* Por Carlos Lima Costa
O isolamento social e as vidas perdidas em consequência da Covid-19 – neste sábado, dia 19, o Brasil atingiu a marca de meio milhão de mortos -, acarretaram inúmeras ponderações e indagações. Diante do risco iminente de finitude da vida, muitas pessoas ressignificaram a própria existência. Este foi o caso do ator Homero Ligere, conhecido do grande público por seu trabalho como Francis, de Chiquititas. “Me deparei com um abismo enorme no início da pandemia. Impossibilitado de ter contato com as pessoas, comecei a me questionar o que deixei de fazer, falar, viver e se teria a oportunidade para isso no futuro. Parece clichê, mas não é. A palavra ‘ressignificação’ foi importante para mim em todos os sentidos. E ela hoje me define como artista e ser humano, em que precisei me reinventar, porque nós que somos artistas, necessitamos de nos expressar de certa forma. Sem poder exercer a nossa arte, a gente perde um pouco o chão”, avalia.
E prossegue nas reflexões: “Passei por momentos oscilantes, me deparei com os meus fantasmas, com coisas que eu não mexia há muito tempo e como disse foi um processo de ressignificação em todos os sentidos. E viver o presente, o agora, porque geralmente a gente vive projetando muito o futuro, um processo totalmente automático. Vivi, então, um momento de criação, que me serviu como uma válvula de escape. Eu ressignifiquei e transformei em arte”. Assim, naturalmente teve a ideia de uma série já com o título que se encaixava de forma perfeita: ‘Última Coisa Que Diria A Você’.
Ele apresentou a concepção ao amigo Gabriel Manso, que dirigiu o projeto, e a Ana Carolina, que roteirizou. “Ela faz parte do Anexo Criativo, um núcleo onde nós artistas nos unimos para fomentar arte nesse período de isolamento”, explica ele, produtor executivo da série, que a partir de 7 de julho vai estar disponível nas plataformas de streaming Now, Vivo, Looke e na latino-americana Klic. De forma totalmente remota, utilizando seus celulares, através da plataforma Zoom, eles gravaram a série de 11 episódios, que tem no máximo oito minutos cada. Nela, Pedro, o protagonista interpretado por Homero, esbarra em certos questionamentos com amigos através de chamadas de vídeo. A sua parte, o ator gravou na casa dos pais, para onde retornou no início da pandemia para que enfrentassem juntos esse momento.
Em março deste ano, pouco depois de voltar a morar sozinho, o ator de 39 anos acabou contraindo a Covid-19. “Perto do que a gente vê, foram foram sintomas leves, perdi um pouco o paladar, o olfato, tive dor no corpo. Mesmo assim, fiquei extremamente tenso, deu medo porque esse vírus é peculiar, a gente nunca sabe como vai se desenvolver, ainda mais nesse bombardeio de notícias. Então, fiquei desesperado, temeroso, abalado. Mais do que já estava. Psicologicamente falando, é impossível nessa pandemia louca a gente sair ileso. Precisa ter muito equilíbrio emocional. Gosto de meditar, isso me ajudou a me acalmar”, relata.
Se por um lado, na série, Homero fez a concepção, por outro, ele que sempre gostou de “esboçar seus devaneios”, como diz, escreveu a peça Revés (em parceria com Mayara Lepre), que planeja levar para os palcos em 2022. “É a primeira que eu escrevi, um projeto antigo, uma inspiração a partir do livro Só Garotos, da Patti Smith, que conta a história dela e do companheiro vivendo em uma Nova York descabida e totalmente conservadora e eles como dois artistas desbravaram todo aquele conservadorismo e foram eles mesmos. Aí pensei: ‘Será que as pessoas são verdadeiras e felizes consigo mesmas?’ Então, vamos contar a história de quatro personagens que foram verdadeiros com eles mesmos só que dentro de um sistema totalmente conservador e maniqueísta onde existem regras, imposições, que tentam fazer com que eles não sejam eles mesmos. Só que por um milésimo de segundo eles se permitiram a isso. Então, vamos falar sobre relações humanas, sobre o desnudamento das máscaras sociais”, explica ele que também vai estar em cena.
Essas máscaras remetem a um mundo de aparências e de ostentação que se é visto muito nas redes sociais, onde existem muitos cancelamentos. Como Homero observa as relações humanas nesse mundo virtual? “Não sou ninguém para julgar, nem cancelar ninguém. Estamos nesse aprendizado, nessa aventura chamada vida. Acredito que isso vem de uma imposição grande de querer fazer, aparecer, estar. Mas será que você está no topo, está sendo verdadeiro consigo mesmo, passando a imagem que gostaria? Vejo muitas pessoas seguindo modismos e não tendo atitudes por suas próprias identificações e com a sua própria identidade. Pode perceber muitos artistas que são autênticos, são verdadeiros com o que acreditam. Tenho o meu Instagram que eu interajo com os meus fãs, com as pessoas que eu gosto e me identifico, porém não sou uma pessoa tão ativa nas redes sociais. Eu preservo muito a minha saúde mental, ainda mais agora senão a gente começa a se contaminar com uma energia totalmente reversa. E me faz mal energeticamente falando. Sem julgamentos, mas eu não me identifico. Não tenho Tik Tok, não faço dancinha, não fico postando toda hora fotos e tudo mais, sou bem reservado. Gosto de viver minha vida extremamente privada. Agora, todo mundo é livre e tem o direito de fazer o que quer”, reflete.
Politicamente, o Brasil anda muito polarizado, o que se acentua cada vez mais por conta das mortes pela Covid-19. Vemos artistas cobrando de outros uma posição diante dessa crise sanitária. “Esse é um assunto delicado, porque se você não se posiciona é atacado. Se você se posiciona também é atacado. Então, de certa forma, você saber qual o caminho que trilha e se identifica, acho que basta. Você não precisa simplesmente falar. Claro, tem certas coisas que eu já postei desse governo descabido. Mas tenho um público infantil que não faz ideia disso. Quem está vivendo essa história somos nós, adultos, conscientes dessa situação delicadíssima politicamente e culturalmente falando. Então, se posicionar sim, porém quando der vontade e tiver argumentos necessários para falar. Acho também que não pode ficar em cima do muro”, pondera.
O público infantil a que se referiu se deve à novela Chiquititas, onde interpretou o barista Francis, entre 2013 e 2015. A trama infanto-juvenil foi sua melhor oportunidade na TV aberta, onde fez ainda participações em novelas como Corações Feridos e Cidadão Brasileiro. “Até hoje falam, me reconhecem, e nesse momento está sendo reprisada no SBT e no Netflix, e é um grande sucesso. Carinho maravilhoso e foi o trabalho mais próximo do público infantil”, ressalta ele, que já cogitou a possibilidade de experimentar a paternidade. “Já tive mais vontade de ser pai. Tenho sobrinha de 5 anos, a Elisa, que ocupa esse lugar, ela é meu amor, me supre de maneira muito natural e genuína. Amanhã, posso resolver ter um filho, mas hoje não tenho mais vontade, não é mais latente como há dez, quinze anos”, diz.
Apesar de ter trabalhos nos streamings – ele integra o elenco do filme Libertos: O Preço da Vida, que pode ser acessado na Amazon Prime dos Estados Unidos e do Reino Unido – Homero não atuou ainda em nenhuma trama que tenha sido produzida pelas plataformas digitais. Mas tem muita vontade. “Eu me descobri empreendedor, para não depender de ninguém, fazer o meu próprio trabalho. Claro, corro atrás, tenho uma agente que cuida da minha carreira, que me direciona, que me indica para testes. Acho que exercer a minha função como artista é ser ponte para várias reflexões, fazer a pessoa refletir sobre assuntos abordados no qual eu vou interpretar, isso me satisfaz. E quanto a ser empreendedor hoje em dia, isso não te torna refém dessa grande indústria que a gente vive. E eu me descobri com muita vontade de executar para que as pessoas possam ver e refletir sobre assuntos diversos que eu quero falar”, aponta.
Na TV aberta, artistas com anos de carreira tem perdido o vínculo empregatício. Mas Homero acredita que nas produções das plataformas digitais sempre haverá papel para os veteranos. “Acho que tem espaço para todo mundo. Esses grandes mestres como Fernanda Montenegro, Tarcísio Meira, Lima Duarte e Tony Ramos, que lá atrás abriram espaços para nós atores, nunca vão perder espaço pela grande trajetória e talento. Mesmo porque tem se aberto cada vez mais possibilidades”, diz.
E encara com naturalidade a escolha de Juliette Freire, campeão do Big Brother Brasil 21, como embaixadora Globoplay. “A gente vê humanidade na Juliette. Ela fez com que a gente conseguisse enxergar o lado mais puro do ser humano, por isso esse amor e fervor que as pessoas têm por ela. Eu me apaixonei por ela, porque é um ser humano ímpar, é puro amor. E o que está faltando nesse momento é amor mesmo. Acredito que tem espaço para todos. Ela é um fenômeno”, comenta Homero que desde pequeno tinha vontade de ser ator.
“Minhas brincadeiras de criança eram fazer peça de teatro, novela. Eu me divertia com coisas lúdicas. Quando cresci, fui cursar a faculdade de publicidade e propaganda, mas tranquei quando faltavam dois anos para me formar. Fui atrás dos meus sonhos e ingressei no curso Célia Helena, aqui em São Paulo e lá me formei”, lembra ele que, em 2008, três anos após se formar, atuou em sua primeira peça profissional, a comédia Novos Velhos Dias.
No momento, Homero está envolvido com o longa-metragem Ciao, de Gui Dantas e Cristiano Calegari, cujas filmagens vão começar em breve. “Meu personagem, Maurício, é um cara totalmente tradicional, tem uma filha e começa a discutir esse padrão no qual as pessoas hoje se relacionam a três. “Eu nunca fiz parte de um trisal, nem me vejo nisso, mas acho que todo mundo é livre para ser feliz. O importante é ser feliz”, finaliza.
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