telenovela O Bem Amado. “É óbvio que as pessoas vão lembrar, porque é a maior referência de prefeito corrupto que temos na nossa dramaturgia e de atuação. Evitei assistir muito para fazer algo novo, para não ir no caminho dele, que era um gênio e eu nunca vou poder alcançar”, pontua.
HUMOR É TERAPÊUTICO E SALVA
Existe a lenda de que muitos humoristas, no dia a dia não vivem fazendo graça. “Eu sou tranquilo, mas não sou o humorista 24 horas. Eu tive um tumor no fêmur e eu já era tranquilo. Não era um câncer, mas um tumor bem sério – tumor de células gigantes (TCG). O primeiro médico queria amputar a minha perna, tirar a parte de baixo do joelho. Aí eu fui no Sarah Kubitschek e eu uso uma prótese óssea e é ótimo. Assinei um monte de papel, que era um experimento meio novo e estou ótimo há 22 anos com a prótese. Eu já levava a vida de forma leve. Depois disso, mil vezes mais. É um dia de cada vez realmente”, ensina.
Em sua trajetória de vida, Welder enfrentou também um derrame. “Nos meus humorísticos, tem um quadro, o Joseph Climber – um divisor na carreira depois que o apresentamos no Programa do Jô. O quadro fala de um cara que vai se quebrando todo e eu sou o próprio Joseph, tenho um monte de parafuso no corpo (risos). O derrame foi em 1996, fiquei com pequena sequela. Tenho micro movimentos do lado esquerdo da face, que aí fiz acupuntura. O meu osteopata diz que é errado falar, mas é o jeito que eu imagino. Eu tenho uma cicatriz muscular nas costas, falo cicatriz, que é tipo um ligamento que ficou duro depois do derrame, que eu trato com acupuntura, com osteopatia. Na face, eu me dediquei mais, porque é importante para o ator, aí faço ainda sessões de acupuntura. Mas são coisas que percebo no espelho, é mais você com você mesmo”, assegura.
O humor sempre o ajudou nessas passagens mais difíceis. “Eu sempre levei de forma bem humorada, porque imagina, você já está com um problemão, ainda vai colocar um peso em cima dele, aí lascou. O humor é uma arma poderosa, inclusive, fica a dica para todo mundo, é você meio que sair e ver a situação de fora de forma bem humorada. É um bom exercício para a vida. Obviamente que tem situações limites que você não dá conta. Por exemplo, sempre tivemos a noção de que o que fazíamos era terapêutico. As pessoas saem do teatro agradecidas, porque é um exercício físico e espiritual”, relata Welder, que testou positivo para a Covid, após a terceira dose da vacina.
A sequela da Covid foi muito doida, aumentou em um e meio o meu grau de miopia em cada olho. Essa doença vai ter que ser muito estudada ainda – Welder Rodrigues
A POLÍTICA E A CENSURA
Apesar de inúmeros casos conhecidos de corrupção na política brasileira, Welder não se inspirou em um político específico. “É o conjunto da obra, temos milhares de exemplos. Nasci e moro em Brasília. Há 27 anos, tenho um grupo de teatro de humor chamado Os Melhores do Mundo. Convivemos muito de perto e fazemos muita crítica política no teatro. Uma das características do nosso grupo e que causa empatia é justamente esse apanhado que fazemos do que está acontecendo politicamente e socialmente na cidade. É um tema que me é caro e grato faz tempo”, frisa.
Os humoristas têm que usar a inteligência para fazer um humor com os avanços sociais que são reais. A homofobia, o racismo, realmente não cabem mais – Welder Rodrigues
E prossegue: “Eu estou apreensivo, porque a gente está vivendo um momento histórico. Estamos colocando a nossa democracia a teste. Eu sou velho, tenho 52 anos, já vi várias coisas no Brasil, momentos tensos. Ao mesmo tempo, sou otimista. Tenho fé de que vai dar tudo certo, que a democracia vai prevalecer, que o mais votado vai tomar posse no dia primeiro de janeiro. Queremos dias normais, entediantes. Não queremos mais todo dia acordar e ter um susto”.
E relembra uma passagem da vida de quando ainda era criança. “A minha primeira peça de teatro foi censurada quando eu tinha nove anos. Em 1979, eu falei mal de um bandeirante. Era um trabalho de história sobre os Bandeirantes. Fiz a minha versão e a diretora da escola mandou parar a peça. Meu avô é índio e sempre me contou a História do Brasil na percepção dele. Os livros de história melhoraram muito, mas nos anos 70, chamavam os indígenas de ‘preguiçosos’. Eu sabia que não era verdade e que houve um extermínio”, lembra.
A MARCA REGISTRADA
Com carreira marcada por personagens carecas, Welder, na realidade, não é careca. Ele raspa a cabeça por opção e usa peruca para caracterizar os personagens quando necessário. Como acontece em Mar do Sertão. “Uso uma peruca daquelas feitas a mão, fio a fio, é incrível. A opção de raspar a cabeça vem de muito jovem. Para o teatro, é muito bom, porque como a peruca encaixa sem nenhum problema, posso fazer vários tipos. No quadro Jajá e Juju, no Zorra Total, eu já usava cabelo só nas laterais. Tem uma parada ideológica de não ser vaidoso”, explica.
Não sou careca. A opção de raspar a cabeça vem de muito jovem. Para o teatro, é muito bom, porque como a peruca encaixa sem nenhum problema, posso fazer vários tipos – Welder Rodrigues
Ele passa longe de ser daquelas pessoas que seguem padrões. Algo mais exacerbado com as redes sociais. “Já tem estudos que mostram que isso está virando uma epidemia, causa depressão. A pessoa quer sempre alcançar o que ela não pode, aquela imagem do iate, do hotel de luxo, do avião. É uma doença do nosso tempo, que está sendo muito estudada, porque você fica dependente. Tenho umas regras comigo. Adoro rede social. Consumo mais do que deveria. Eu adoro ler jornal, revista e sigo o que me interessa, como artistas plásticos do mundo, escultores, meus amigos, artistas, para saber o que estão fazendo. Mas minhas redes, TikTok, Instagram, Twitter, Facebook, são focadas muito no trabalho. Ninguém sabe nada da minha vida pessoal. Apenas da profissional. Posto mais as minhas opiniões políticas e sobre o meu trabalho. Ninguém faz a menor ideia dos meus filhos, da minha esposa, porque preservo bem esse lado. Mas não tenho nada contra quem expões os filhos, cada um tem uma cabeça”, ressalta ele, cujo Instagram é pautado por fotos p/b.
Acha mais forte e tem uma questão de ideologia também. “Quando era mais jovem, anos 80, li que o (Albert) Einstein (1879-1955) só tinha um tipo de roupa para não pensar nisso. Achei a ideia ótima e desde então uso somente All Star preto, calça e camisa preta. Só vão me ver com outra cor quando estou interpretando meus personagens. Faz parte dessa ideologia. Nós artistas somos meio doidos. Mas não sou maluco de comprar roupa para a minha mulher, porque sempre erro. Ela não usa somente preto, tem outra energia, é hippie”, diverte-se.
TRAJETÓRIA BEM HUMORADA NO TEATRO, NA TV E NO CINEMA
Antes de brilhar nos humorísticos, Welder os assistia como espectador. Programas que no momento atual teriam quadros alvos de críticas. “Os artistas têm que usar a inteligência para fazer um humor com os avanços sociais que são reais. A homofobia, o racismo, realmente não cabem mais. Mas tem aquela parada do nicho, quando a pessoa que está falando tem representatividade para estar abordando sobre aquilo. Eu nunca me senti acuado por nenhum tipo de censura. É até um exercício legal assistir agora o Tá no Ar, porque a gente está acompanhando o tempo”, observa.
Mas você teria deixado o Zorra Total por não concordar com a abordagem de certas temas? “Somos um grupo de seis pessoas. Eu e o Ricardo Pipo, nós fomos voto vencido. Ele é o ator que faz o Hermanoteu (no espetáculo e no filme Hermanoteu na Terra de Godah, disponível no streaming do Telecine). A gente não queria fazer o projeto. Uma vez que topo, vou fazer 100%. Se estou lá vou fazer o meu melhor, mas o quadro, por incrível que pareça dentro do universo do Zorra Total, tinha um avanço muito interessante. O Jajá, meu personagem, era apaixonado pela feia, entre aspas, que era a Juju. Ele dispensava as outras meninas e era focado na Juju. O quadro era assim. Havia muita empatia das mulheres, das donas de casa que falavam que esse é um marido bom. O quadro não foi pensado em absoluto para ser isso, mas era, tinha essa quebra de expectativa do humor que se fazia no programa. Foi uma coincidência boa, na minha opinião. Mas aí, tive um problema também no joelho, que eu operei, e meu filho mais novo nasceu (além desse de 13 anos, tem outro de 23, que está cursando Cinema, ama escrever, é apaixonado por novela, e Welder acha que vai ser roteirista). Queria ficar com ele mais tranquilo, um tempinho”, lembra.
E avalia o humor atual. “Eu consumo humor de todas as épocas. Desde o Ary Toledo aos meninos que estão fazendo o Open Mic, no Stand up, o Porta dos Fundos, Parafernalha. Adoro ver os meus colegas. Não vou citar nomes, porque são meus amigos, mas quando a gente fez 20 anos (Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo), colocamos no palco desafetos de anos que voltaram a se falar. A gente circula muito bem entre todos os braços do humor, do Danilo Gentili ao Fábio Porchat, entende. Dentro do grupo, temos orgulho de não segmentar, mas de agregar. A peça, Hermanoteu na Terra de Godah, é apresentada há 26 anos.
“A Globo foi muito legal, porque não dá para fazer teatro e televisão ao mesmo tempo. É tipo impossível. A emissora deixou eu cumprir as pautas que já estavam marcadas. Uso minhas folgas para fazer teatro, até porque são oito famílias lá, que dependem da renda do teatro. Essa companhia tem 27 anos e vive de bilheteria. No Brasil, nesse momento de pandemia, com um governo que considera artistas inimigos, é muito doido. A gente tem muito orgulho disso, assim como tenho muito orgulho de estar também na TV, representando a classe, que eu gosto de ser ator e de atuar”, reflete ele, que além de Brasília, já viveu em Ouro Preto, Rio de Janeiro, São Paulo, Barcelona, Amsterdã. “Na verdade, moro no avião, porque final de semana tenho teatro, durante a semana gravação na TV. Lembro de uma crise que parou todos os aeroportos, cheguei a dormir em aeroporto várias vezes…é a vida, é o ônus e o bônus da profissão. Mas Brasília é muito legal de morar. Nasci lá, então, tenho o afeto, e acabo voltando”, conta.
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