“Hércules”: não é preciso ser herói de verdade para dobrar o Olimpo do cinema! Basta ser celebridade forjada no melhor estilo BBB!


No mundo das celebridades, o importante não é ser talentoso, mas fazer o público acreditar no mito. Essa máxima vale até para o filho de Zeus!

“Você não precisa ser semideus para ser herói. Basta acreditar que você é herói”. Essa máxima proferida no final de “Hércules” (Hercules, Paramount e MGM, 2014) define bem o tipo de whey protein da qual esta anabolizada produção dirigida por Brett Ratner (X Men: O Confronto Final, Dragão Vermelho) é feita: um atualização do mito do filho de Zeus seguindo os cânones da Sociedade do Espetáculo na esteira do lucrativo filão de filme de super-herói e com um pé na retomada de épicos que renova o gênero desde “Gladiador” (Gladiator, de Ridley Scott, Dreamworks SKG e Universal Pictures, 2000), sob o verniz da computação gráfica.Traduzindo para o português: o longa-metragem procura apresentar para as novas gerações o personagem através de efeitos digitais de ponta e recursos 3D, renovando a história do mais famoso fortão da mitologia greco-romana sob a ótica que rege os astros pop do mundo contemporâneo.

Reside aí seu melhor mérito: a adaptação dos roteiristas Ryan Condal e Evan Spiliotopoulos, que se basearam na obra do quadrinista Steve Moore (1949-2014) intitulada “Hercules: Volume 1: The Thracian War” (Radical Comics, 2008), cujo argumento transporta o halterofilista para o universo das celebridades da cena moderna. No caso, o realizador dos incensados doze trabalhos seria apenas um mercenário talentoso que, equipado com poderoso aparato publicitário, vende seus préstimos a quem quiser pagar para ter seus serviços, afugentando os inimigos sob camadas daquela baboseira publicitária que apregoa seus fabulosos feitos. Sim, até quase o final do filme, fica aquela dúvida: ele é mesmo cria do chefão do Olimpo com a bela mortal Alcmena? Ele deu cabo do leão de Nemeia, da Hidra de Lerna, seduziu a Rainha Hipólita das Amazonas para lhe roubar o cinturão ou capturou o javali de Erimanto na base do muque? Pouco importa. O fundamental aqui é que os inimigos de quem o contrata acreditem que ele é o imortal autor de todas essas façanhas, o que já garante meio caminho andado para cumprir aquilo que lhe foi destinado a peso de ouro.

Para isso, o musculoso rapaz interpretado por Dwayne Johnson conta até com uma espécie de assessor de imprensa, seu sobrinho Iolau (Reece Ritchie), que se encarrega de fazer estardalhaço em cima do mito, adicionando a devida pimenta àquilo que todos acreditam saber, impressionando contratantes com release que, ao invés de redigido (óbvio!), é perfilado na tradição dos antigos contadores de histórias e ainda colaborando na hora de fazer os oponentes estremecerem ao enfrentar o bonitão. Luxo. E, claro, um time de mercenários coadjuvantes que também faz as vezes de equipe de produção de eventos, todos saídos de outras narrativas clássicas: Autólico (Rufus Sewell), a veloz Atalanta (Ingrid Bolso Bersal), Tideu (Aksel Hennie) e até o adivinho Anfiarau (Ian McShane, soberbo!), que se encarrega de prever as ações do público. Coisa de superstar!

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Fotos: Divulgação

É essa brilhante sacada – inserir o showbizz na Antiguidade Clássica – que confere charme ao resultado narrativo, mesmo que aquilo que se veja nas telas seja apenas uma sucessão de quebra-paus e pancadarias, com a plateia torcendo para que, no fundo, o astro tivesse mesmo os poderes mágicos que lhe foram reservados nos relatos mitológicos. Uma delícia observar a história reduzindo o mito grego ao mais reles significado de celebridade fabricada nos porões da indústria do entretenimento, considerando que a espetacularização da vida moderna através da mídia subverte o sentido básico do herói clássico – aquele de alguém é célebre não porque foi incensado pelos meios de comunicação, participou de um Big Brother ou adquiriu notoriedade (por osmose) ao conviver com famosos, mas por ter uma qualidade especial que ninguém possui ou por ter se distinguido ao realizar um feito do qual mais ninguém seria capaz.

Não fosse isso, e a não ser pelos efeitos caprichados de uma direção de arte bem-feita (que procura imprimir sobre a cenografia sua homenagem àqueles épicos sword-and-sandal dos anos 1950), o longa seria desprovido de atrativos, mesmo contando com o brucutu Dwayne Johnson à frente do elenco. Apesar dos pouquíssimos recursos dramáticos, o ator sabe funcionar em cena e, enquanto celebridade forjada em Hollywood, tem o mesmo tipo de carisma daqueles que se firmaram no olimpo dos filmes de ação em eras anteriores, como Sylvester Stallone e James Coburn. Assim como eles, Johnson é um mau ator que pode até virar mito cinematográfico se continuar sabendo patinar na indústria com certo tempero e superando a falta de outros talentos, como a incapacidade de proferir “Ser ou não ser: eis a questão”. E, naturalmente, para munir a realização de qualidades interpretativas além desse apelo do astro, os produtores se encarregaram de contratar atores de verdade para interpretar papeis-chave: além de McShane, Joseph Fiennes e o sempre impecável John Hurt.

Trailer oficial (Divulgação)